Foto: ILS |
Os sonhos do Tio Renatinho na visão da sobrinha Daniela |
Lembro, talvez por isso, com incômoda insistência, das promessas que não concretizaram os sonhos do meu tio, mas os materializaram numa zona aberta, em intangíveis evocações de alegria e crença. Afinal, a fé nasce assim.
Todos eram pobres antigamente, menos os muito ricos, é claro. Na minha família não foi diverso. Meus avós, atípicos em muitos aspectos - ela trabalhava, ele tecia conversa -, não foram diferentes.
Meu tio mais velho e mais alto, Tio Renatinho, acreditava na voz dos adultos e, embalado por ela, viajava nas rodas de uma bicicleta inexistente que iria chegar de navio em Salvador e de trem até Serrinha, Sertão da Bahia.
O padrinho de Santos mandaria o sonho e a festa sobre rodas pelo mar. Ele aguardaria e aguardou, pode ser que até hoje, com paciente convicção. No calor da demora, outro tio também se predispôs a ofertar-lhe o vôo de arames torcidos e guidão azul e prateado.
Nada poderia ser mais belo, e Tio Renatinho contou aos vizinhos, aos amigos, à futura namorada o que seria correr pela cidade com os pés amparados por círculos brilhantes.
A demora já inquietava os expectadores, quando seus pais, Renato e Dirck, segredaram-lhe que a avó Leonor também lhe mandaria a dádiva, dessa vez vermelha.
Meu tiozinho, do alto da sua magreza extrema e 13 anos de inocência abundante e quase parva, era uma criança deleitada com a glória.
Desceria a Rua da Estação, empoeirado nas três bicicletas, que não vieram.
O tempo do luto foi preenchido por outros sonhos postergados num infinito de reveses da pouca fortuna e precária saúde dos meus avós.
Mas a bicicleta, as invisíveis bicicletas, como a Graça, deixaram suas mãos marcadas de frear com muita força no final da ladeira, quando todos o aplaudiriam num canto da praça e ele, como sempre foi generoso, dividiria o pão que não tinha, dando, a quem pedisse, uma voltinha pelo jardim.
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