Foto: ARQUIVO |
Em 1º de abril de 1964, João Goulart deixou de ser presidente do Brasil |
Não, não era ‘pegadinha' de primeiro de abril, o dia da mentira, logo caímos na real e tivemos de nos aprontar ás pressas para, sem que estivesse planejado, dar por terminado aquele tempo de reflexão pós-páscoa e retornar a Salvador com todos os cuidados e precauções, porque, de fato, o presidente da República tinha sido deposto pelos militares e uma crise política fora instalada com notícias de resistências, aqui e ali, e cenas de violência nas ruas das grandes capitais do país. Daí, valia para todos , era preciso pressa e cautela.
Foi preciso a intervenção do Cardeal Arcebispo Primaz (assim com os homens), para que conseguíssemos um barco, exclusivo e especial, para nos transportar na travessia Mar Grande- Salvador. O transporte regular fora suspenso e o porto de Salvador estava fechado por ordens militares.
O problema era mais sério do que imaginávamos, então. Arrumamo-nos às pressas e, de malas e cuias, entramos na embarcação sob forte tensão. Os padres que nos coordenavam estavam com radinhos de pilha colados ao ouvido e nos passavam alguma notícia filtrada do que estava acontecendo no país.
O pequeno barco a motor com cerca de 60 adolescentes/estudantes seminaristas e alguns padres a bordo foi escoltado à entrada do forte de São Marcelo por embarcações da Marinha de Guerra cheias de soldados que nos apontavam armas. Silêncio e medo, sem pânico, pois os padres mantinham-se calmos e nos orientavam. Aportamos disciplinadamente e, em grupo, subimos o Elevador Lacerda para tomar o ônibus na praça da Sé que nos levaria ao Seminário Central, no bairro de São Gonçalo da Federação - onde hoje é a Católica, na Cardeal da Silva.
O momento de maior tensão foi na Praça Municipal, naquela manhã quente e nublada, com soldados do exército bem armados ocupando a frente do Palácio Rio Branco, sede do governo baiano, e uma pequena multidão diante agitada gritando ‘Jango, Jango, Jango!'. Vez em quando os soldados engatilhavam as armas e todos corriam. E logo voltavam: ‘Jango, Jango!" . Não sei quanto tempo durou aquilo, porque os padres logo nos puxaram e fomos todos para o ônibus que nos esperava e de volta para o seminário interno, onde as notícias da rua, do mundo quase não chegavam.
Soubemos depois que o governador Lomanto Junior estava dentro do Palácio Rio Branco e, após dar uma ‘corajosa' entrevista às emissoras de rádio, ainda bem cedinho, postando-se ao lado de Jango e da legalidade, foi pressionado pelos militares até, ‘já afrouxado', escrever um documento, uma declaração pública dando seu inconteste apoio ao golpe militar. Ou seria destituído à força pelos ‘milicos'.
Ficamos ainda mais tarde cientes de que, ainda naquele primeiro de abril, houve pancadaria nas ruas, invasão de prédios públicos, privados e até livrarias, com fogueiras de livros tidos como subversivos em plena avenida Sete. Qualquer livro de política, de autor tido como comunista (como Jorge Amado, por exemplo) ou simplesmente de capa vermelha ia para a fogueira. E muita gente foi presa.
O resto dessa patética história todos conhecemos: Houve uma caça a comunistas subversivos e corruptos, uma arregimentação popular para que todos dessem suas jóias e dinheiro em função de uma campanha chamada ‘ouro para o bem do Brasil', concorridíssima, com filas; e grandes caminhadas, multidões pelas ruas das grandes capitais do país, em ‘marchas da família com Deus pela democracia'.
Logo, logo, a maioria absoluta dos políticos aderiu aos militares. As Igrejas, o rico empresariado, a medrosa classe média, a grande imprensa do país e todos os oportunistas de plantão de sempre (vamos ser claros) encostaram-se, por medo ou pusilanimidade, nos militares golpistas que, naquele primeiro de abril, derrubaram Jango (João Goulart) e tomaram o poder no país, num golpe de caserna apoiado por uma elite política americanista, golpe que passou a ser chamado a partir de então de ‘a revolução redentora de 31 de março' (trocaram a data por causa do ‘dia da mentira', cairia mal um golpe logo no primeiro de abril).
