Rosane Santana
15/10/2011 às 10:00
Foto: GP |
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Novas caras de uma cidadania que perdeu a esperança no Congresso Nacional e outros |
O impacto da revolução tecnológica na política é um fato consumado. A influência da internet na eleição de Barack Obama, nas revoluções do mundo árabe e nos recentes protestos contra a crise global, que se espalharam por cerca de mil cidades em 82 países, a partir da ocupação de Wall Street, em Nova Iorque, são indicativos de uma nova era.
Uma era em que, segundo estudiosos, estão sendo postos à prova a atuação e a capacidade de sobrevivência de antigas instituições como o parlamento - espécie de pulmão dos regimes democráticos - os partidos e os sindicatos e onde os governos, mesmo detendo sofisticados instrumentos de vigilância, perderam o controle sobre os cidadãos. Vide os protestos na Itália.
Embora surpreendente pela velocidade com que se sucedem os acontecimentos, esta é uma era que vem sendo anunciada com certa antecedência. No verão de 2008, em plena campanha presidencial americana, encontrava-me nos Estados Unidos, na Universidade de Harvard, onde fervilhavam os debates sobre política, nas salas de aula, auditórios e todo o campus da prestigiosa instituição, sob o tema "Issues Facing the us electorate"(em tradução livre, Questões frente ao nosso eleitorado).
Barack Obama disputava, então, com Hillary Clinton a indicação do partido democrata e o fato de ser um afro-americano e ex-aluno do curso de Direito daquela universidade aumentava ainda mais o clima de euforia nas discussões. Fora dali, não era diferente, nos cafés, bares e restaurantes da elegante Cambridge, pequena cidade às margens do Charles River, onde fica a prestigiosa universidade, no lado oposto à cidade de Boston, capital de Massachusetts, na costa leste dos EUA.
Americanos, como os gregos, adoram discussões intelectuais e costumam realizar torneios e disputas, olimpíadas com a participação de alunos de diversas disciplinas, das ciências exatas às humanas. Em Harvard, essa vocação é exaltada em sala de aula, com temas e regras previamente estabelecidos, através dos chamados "Diálogos Socráticos", onde é rigorosamente proibido e punido até com expulsão, o ataque pessoal entre os oponentes.
Nesse período foram travados calorosos debates sobre as novas formas de ativismo político desenvolvidas no espaço cibernético, e sobre como a internet é uma poderosa ferramenta para atuação de grupos organizados insatisfeitos com a atuação dos partidos políticos, sindicatos e associações, que tiveram um papel decisivo na governança mundial, a partir do final do século XIX.
Especialistas afirmavam que, com a revolução tecnológica, essas instituições de intermediação entre cidadãos e governos, que se tornaram cada vez mais burocratizadas, envoltas em inúmeras denúncias de corrupção e incapazes de responder às demandas de uma sociedade globalizada, perderiam cada vez mais o poder e o prestígio.
Nos EUA, virou objeto de estudo de muitas academias, inclusive Harvard, o Moveon.org - organização nascida no final dos anos 90, que reunia até aquela data cerca de cinco milhões de internautas ativistas, muitos deles ex-militantes contrários a Guerra do Vietnã, na década de 60, e cérebros em tecnologia da informação do vale do silício, na Califórnia.
Movimentando-se silenciosamente no espaço cibernético, como numa conspiração, os internautas do Moveon tramavam para combater o poder das grandes corporações na política e eleger candidatos democratas comprometidos com a paz no mundo, segundo o diretor executivo Eli Parisier, em entrevista ao jornal The New York Times (março de 2003) e à revista Rolling Stones (novembro de 2007). O movimento foi responsável pela arrecadação de mais de 50% dos quase 800 milhões de dólares gastos na campanha de Barack Obama, inaugurando uma nova era na política americana, com influência em todo o mundo.
Ao lado do Moveon, os novos estudos a respeito do comportamento dos eleitores, desenvolvidos pelo neurolinguista George Lakoff, da Universidade de Berkeley, no livro "Political Mind"("Mente Política) , e sobre os impactos políticos, sociais e culturais da globalização, além de econômicos, do sociólogo britânico Anthony Giddens, cada dia mais comprovados, estavam no centro das discussões travadas em Harvard.
Profundamente atuais, elas antecipavam muitos dos acontecimentos recentes, como as revoluções no mundo árabe. Por isso, as alegações de que, no Brasil, o movimento anticorrupção vai morrer por falta de participação de partidos, sindicatos e políticos, de uma maneira geral, parecem-me equivocadas, tanto quanto a ideia de que se trata de um movimento patrocinado por conservadores.
O movimento se desenvolve exatamente no vácuo deixado por essas instituições, em sua incapacidade de responder rapidamente às demandas da nova cidadania, travadas por um emaranhado de conselhos, comissões, assembleias e reuniões, num mundo onde, segundo o historiador Eric Hobsbawn, "as operações cotidianas são tão interligadas, que qualquer interrupção - como a Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS), por exemplo - provoca consequências que, em questão de dias, expandem-se a partir de fontes desconhecidas, na China, para transformar-se em fenômenos mundiais." Enfim, uma nova era chegou.