Tasso Franco
23/04/2009 às 13:05
Foto: BJá |
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Poucos fiéis conduziram as tochas acesas na Procissão do Fogaréu |
A Bahia nunca se organizou para vender o produto turístico
Semana Santa, se é que se pode dizer isso com momentos da
religiosidade, embora, até na Cidade do Vaticano faça-se peregrinações
anuais nessa época pascal com grande afluxo de visitantes a Roma, a
cidade eterna, que acaba contabilizando ganhos em sua atividade
econômica, nesse segmento. Hotéis, lojas de brindes do corredor
Vaticano, restaurantes, tudo fica lotado de gente do mundo todo.
Aqui no estado vizinho de Pernambuco temos o notório exemplo de
Nova Jerusalém, em Caruaru, um sitio a céu aberto onde se pratica
cenas teatrais envolvendo os momentos finais da vida de Jesus Cristo
até sua provável ressurreição, tão bem encenada com um marketing
vigoroso e artistas famosos da Globo participando. Caruaru, que vende
bem seu São João, sua feira popular, seu artesanado, também é
competente na época do santos óleos.
Salvador, que é a primeira capital do país e tem seu centro
histórico povoado dos mais antigos templos católicos da América
Portuguesa, nunca deu bolas para essa questão, salvo um movimento
isolado na época do prefeito Antonio Imbassahy (1997/2004) com
encenações no Dique do Tororó. Neste ano, realinhou-se esse mesmo
espetáculo, com algumas modificações, para o centro histórico, onde,
aliás, sempre deveria ter ocorrido.
A capital baiana com seu "casco antiguo", como dizem os
espanhóis, é um cenário a céu aberto. A a cidade dispõe de
infra-estrutura hoteleira, tem história de sobra pra montar um
belíssimo espetáculo, em nível de repercussão nacional como acontece
em Nova Jerusalém, mas, não dá a devida importância a esse fato. A
Semana Santa na Bahia se restringe, em boa medida e com ações isoladas
de algumas comunidades, ao interior. Quer pelo exótico, como acontece
nos flagelos dos que frequentam os cemitérios de Juazeiro; quer pelo
religioso na serra do Monte Santo.
Um desses cenários, objeto de muitas matérias nacionais nas
emissoras de TV, igualando a procissão de Goiás Velho com seus
tochões, era a Procissão do Fogaréu, em Serrinha, digo era porque está
em decadência, não atrai nem mais a TV Subaé nem visitantes, e, este
ano, pouco mais de 400 pessoas a acompanharam, ainda asssim, muitas
crianças, jovens e mulheres, sem portarem as tochas com velas que
compõem o fogaréu.
Essa usança ibérica chegou em Serrinha nos anos de 1930 graças
ao padre Carlos Olímpio Ribeiro, um filho da terra que havia estudado
em Salvador no Seminário da Federação e foi um dos súditos do
tradicionalissimo arcebispo pernambucano e primaz do Brasl, dom
Augusto Álvaro da Silva. Havia um ensaio dessa procissão em Salvador,
no Bonfim, e ele levou-a para Serrinha.
Durante anos, dado ao espírito tradiconal que norteava a
igreja, e ainda norteia em alguns segmentos, só era permitida a
presença de homens da Procissão do Fogaréu. Com a morte do padre
Carlos, na década de 1950, e posteriormente com a morte do padre
Demócrito Mendes de Barros, que o sucedeu e era outro tradicionalista,
a ascensão de novos vigários mudou o comportamento dos fiéis e o
cenário da festa, já com o sacerdote italiano Lucas di Nuzi,
abrindo-se a participação de mulheres e incorporando um roteiro
extra-urbano seguindo-se o cortejo até a estrada de Barrocas e
alcançando a colina da Santa, de Senhora Santana, imagem posta pela
família Nogueira num morro.
É claro que esse cenário e a difusão feita pelo governo de
Josevaldo Lima, deçada de 1980, levaram a procissão a notoriedade
nacional, incorporando, ainda, cenas teatrais na Praça Luis Nogueira e
na colina da Santa. E, de fato, além dessa notoriedade, milhares de
fiéis, estima-se algo em torno de 2.000 pessoas, participavam desse
momento de fé e de glamour. Muita gente torceu o nariz para o glamour
entendendo que, as luzes da midia e da política, até as tochas
passaram a ser dadas à população pela Prefeitura, iriam arruinar a
procissão.
Não deu outra. Sem organização entre as partes, o profano e
o religioso, cada hora se mexendo no percurso da procissão e nas suas
encenações, mudanças de administradores públicas e Serrinha atingindo
a condição de Diocese, em 2005, com a assunção de um bispo italiano,
dom Assolari, dissociado da realidade local, a procissão entrou em
parafuso. Este ano, então, sequer emocionou os mais amgios e
admiradores de Serrinha.
Voltando, então, ao ponto original dessa crônica, Serrinha
que poderia ter se transformado numa Nova Jerusalém baiana, à exemplo
de Caruaru, perdeu essa grande oportunidade; e Salvador, que é a mais
antiga capital do Brasil e está cercada de igrejas católicas, tem o
arcebispado primaz do Brasil e um cenário natural à céu aberto
perfeito, magnífico, ainda não encontrou seu caminho de Damasco.