Foto: REP |
Debate que vem desde o tempo de Adão e Eva e o pecado original |
Estou tentando entender quais são as diferenças entre homens e mulheres e quais dessas diferenças reforçam o sexismo e qual delas emancipam os gêneros. Sei que vou cometer excessos e isto assusta. Este mês teremos mulheres sendo reconhecidas no mundo todo. Já expressei minha opinião sobre a comemoração de "dia", mas sei que datas como esta servem para que não nos arranquem a última flor do nosso jardim e nada mais nos reste. Servem para continuarmos a luta para a conquista de todos os dias.
Agora, precisamente sobre mulheres e homens, digo que não acredito em homens feministas, mas acredito na existência de mulheres machistas. Uma forma mimetizada de assumir parte do tipo de poder fundado em modelos de nossos algozes. O sindicalista faz isso com o empregado de seu sindicato; negros "classe A" fazem isso em relação a outros negros "classe B", ricos que foram pobres fazem isso em relação aos pobres. Gestores de esquerda fazem isso em relação gestores de direita quando ocupam a maquina pública. Enfim, repetimos padrões e estabelecemos regras de poder e sobrevivência que não estão necessariamente fundados na principiologia emancipadora do combate ao capitalismo, ao racismo, ao sexismo e à homofobia.
Conheço homofóbicos, que são excelentes defensores da igualdade racial, conheço racistas que são excelentes defensores da superação do conflito entre capital e trabalho. Conheço intolerantes religiosos que são excelentes estudiosos de mecanismos de superação da pobreza, conheço mulheres machistas que são excelentes defensoras do socialismo, conheço homens machistas que são excelentes defensores da igualdade homoafetiva.
O que debato aqui é apenas algo que nos ensurdece. Não sou especialista, não fui chamado a falar do assunto, mas falo. Porque gosto do debate. Porque aprendo com ele. Eu mesmo, um machista esclarecido, me apresento para um debate que pouco se faz nos demais dias do ano.
Dia da mulher é dia de debater o homem e suas representações. Sua capacidade embrutecida de continuar a ser quem é. Mesmo em crise. É dia de questionar o que muitas mulheres estão esperando quando utilizam modelos fálicos nas relações com homens e com mulheres - já falei, por exemplo, que o homem canalha não é aquele que não quer casar, no velho e cômodo modelo cristão, monogâmico, heterossexual e provedor. Conheço mulheres feministas que sonham às escondidas com este homem que não chega. Precisamos saber o alcance da instrumentalidade do uso da lealdade e da fidelidade entre homens e mulheres. O que estamos fazendo para superar as reminiscências do mundo machista encravadas em nosso sangue nórdico, latino e africano? Combatemos as mulheres que repetem práticas sociais e sexuais do mundo masculino ou as incorporamos numa tentativa de salvar o mundo futuro? Destruímos os homens machistas ou nos aliamos a eles buscando salvá-los da má consciência de que assim serão mais felizes tornando-se iguais ás mulheres?
Sejamos mais pretensiosos. Só tem sentido a luta das mulheres se esta luta disser qual será o papel dos homens em um modelo de sociedade em que as mulheres estão mais independentes política sexual e economicamente. Foi assim que Hegel em sua dialética do senhor e do escravo e Fannon em sua dialética do colonizador e do colonizado reconheceram que é no fenômeno da alteridade que nos aprisionamos. Um ao outro. Sem saber ao certo quem somos e de desejarmos ser o outro.
Em algumas religiões e cosmovisões africanas e asiáticas encontramos modelos não dicotômicos e não idealizadores de uma mulher e de um homem que se dividem para existir e praticar poder. No mundo da mulher só existe o feminino? E no mundo do homem só existe o masculino? Homens mulheres são machistas assim como mulheres homens são também, machistas. Então o debate não é simplesmente aplicar a adequada e acertada Lei Maria da Penha. Mas, sobretudo, entender que o masculino e feminino são coisas distintas do machismo e do feminismo.