Walmir Rosário
02/04/2021 às 11:55
Quando governador, Paulo Souto, frequentemente passava os fins de semana na pacata Canavieiras, cidade em que podia circular livremente sem as costumeiras aporrinhações da vida política, com pessoas lhe parando nas ruas para pedir benesses, que vão desde o emprego para si e parentes até a construção de obras e serviços que trouxessem os benefícios. Como precisava se esquivar, deixando esse mister para os assessores mais chegados, treinados para deixar importunar o governador, Canes era a cidade perfeita.
Na maioria das vezes, entretanto, o governador teria de desembarcar em Ilhéus, por conta da falta de condições e segurança para pousar no aeroporto de Canavieiras. Nesses casos, o hoje aeroporto Jorge Amado era a solução. Só que, para o desespero de Paulo Souto, pessoa recatada, a chegada do avião do governador era um acontecimento, visto que também “era ilheense”, cidade em que morou por muitos anos, estudando e trabalhando como radialista e depois geólogo.
Nesta época, o prefeito de Ilhéus, Jabes Ribeiro, conhecedor dos hábitos de Paulo Souto, alertou seus amigos que trabalhavam no aeroporto – desde os motoristas de táxis, carregadores e funcionários da Infraero – de avisá-lo imediatamente sobre a chegada do avião governamental. E os pedidos do prefeito eram consideradas ordens, não podiam deixar de ser cumpridas.
Às sextas-feiras, como eram de costume, os telefonemas disparavam para o Palácio Paranaguá: “O avião do governador está com previsão de aterrissagem para tantas horas”. Imediatamente, o prefeito se desincumbia dos seus afazeres, apressava as audiências concedidas para estar no aeroporto antes do avião aterrissar. Afinal, ficava bem receber o governador na porta do avião.
Não só pela gentileza demonstrada, mas era preciso também mostrar à população que desfrutava de grande prestígio junto ao governador. Era o máximo e, imediatamente, os fotógrafos eram colocados a postos para flagrar os momentos mais importantes, o cumprimento ainda na pequena escada da aeronave. Enquanto os flashes pipocavam, os radialistas entravam ao vivo nas programações das emissoras para documentar a cena, revelando aos queridos ouvintes a preocupação do prefeito em receber o governador na intimidade, ocasiões mais do que propícias para, numa conversa de pé de orelha, tratar de reivindicações para Ilhéus.
Por mais que o governador Paulo Souto se esquivasse desses encontros nos fins de semana, a perspicácia de Jabes Ribeiro não permitia. “Espiões” a postos, não dava outra, assim que o piloto da governadoria preenchia o plano de voo em Salvador, os telefonemas disparavam e o prefeito se aprontava para a recepção semanal. Era a glória estar lado a lado com o maior mandatário do Estado da Bahia.
Num desses fins de semana, a agenda do governador era outra e sua passagem por Ilhéus tinha como finalidade apoiar outro candidato a prefeito de Ilhéus, o que seria decidido num lauto almoço na residência do então deputado federal Roland Lavigne. Desta vez – pensava o governador –, estaria livre para conversar sobre a política ilheense, pois, além de adversário político, seu anfitrião era considerado inimigo de Jabes. Enfim, a conversa seria longa, definitiva e bastante proveitosa.
Antes, porém, tomou todas as precauções para desembarcar em Ilhéus longe dos olhares curiosos e vigilantes dos amigos do prefeito. Dito e feito, chega o avião, o governador desembarca e embarca num carro enviado por Roland Lavigne para conduzir Paulo Souto à sua residência. Mas, como sempre, o serviço de informação municipal funcionou sem qualquer falha.
Sem perder a elegância, Jabes Ribeiro se dirige à residência de Roland Lavigne, toca a campainha, e como se convidado fosse, se apresenta para uma conversa institucional, republicana, como diriam os petistas. E a situação realmente permitia, pois estavam juntos nada menos do que o prefeito de Ilhéus, o governador da Bahia e o deputado federal por Ilhéus, Roland Lavigne.
Um whisky de entrada, vinhos durante o almoço e Jabes se desmanchava em gentilezas (fora das vistas dos eleitores) com o anfitrião e o governador, não permitindo que ambos discutissem a sucessão ilheense. Barrigas cheias – fome saciada, melhor dizendo – as visitas se despedem e cada um procura seu destino: Roland continua em casa, o governador se dirige a Canavieiras e Jabes desfila pelas ruas de Ilhéus de volta ao Palácio Paranaguá.
Moral da história: O político não dever perder a fleuma e considerar a oposição apenas, como inimiga, e sim adversária do momento, pois lá na frente poderão estar juntinhos, no mesmo palanque e trocando afagos nunca antes imagináveis. Essa receita é seguida fielmente pelo ex-prefeito e ex-deputado federal Fernando Gomes, desde que ingressou na vida política, apesar das inflamadas discussões com ACM.