Fernando Castilho
17/02/2013 às 11:11
Para quem se acostumou a ver o Carnaval da Bahia como uma festa que junta o talento de artistas nacionais que se dividem em apresentações nos seus trios elétricos onde Carlinhos Brow visita Ivete Sangalo assim como Cláudia Leite recebe Bel Marques e Caetano Veloso divide o microfone com seu amigo Gilberto Gil, não deixa de ser surpreendente a entrevista publicada na edição desta segunda-feira da Folha de São Paulo onde o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, afirmou que há um monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que hoje ela é "terra de uma artista só": Ivete Sangalo.
Rodrigues, que lidera a banda mais internacional da Bahia com apresentações em 37 países, quatro Copas do Mundo e que tocou com os últimos 30 grandes nomes da música mundial, disse que hoje existe um segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os recursos e que desfila entre cordas separando os blocos do povo. E mais: que a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos dias de folia.
Mas, por que Rodrigues, um carnavalesco respeitado, com título de Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB) resolveu bater de frente com a mais festejada artista brasileira, cantora, atriz, apresentadora de programas de televisão e empresária de sucessos no show bis?
Exatamente por essa ultima característica: Ivete virou, segundo Rodrigues, empresária demais para os verdadeiros interesses do Carnaval da Bahia. E, mais uma vez, por surpreendente que isso possa parecer, ele tem razão.
Nos últimos anos a cantora foi juntando aos seus negócios, os interesses do Governo e da Prefeitura de Salvador, que em 2008 entregou-lhe o direito de captar verbas para pagar as contas do Carnaval da cidade, catapultando sua força como captadora de recursos da Lei Rouanet para suas apresentações e praticamente definindo quem e em que horários devem se apresentar no Carnaval de Salvador o que inclui os horários mais nobres de TV.
Na prática, isso teve efeitos negativos, pois com o tempo o formato foi excluindo os blocos afros da Bahia do horário nobre e das transmissões ao vivo o que revolta as agremiações e de quem o Olodum se tornou porta-voz.
A experiência do Carnaval de Salvador é um bom exemplo do que não se deve seguir. Afinal, se a festa é paga pelo dinheiro do contribuinte, ninguém melhor que o próprio prefeito para pressionar as empresas que se beneficiam da festa a contribuir com a festa.
Na verdade, o que aconteceu foi que em 2008 o Consórcio OCP Mago ganhou o direito de ser responsável pela comercialização das cotas de patrocínio do Carnaval de Salvador. O consórcio é liderado pelos empresários Antônio Barreto Jr., da OCP Comunicação; e Alexandre Sangalo, da Mago Comunicação-Caco Telha, irmão e gestor da empresa de Ivete.
A Mago Comunicação é um agência de propaganda pertencente a Caco de Telha que pertence a Ivete Sangalo que ainda tem as empresas Caco Soluções Corporativas, Axé Mix, Caco Music, Caco Licenciamentos, Caco Formaturas, além da carreira individual da cantora.
Em 2009, um contrato oficializou as agências OCP Comunicação e Mago Comunicação como vencedoras da concorrência realizada para escolher os responsáveis pela comercialização de cotas de patrocínio do Carnaval de Salvador. O contrato com a empresa de turismo do município Saltur seria válido por três anos, compreendendo os carnavais de 2010, 2011 e 2012. Mas, no ano passado o consórcio conseguiu renovar por mais dois anos, e tanto em 2013 como em 2014 o consórcio OCP/Mago vai vender as cotas para a maior festa da Bahia.
Nos últimos anos, o valor arrecadado pelas cotas de patrocínio do Carnaval de Salvador até que cresceu. Em 2010, o total arrecadado pelo Consórcio OCP Mago foi de R$ 14 milhões, o que representou o expressivo percentual de 87% de aumento em relação a 2009, quando a soma foi R$7,5 milhões. Este ano, ele fechou as principais cotas com empresas privadas e instituição publica de mais de R$ 17, 7 milhões. Brahma, Itaú, Petrobras e Governo do Estado da Bahia são os principais patrocinadores da festa. A Brahma, cerveja do portfólio da Ambev, irá investir R 5, 25 milhões, o Itaú, R 3, 91 milhões e a Petrobras, R 4, 77 milhões.
Oficialmente o consórcio ajuda a colocar banheiros em containers com ar-condicionado, limpeza das ruas e do fundo do mar, segurança, incremento nos carnavais de bairros, painéis informativos e de entretenimento, zonas de internet gratuitas. Do outro lado, cuida da promoção na mídia organizando os desfiles. E foi ai que o bicho começou a pegar.
Segundo João Jorge Rodrigues, isso excluiu os blocos afros do melhor da festa. Segundo ele, o Olodum vem brigado muito para sair mais cedo e poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma equitativa os blocos afros. Mas, não tem tido sucesso.
Para o presidente do Olodum, a diversidade, que antes era a riqueza do Carnaval, foi diminuindo e hoje o Ilê Aiyê, os Filhos de Gandhy, a Timbalada e o Olodum concorrem pouco para isso. Nos demais lugares você não tem novidades. "A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que os outros estão todos mortos", diz.
De fato, o que o presidente do Olodum diz é perceptível, pois a marca do Carnaval da Bahia virou a corda. Custa caro e põe mais de dois milhões de turistas se espremendo fora das cordas até porque, nos trios só cabem 250 mil pessoas.
O curioso é que até mesmo líderes de blocos afros optaram por tentar contornar esse efeito negativo em lugar de questioná-lo. Carlinhos Brow, que prefere não bater de frente com Ivete, com outras seis entidades, decidiram criar um espaço próprio, o Afródromo. O argumento é o de criar um novo circuito, exclusivo para os blocos afros. Ele estrearia neste ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura liderada por ACM Neto, por falta de recursos.
Para o Olodum, o Afródromo é mais um equívoco. Pois, o que a sociedade branca mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem da disputa com eles. É como se eles soubessem o lugar em que deveriam ficar em vez de desfilar na Barra e no Campo Grande. Porque além de obrigar o poder público a ter gastos com outro circuito, o Afródromo teve um agravante: o novo circuito teria suas cotas de comercialização feitas pelo consorcio Consórcio OCP Mago que, inclusive, argumentou que ele não poderia começar este ano, pois não havia tempo para comercializar o evento. Foi demais para o Olodum. (Fernando Castilho)