Sérgio São Bernardo
03/11/2014 às 10:30
O negro baiano que milita na causa negra, ou dialoga com aspectos dessa causa, não conseguiu uma expressividade nas eleições desse ano. Tal fato tem suscitado diversas indagações performáticas aos candidatos e lideranças negras que tentaram eleger-se: negro vendido, negro partidarizado, negro petista, negro comunista, negro governista, negro evangélico, negro anti evangélico, negro radical, negro de gueto, negro elitista etc. O mais importante é que consigamos localizar friamente as variáveis que influenciaram nesse resultado negativo em todo o Brasil.
Ora, se temos 513 Deputados e 81 Senadores e a maioria da população é composta de pretos e pardos porque não temos algo assemelhado a isso no Congresso Nacional? Paradoxalmente, os negros baianos, em sua maioria, votaram em candidaturas negras com suas respectivas marcas: religiosos cristãos, oposicionistas, socialistas, liberais, empreendedores, tudo isso confirma a tese de que os negros votam sim em negros na Bahia. Observe-se os casos de Irmão Lázaro (PSC), Bispo Marinho (PRB), Tia Eron (PRBValmir Assunção (PT), Antônio Brito (PTB) e Bebeto (PSB), Pastor Sargento Isidório (PSC) apenas para ilustrar a nossa hipótese.
As candidaturas derrotadas fazem parte, em sua maioria, de um espectro comum de campo político. São situacionistas, os métodos de abordagem e relacionamento com a população negra são ligados à última agenda de políticas públicas e a afirmação identitária: Luís Alberto-PT, Creusa Oliveira-PSB, Louislinda Valois-PSDB, para a Câmara Federal e Olivia Santana-PCdoB, Gilmar Santiago-PT, Bira Coroa-PT, Suica-PT, Elias Sampaio-PT, Delegado Damasceno (PSL), Silvia Cerqueira-PRB para o parlamento estadual. Todos desenvolveram suas estratégias eleitorais reivindicando uma simbologia representativa de quem melhor espelha o desejo da maioria da população negra e o projeto de mudança que a Bahia espera. Será verdadeira essa hipótese?
É bom que se diga que nenhum parlamentar se elegeu nas últimas décadas no Brasil apenas com o voto negro e nem tampouco sem aderir aos mesmos métodos de abordagem e convencimento dos outros candidatos não negros e ricos. Todos se valeram de pessoas pagas, material de campanha sofisticado e uma acriticidade tola sobre o modelo representativo. Reforce-se que estes mesmos candidatos não se diferenciam dos candidatos vencedores no que diz respeito a temas polêmicos, como a urgente reforma política que precisamos encetar em nosso País.
A sucumbência e o acomodamento aos critérios de representatividade, tais como: voto universal, financiamento privado e subordinação reducionista aos programas de seus partidos, etc, são possíveis entraves que podem aparecer numa análise mais detida se quisermos identificar as causas desse quadro que deverá incidir sobre o futuro da política na Bahia. Na verdade não somos mais os mesmos. Nossos discursos estão ultrapassados. Não entendemos e nem dialogamos com as aspirações da maioria da população negra. E se a população está equivocada e desalumiada, - numa ótica leninista - então não estamos fazendo o que aprendemos com os ancestrais: voltar às bases, formar, organizar e lutar...
Existe uma crise de liderança e de representatividade na Bahia e isso tem que ser debatido e modificado. Existe uma feudalização de uns poucos que negociam nossos destinos em nome de uma base eleitoral questionável, impondo falsos modos de nos comunicarmos com a maioria da população que deveríamos representar. Fazemos um debate esquizofrênico e persecutório da religião cristã e dos negros que estão fora de nossas organizações militantes.
O que não se pode é culpar os evangélicos de fidelizar consciências, todos fidelizam. Adotamos um método utilitarista e assistencialista (em alguns casos, nada a dever ao período Carlista) com a religião africana no Brasil e artistas negros. O que nos coloca na perspectiva de uma mudança radical nos mecanismos de vinculação política com estas instituições/personalidades.
Nossa relação com os partidos não obedece a nenhum programa consistente e duradouro. Não duramos uma disputa de cargos. O eleitor mudou também. Negocia profissionalmente seu voto. Vota por diversos interesses e aprendeu a fazer política contratual (na esperteza ou na crueza) com os candidatos. Mesmo com todos os avanços das políticas promocionais do Estado, o que vemos é que as políticas repressivo-punitivas estão passando à frente das primeiras. Isso tem que ser analisado, não é para justificar uma coisa pela outra. Calamos-nos sobre a morte sistemática de milhões de jovens negros. Pareceu que a eleição ocorreu na Bélgica e o público que vota estava aqui mesmo.
Vale registrar o aparecimento, nessa conjuntura, do Partido Popular de Liberdade de Expressão – PPLE e a campanha nacional da Consulta Popular sobre o plebiscito para a Constituinte, acentuando ai, sua vertente negra e popular o que sugere, no mínimo, que não fiquemos omissos sobre as diversas saídas e alternativas que a população negra está buscando num momento de uma grave crise da política e da ação política de milhões de negros e negras no Brasil. A vitória de Dilma apenas é um simulacro ruidoso de que nada acabou e de que ou fazemos algo agora ou teremos que voltar a aprender que não ocupamos o poder de Estado para vestirmos roupa bonita e irmos ao shopping.