Era o começo da ditadura militar que se tornou ainda muito mais dura e cruel a partir do Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, que suspendeu todas as liberdade individuais e fechou o Congresso. Aí, o bicho pegou em anos seguidos de trevas e torturas, anos do ‘milagre brasileiro', do ‘ame-o ou deixe-o'. Ah, mas isso é uma outra história... para outra data, quem sabe.
A roda do tempo gira...
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Ética titica
São 10 ministros da República, oito governadores eleitos, e dezenas e dezenas de secretários, prefeitos... por esse país afora que, simplesmente, abandonam seus cargos, deveres e fazeres ( para isso foram eleitos e escolhidos) na ganância de novas candidaturas, disputando novas eleições, querendo mais.
Na minha cabecinha de vento só me passa a compreensão de que essas figuras não têm o menor respeito pelo eleitor, pelo voto recebido, pelo mandato , pela missão do serviço público enfim, por nada que diz respeito à res (coisa) pública. Eles só pensam naquilo! Um vício. Vivem em constante campanha, eterna disputa pelo ‘poder', um jogo de ‘quero mais', sempre.
Já o voto de confiança do eleitor, os compromissos assumidos, a ética ... ‘o que é isso assim que o sinhô fala'?
É isso ou esse singelo ‘jovem ancião' que vos escreve tornou-se um velho sonhador de outrora, representante de uma geração gagá?
Eu já cri, companheiros... acreditem!
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Foi ‘panelinha'
Falar nisso...
Já tem marqueteiro de plantão apelidando o chapão de panelão.
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Trocando de assunto, pra melhor...
Mãe Senhora
Os filhos do Ilê Opô Afonjá, terreiro de Xangô de São Gonçalo do Retiro que comemora 100 anos neste 2010, homenagearam nesse 31 de março os 110 anos de nascimento de Maria Bibiana do Espírito Santo, a Mãe Senhora, Oxum Muiwá, sacerdotisa da casa (que governou de 1942 a 1967), uma das mais importantes Ialorixás da história do candomblé baiano, a religião dos nossos ancestrais africanos.
Maria Bibiana nasceu em Salvador, num sobrado da Ladeira da Praça, centro da cidade, e era de uma linhagem (Asipá) vinda de Oyó e Keto, cidades importantes do mundo/nação Iorubá (hoje Nigéria); É uma herdeira de sangue da Obá Tossi, uma das fundadoras do primeiro terreiro de tradição nagô/keto do Brasil, o Ilê Axé Aira Intilé - na Barroquinha, Ilê Axé que deu origem a Casa Branca, ao Gantois e ao Opô Afonjá.
Mãe Senhora foi consagrada por Mãe Aninha , Eugênia Anna dos Santos, a Obá Biyi fundadora do Opô Afonjá em 1910, uma revolucionária. Senhora foi sucessora de Aninha no trono do terreiro de Xangô de São Gonçalo, casa de Jorge Amado, de Caymmi, de Carybé, de Pierre Verger - amigos e filhos de Mãe Senhora, que é mãe de sangue de Mestre Didi, Deoscóredes Maximiliano dos Santos, ele também sacerdote do culto nagô e artista plástico consagrado.
Em 1959, na realização do IV Colóquio Luso-Brasileiro realizado na UFBa, Mãe Senhora ofereceu aos participantes uma amalá (comida com quiabos) de Xangô e, na ocasião, Jorge Amado assim saudou os convidados do Ilê Axé Opô Afonjá :
‘ ... Estais em vossa casa porque esse terreiro de Xangô, este candomblé de Senhora tem sido - permanentemente e sempre - uma casa de cultura e da inteligência baiana... Somos orgulhosos desse templo e de seu significado. Aqui passaram e estudaram Martiniano do Bonfim, babalaô da casa, nosso Édison Carneiro, o feiticeiro Pierre Verger, e hoje nós, homens de cultura, somos os defensores de seus segredos e de sua grandeza, ao lado dessa figura invulgar de mulher, feita de uma só peça, rainha, se a este título damos sua significação mais profunda'...
Hoje, no ano do centenário do Opô Afonjá, reina como rainha do trono do Ilê de Xangô, Mãe Stella de Oxóssi, sucessora legítima de Aninha e Senhora. Axé!
A benção, retadas mulheres baianas!
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