COMO IRMÃ DULCE pegava as aparas de papéis da tipografia Gomes

Valdir Barbosa
17/05/2019 às 17:35
SANTA DULCE DOS POBRES

Novo milagre atribuído a Maria Rita de Souza Brito Lopes Pontes foi reconhecido pelo Vaticano. Nascida aos 26 de maio de 1914, em Salvador, Beata Dulce dos Pobres, Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, Irmã Dulce, “o anjo bom da Bahia”, se tornará a primeira mulher brasileira canonizada, segundo o site “Vatican News”.

Após beatificação, três casos de Graças alcançadas e reportadas pela OSID - Obras Sociais de Irmã Dulce - à cúpula da Igreja Católica resulta na admissão de novo prodígio, por conta de sua intercessão, por isto, a decisão Papal em favor do decreto que lhe fará considerada Santa.

Diversos personagens que puderam acompanhar de perto a trajetória admirável daquela mulher comentaram, nestes derradeiros dias, acerca do assunto, sobretudo, nas redes sociais e falaram de sua tenacidade no dedicar toda vida à causa dos desvalidos, ao exercício incansável por diminuir o sofrimento de enfermos desassistidos, abrigar órfãos, saciar famintos, educar carentes.

Desde 1959, quando fundou a entidade filantrópica que leva seu nome foram sendo operados milagres, não se pode deixar de afirmar. Sim, porque peregrinando no rincão onde nasceu batendo de porta em porta, na cata de donativos com vistas ao interesse da causa, a figura franzina, pouco mais de metro e meio, capaz de se agigantar diante dos empresários e líderes poderosos do seu tempo, no afã de angariar fundos destinados a obra benemérita fez multiplicados pães e peixes.

Desde o genesis de seu perambular diuturno garimpando recursos capazes de atender necessidades da missão à qual se dedicou, enquanto a saúde permitiu, jamais tergiversou no seu propósito, então, soterópolis e adjacências puderam testemunhar milagre revelado no complexo que fez erigir, com dezenas de núcleos instalados no Largo de Roma e Simões Filho, região da grande Salvador.

O imenso mar principiado no sonho de Irmã Dulce e originado na nascente tênue de fio d’água chamado caridade vem banhando milhares de homens, mulheres, crianças, jovens e anciãos, os quais foram e são atendidos, diariamente, por médicos, enfermeiros, terapeutas, fisioterapeutas e psicólogos aliviando dores e propiciando curas. 

O CESA - Centro Educacional Santo Antônio - oferece a crianças e adolescentes, oriundos de famílias necessitadas, ensino fundamental e profissionalizante, dentre outras opções, mas, decerto, falar da grandeza guardada na obra desenvolvida por Dulce e seus desdobramentos é assunto para livro, não pode caber em meros rabiscos deste simples contador de histórias.

Todavia, estas linhas guardam razão especial. Ontem, fiz périplo por local velho conhecido, ao final do dia, quando decidi apanhar minha querida Roberta abrigada por toda tarde, no prédio onde funciona a FEEB - Federação Espírita da Bahia -, velho casarão situado no Largo da Igreja do São Francisco. Para tanto, do ponto onde me achava, no intuito de chegar ao destino trafeguei por derradeiro na Baixa dos Sapateiros, subi a Rua 28 de Setembro, cruzei a Rua São Francisco que nasce na Ladeira da Praça e segue longa até a Igreja dourada que dá nome ao logradouro, finalmente, através a Rua da Oração, uma das vias estreitas do entorno aportei no Terreiro de Jesus.

O pensamento, corcel alado, me levou ao final da década de cinquenta, na oportunidade, o velho Gomes mantinha gráfica que levou seu nome, na Rua São Francisco, 29, depois a empresa mudou para Ladeira da Praça, 34, quando passamos a residir na Pacífico Pereira, 174  - Curva Grande de Garcia -, numa casa adquirida nas mãos de Pena Cal, da padaria Cairu, mediante módicas prestações mensais.

Inicialmente moramos aos fundos da tipografia, meus pais, eu e Vanda, ali, no início dos anos sessenta nasceram os outros irmãos mais novos, Walnei - falecido - e Wanilda. Naquele trecho postado entre a Ladeira da Praça e a 28 de Setembro vivíamos nós, Capitão Ivan, da Bomba - Corpo de Bombeiros -, professora Joselita, Adrião Alfaiate e D. Maria, dona de restaurante frequentado por figuras ilustres e famosas da ocasião, mãe de Ruy que veio ser proprietário de comedoria, no Edifício dos Arquitetos, todos ladeados por tolerantes albergues, por isto, nossas portas guardavam cartazes: CASA DE FAMÍLIA, diga-se de passagem, respeitados. 
 
A viagem mental me fez recordar a Escola de Belas Artes, mercearia Porta do Sol, o Cinema Santo Antônio, Farmácia Santana, Alfaiataria Estrela, Radio Cruzeiro e Panificadora Paris, de Seu Domingos, pai de Dominguinhos, cantos que minha infância e pré-adolescência conheceram amiúde, contudo, meus eflúvios mentais foram iluminados por recordação especialíssima.

Varias vezes, tanto na primeira, como na segunda sede da Tipografia Gomes Ltda. assisti chegar irmã Dulce, a bordo de veiculo Wolksvagen, tipo Kombi. Em determinados dias da semana, ela fazia périplo visitando gráficas, muitas delas existentes na região central da cidade, no objetivo de recolher aparas de papel, sobras das resmas cortadas no formato ofício, memorando, cartões, para respectivos impressos. 

Com o produto da venda destes restos, a abnegada freira ia amealhando recursos, para juntá-los a outros tantos, os quais, na força de sua fé e seu esforço operaram o milagre revelado na sua obra terrena. No meu sentir, isto, por si só já Lhe valeria a canonização.

Sentado numa das mesas do estabelecimento onde esperava a santa esposa lembrei meu santo pai e me pus emocionado pelo privilégio de ter recebido, algumas vezes, a benção daquela personalidade diferenciada; de ter minha cabeça pueril tocada por mãos de pura energia e ouvir sua voz tão pequenina como ela, porém dona de uma grandeza Santa que só hoje, à porta dos sessenta e sete anos consigo entender. Embalado nestas reminiscências chorei de felicidade.

SALVE SANTA IRMÃ DULCE