João Jorge
27/05/2012 às 07:00
Foto: DIV |
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Cotonou, a capital do Benin |
Em 1986, na minha primeira viagem internacional fui ao Benin, a África mítica, era a tão sonhada a volta para casa, de um jovem militante pan africanista, revolucionário, sonhador, na gestão do Prefeito de Salvador Mário Kerstez por inspiração de Roberto Pinho e Pierre Verger, uma delegação de Salvador foi ao Benin.
Pierre Verger defendeu a ida do único negro da direção da Fundação Gregório de Matos para a África, levava comigo toda a vivência de um Brasil europocentrico, e muita informação teórica sobre as diversas Áfricas, do passado e do presente, da luta contra o colonialismo, da presença do marxismo, do islamismo e das formas de candomblés existente no Benin e na Nigéria, o choque da realidade foi grande, vi as terras africanas, do alto do avião a respiração ficou ofegante, enfim estava na terra dos meus pais, e avós, e toda uma história especial, a casa dos espíritos.
Chegamos a Cotonou no Benin a capital moderna e um povo vibrante com muitas cores, muitas conversas em tom alto nas ruas, meu coração disparou estava nas terras dos meus ancestrais.
O hotel Sheraton ocidental demais para a pobre capital foi o meu local de sono e de despertar muitas vezes na noite, parecia um sonho estar na África, acordei e junto com Arlete Soares, Pierre Verger, Roberto Dias, e seguimos para encontro com pessoas do governo local, e uma extensa programação por ruas mercados e cidades.
Foi tudo muito mágico e veloz, o que eu vi onde estive com quem falei quem falou para mim por mim, quem traduziu, Pierre Verger conhecia bem o país e as pessoas, falava varias línguas locais, Arlete Soares traduziu do francês para o português, traduzia e chorava com os encontros da minha historia da Bahia com o que escutávamos das pessoas nas cidades, pude então realizar uma volta as raízes profundas da minha cidadania afro brasileira, fui as cidades de Ouidah, Saketê, Pobé, Porto Novo.
Em cada lugar um ritual, um sacerdote, uma arvore, pessoas que pareciam com meu pai, João Rodrigues, além da alegria dos descendentes de brasileiros de Oudiah na praça principal num dia de sol, eu era um deles, um jovem brasileiro negro, voltando ao Benin, mais de cinco mil pessoas na praça principal da cidade, gritando Bahia, Cidade Nova, Campo Grande, Bonfim, foi de arrepiar e os cumprimentos as pessoas africanas com os nomes de Silva, Soares, Rodrigues, Santos, que fizeram fila para falar com a delegação e ao jovem negro africano brasileiro que tinha voltado para dizer como estavam os outros negros do Brasil.
Na cidade sagrada de Ouidah, e em Sakatê morri e nasci de novo, emergiu dali um novo homem, um novo ser humano, na costa africana do Benin, o que eu ouvi, vi, os recados, as voltas que dei em torno da porta do não retorno, da arvore do não esquecimento, a visita ao templo da cobra Piton, e ao seu sacerdote, o homem marxista leninista deixou de existir e nascia um homem místico religioso devoto da tradição africana da justiça, o impacto do Benin na minha vida foi importantíssimo, decidi lutar contra o racismo com a força da justiça, com o vigor moral, de um combate contra a desigualdade, e pela igualdade para todos, trouxe simples presentes para minha mãe Dona Alice, e peças de madeiras para as pessoas do Olodum e amigos, que ironizavam de receber um presente de uma viagem internacional algo de madeira, trouxe livros e material que iria me ajudara fazer muitos carnavais.
O Benin mudou a minha vida, pois aprendi que somente homens e mulheres com garra e força suficiente para derrotar uma opressão podem ser livres iguais e soberanos de seus destinos.
Chequei na África com os paradigmas daquela época, guerra fria, capitalismo, imperialismo, e passei a ver o mundo com outro olhar. O Benin moldou os destinos do Olodum, que a partir de 1986 cresceu e se multiplicou como uma lança, uma estrela Sirius brilhante e com a influência do Benin vencemos a escravidão, já no carnaval de 1987, com as idéias de Cheik Anta Diop do Senegal, fizemos o melhor carnaval de um bloco afro em todos os tempos, sobre o Egito dos Faraós, brilho beleza e história nas ruas da Roma Negra.
Resgatamos a História, de João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino, Luis das Virgens da Revolta dos Búzios, criamos a primeira lei constitucional de ação afirmativa na Bahia em 1989, ajudamos as marchas e caminhadas por Zumbi serem populares, nossa ação em favor das cotas beneficiou muitos jovens que estão nas Universidades, fomos á luta, criamos uma agenda anti racista positiva e tocamos o coração do mundo com nossa musica Samba Reggae.
Agora, o Benin veio à Bahia e se encontrou com o Olodum, com o samba reggae e com tudo que criamos de cultura pan africanista. Mesmo com a saudade dos nossos entes que estão no Orum, comemorei esta vitoria com olhos cheios de lagrimas e com alegria a nossa vitoria contra a escravidão com lutas e sonhos. Vamos dar um passo adiante para que os sonhos virem realidade.
* João Jorge Advogado, Mestre em Direito Público, Presidente do Olodum.
Pres.olodum@uol.com.br 2009.