MEU PAI MARCOU ÉPOCA COMO PUBLICITÁRIO EM SERRINHA

Valdomiro Silva
25/09/2022 às 11:58
     "Ele era um homem que pouca atenção dava ao próprio aniversário. Para o mais famoso Ribeirinho, dos tantos ribeirinhos assim chamados neste país, esta data de hoje, em que faria aniversário, era como outra qualquer. Mas gostava de festejar o aniversário dos outros.

Especialmente quando um dos filhos fazia idade nova, sempre realizava grandes homenagens em seus programas de rádio. E até presente dava. Eu mesmo recebi vários, no 6 de agosto, inclusive a minha inesquecível bola de couro número 1, creio que aos 9 ou 10 anos de idade.

São poucos, e afortunados, os homens que deixaram marcas tão profundas de amor e reconhecimento em todos os seus filhos como conseguiu o velho Ribeirinho. Além de ter feito incontáveis amigos! Inimigos? Também, mas raros. Afinal, quem não os tem, voluntária ou involuntariamente?

Um homem controverso. Pai carinhoso, dedicado e responsável na maior parte de sua vida e ao mesmo tempo um marido mulherengo. Não era mesmo, dona Brígida?

Painho, na verdade, foi, simplesmente, um homem do seu tempo, herdeiro dos resquícios machistas dos pais e avós. De espírito aventureiro, por isto, ausente em alguns momentos de sua juventude. Enfim, características muito comuns de sua geração, nada diferente de tantos outros.

Nascido na distante década de 30, foi um jovem de família pobre da zona rural no Sertão da Bahia, filho do rezador e curandeiro Cordolino e da domestica dona Zefa. Enfrentou dificuldades e teve que deixar muito cedo o convívio dos pais para trabalhar.

Primeiro, migrou do povoado de Bela Vista, hoje distrito do Município de Serrinha, onde nasceu, para Salvador. Na capital, vendeu sorvetes, subindo e descendo ladeiras com a caixa térmica pesada sobre uma rodilha de pano na cabeça. Na Fonte Nova, aos domingos, era um dos que mais vendiam aquela delícia fabricada pela tradicional Capelinha. E foi ali que ele apaixonou-se pelo Vitória, amor que o acompanhou até o seu último dia de vida.

Os tempos ficaram difíceis na grande Salvador e, levado pelo irmão Pedro, chegou ao povoado de Queimada do Curral, município de Valente, para ser cevador nos motores de sisal. Naquela comunidade, encontrou a sua "Bregida", com quem viveu até a morte. Com ela, constituiu família e deles, nascemos eu e mais cinco irmãos (Dé, o mais velho, Geovane, Gildo, Gildeone e Gisele).

Em idas e vindas para Salvador e depois de muito gastar a garganta gritando "olha o sorvete", para tirar a sobrevivência, o destino fez com que a sua voz percorresse outros caminhos. Mais tarde, ela seria utilizaria para outros fins, ao se tornar violeiro, radialista e publicitário. Continuou vendedor, também, mas agora, de outro produto, a propaganda. Difícil saber qual das quatro coisas ele fez melhor.

Como repentista, um talento extraordinário. A voz metalizada era incofundível assim como a inteligência e sutileza das mensagens em suas trovas. Não havia mote em decassílabo que o desafiasse e ele não tirasse de letra - e muita qualidade. Por falar em desafio, pobre do colega que o enfrentasse no "pé de parede". Seu raciocínio extremamente veloz fulminava o "inimigo" com versos ao mesmo tempo engraçados e meticulosamente ferozes.

No rádio, seus milhares de ouvintes, muitos dos quais ele os saudava de compadres e comadres, todos os nomes rigorosamente anotados em seu famoso caderno, lhe conferiram uma audiência difícil de ser batida por qualquer outro comunicador no rádio da Região do Sisal.

Publicitário autodidata, era autor ele mesmo dos seus anúncios. Os "testemunhais" eram uma flecha sempre certeira em direção ao consumidor, elevavam qualquer marca e a transformava em sucesso de vendas.

Vendas, aliás, eram uma das suas especialidades profissionais. Alem do sorvete, lá na adolescência, Painho também vendeu, com grande sucesso, propaganda para as rádios Difusora e Regional. Era difícil alguém resistir a uma investida daquele vendedor obstinado, persistente e muito convincente.

Maior marqueteiro das Lojas Cruz de Tuíca, ele é seguramente um dos responsáveis por esta marca, histórica do comércio de Serrinha ter se tornado uma das mais conhecidas da região em todos os tempos

Foi o seu poderoso discurso que o levou a fazer, para mim, a maior de todas as vendas e o caro leitor vai entender a minha razão. Havia, em Riachão, Tanquinho e também na Feira de Santana, uma grande rede de lojas, para os padrões da época, final dos anos 70. Se chamava "A Defensora". Painho divulgava aquela empresa.

Foi em uma delas, a de Riachão, que ele comprou, em permuta de propaganda, o "3 em 1" mais desejado pelos jovens daqueles tempos, uma Taterka Linear, que me presenteou por ter passado de ano com notas altas.

Aqui, com lágrimas de saudades, neste momento, lembro-me como se fosse agora, da vibracão, do sorriso orgulhoso e do brilho nos olhos de Painho ao receber, ler com atenção e constatar a nota 10 de tantas provas que fiz, do Graciliano ao Ginásio Rubem Nogueira; do Rubem Nogueira à Escola Normal; da Escola Normal ao Colégio Estadual em Feira de Santana. Ciclo de estudos que eu não teria completado se não tivesse o seu apoio.

E se ele não houvesse se esforçado tanto, seguramente eu não estaria aqui para contar essa história como um jornalista formado e um nome, modestamente, respeitado na comunicação desta grande cidade onde vivo.

Mais uma vez, então, repito, eternamente agradecido, o que já disse em outros textos e também olhando em seus lindos olhos, quase azuis, que tanto seduziram (rsrsrsrs): muito, muito, muito obrigado Painho. Rogo a Deus que releve os seus pecados (quem de nós não os cometem?) e o receba em seu Reino, onde um dia almejo reencontra-lo."