Sérgio Furquim
20/07/2015 às 18:41
Na última semana um assunto protagonizou os principais noticiários econômicos: a Medida Provisória 683, editada pela presidente Dilma Rousseff, que criou dois fundos de compensação pelas futuras mudanças no ICMS, e cuja discussão, finalmente, vem ganhando espaço na mídia e no Congresso Nacional.
Condicionada à aprovação de resolução do Senado Federal, pela qual serão reduzidas as alíquotas do ICMS incidente nas operações e prestações interestaduais e a celebração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal por meio do qual sejam disciplinados os efeitos dos incentivos e benefícios fiscais e dos créditos tributários a eles relativos, a referida MP está atrelada diretamente a ao projeto de reforma do ICMS, que via de regra repete os termos do convenio ICMS Nº 70/2014, a referida MP, instituiu o Fundo de Desenvolvimento Regional e Infraestrutura (FDRI), com a com a finalidade de reduzir as desigualdades socioeconômicas regionais, custear a execução de projetos de investimento em infraestrutura e promover maior integração entre as diversas regiões do País e o Fundo de Auxílio à Convergência das Alíquotas do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (FAC-ICMS), com o objetivo de auxiliar financeiramente os Estados e o Distrito Federal durante o período de convergência das alíquotas do ICMS, isto é, a perda de arrecadação em função da redução das alíquotas interestaduais.
O curioso, em tudo isso, é que os recursos destinados à criação destes fundos, em sua maioria, são oriundos do produto da arrecadação da multa de regularização cambial tributária relativa a ativos mantidos no exterior ou internalizados que venha a ser instituída, ou seja, está diretamente atrelado ao projeto de repatriação de recursos do exterior não declarados ao Fisco, na forma do projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), combinado com o projeto da senadora Vanessa Grazziottin
(PCdoB-AM), cujo montante ainda é uma verdadeira incógnita.
Mesmos os mais crédulos e otimistas não acreditam que os valores destinados à criação dos fundos ultrapassem os 20 bilhões, sendo que uma a grande maioria espera que cheguem a apenas 15 bilhões, ainda que estimados sem qualquer base estatística. Puro exercício de “chutometro”!
Seja quanto for, o montante nos parece pouco significativo para auxiliar financeiramente os Estados e o Distrito Federal durante o período de convergência das alíquotas do ICMS, expressão utilizada na medida provisória para designar os oito anos seguintes ao efetivo início da unificação de alíquotas propostas.
Outro ponto a ser considerado, é que o auxílio financeiro prestado pelo FAC-ICMS aos Estados e ao Distrito Federal, quando vier a se apurar perda de arrecadação em decorrência da redução das alíquotas
interestaduais de ICMS, não poderá exceder o montante total de um bilhão de reais por ano, valor que nos parece insuficiente, considerando o quanto representa a arrecadação anual com o imposto, um montante por volta de 360 bilhões de reais e da estimativa de perdas dos Estados de maior expressão
econômica.
Em que pese o manifesto apoio de diversos governadores, sobretudo da região Norte e Nordeste, diversos outros governantes alertam para o prejuízo que podem ser acarretados para os seus Estados, a exemplo de Marconi Perillo de Goiás e Paulo Hartung do Espirito Santo, valores que, pelo menos em tese, só viriam a ser compensados pelo fundo de Auxílio à Convergência das Alíquotas do Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (FAC-ICMS), se este estivesse devidamente capitalizado e apto a proceder a efetiva compensação das perdas, o que ainda é uma incerteza.
Voltando à reforma do ICMS, em apertada síntese, o que o Executivo defende é que ocorra uma redução gradual das alíquotas tributo nas operações/prestações interestaduais a partir de 2017, partindo dos atuais 12% para 4% em 2024, isso para as mercadorias originárias dos Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo.
Para os produtos provenientes dos Estados do Sul e Sudeste, as alíquotas partiriam dos atuais 7% para 4%, no período de 2017 a 2019, além de outras situações especiais, como as alíquotas interestaduais
das mercadorias oriundas da Zona Franca de Manaus, destinada aos demais estados da Federação; as operações interestaduais realizadas com produtos agropecuários e nas realizadas pelo respectivo industrializador, com mercadorias produzidas em conformidade com Processo Produtivo Básico nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e no Estado do Espírito Santo; as correspondentes operações de
serviço de transportes e, por fim, a tributação do ICMS em operações com gás natural; dentre outras, que também enfrentarão uma gradual redução de alíquotas.
Também trata a reforma, da remissão e anistia dos créditos tributários relativos a incentivos/benefícios fiscais e financeiros, vinculados ao ICMS, autorizados ou concedidos pelas unidades federadas, até a data deste convênio, sem a aprovação do CONFAZ, buscando encerrar definitivamente a proclamada guerra
fiscal entre os Estados.
Contudo dois pontos nos chamam a atenção: o primeiro, a excessiva preocupação de governantes em permitir a repatriação de dinheiro de brasileiros no exterior, não declarado à Receita Federal, já que pela proposta, os fundos serão abastecidos com as multas aplicadas sobre estes recursos. É difícil acreditar que a origem destas importâncias seja idônea e a repatriação legalizada destas riquezas viria a legitimar os lucros auferidos possivelmente em atividades ilícitas, corrupção ou sonegação fiscal, o que estimularia e fortaleceria estas atividades, que passariam a dispor de meios para ampliá-las ou financiá-las.
Outro ponto a ser considerado, e talvez o mais importante, diga respeito a criação de mais um fator de dependência dos recursos federais imposto aos Estados e ao Distrito Federal, expondo a fragilidade
da sistemática do federalismo fiscal implantado no país, que retira autonomia das unidades subgovernamentais, responsáveis na prática com mais de 67% dos gastos com o custeio e pessoal que movem à máquina pública, mas que dispõem de menos de 33% das receitas para fazer frente a esses gastos.
As eventuais perdas das receitas de ICMS reforçaram o elo de dependência do governo federal, a que estão submetidos os Estados e o Distrito Federal, garantindo, por um lado, a desejada soberania,
mas, trazendo como efeito colateral, a fraca leitura das reais necessidades dos entes federados.
Resta saber se os recursos oriundos do FDRI e do FAC-ICMS terão a mesma natureza jurídico-tributária do imposto para os quais se propõem a compensar as perdas, ou estarão vinculados a aplicação em
projetos específico, mesmo que sejam relacionados ao denominado desenvolvimento regional e infraestrutura, o que se traduz como perda de autonomia e fragilização do federalismo fiscal.