Antonio Vieira
25/12/2008 às 12:17
Foto: Arquivo |
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Machado de Assis e o conto do vigário sofrido |
Em março de 1895 meu inseparável companheiro Machado de Assis narrava, numa crônica publicada na Gazeta de Notícias, o conto do vigário sofrido naqueles dias por um humilde fazendeiro.
Fico pensando como o tempo passa e pouca coisa muda, pelo menos nesse campo. Alguém dotado de um humor cruel já disse até que para acabar com a malandragem é preciso prender todos os otários.
Realmente não há um só dia em que milhares de pessoas não caiam em golpes como o do bilhete premiado, do paco, do ouro de tolo ou do dólar negro, só para citar quatro exemplos.
É incrível como as manobras para driblar a lei e ludibriar os ditos otários resistem à passagem do tempo, se adaptam, se transformam, enfim, sobrevivem.
Mas há poucos dias surgiu uma luz no fim do túnel e eu fiquei muito contente ao ler uma nota publicada pelo Sindicato dos Agentes Tributários (creio que a sigla seja SAT).
Como eles estão se declarando prontos, nas suas palavras, a lutar para "garantir os princípios éticos da função pública", acho que vão finalmente mudar de postura e já podem começar essa nova vida combatendo o chamado "golpe da reestruturação", que nada mais é que uma mutação genética do conhecido Trem da Alegria.
Teríamos assim uma malandragem a menos para ameaçar as pessoas de bem. Entenda o golpe: Diferentemente da Constituição anterior, que permitia interpretações no sentido de que o sucesso em um só processo seletivo abriria todas as portas da administração estatal, a Carta de 1988 é explícita ao exigir aprovação em concurso público específico para ingresso em cada cargo, de acordo com sua natureza e complexidade.
Seu nobre objetivo foi inibir procedimentos escandalosos verificados durante a vigência da Constituição de 1967, época da ditadura militar, quando se fazia um concurso, por exemplo, para atendente de 1º grau e por meio de "promoções" e "ascensões" os apadrinhados dos poderosos logo alcançavam outros cargos de nível muito mais alto e remuneração idem.
Pois bem; identificada a barreira posta pela Constituição Cidadã, os filósofos da malandragem se puseram logo a imaginar formas de driblar a nova exigência e traçaram um caminho inovador, embora um pouco mais trabalhoso, para aplicação do velho e mesmo golpe.
Sob o razoável argumento de que há interesse público na elevação do nível de exigência para ingresso em carreiras típicas de Estado, convenceram colegas, procuradores e administradores de várias instituições, inclusive Receita Federal, mudaram leis e passaram a exigir curso superior para cargos que antes só demandavam formação de segundo grau.
Feita a mudança, ignoraram o fato de que aqueles que haviam se submetido a concursos com exigência de nível médio tinham passado, naquele mesmo momento, automática e obrigatoriamente, a integrar cargos em extinção, como recentemente apontou o Ministério Público do Estado da Bahia.
Sorrateiramente, então, migraram para as novas carreiras que na prática foram criadas, batendo no peito e dizendo: meu cargo é de nível superior. Mentira. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que tal migração é inconstitucional, quando do julgamento da ADI 1030/SC: "Transformação, com os seus ocupantes, de cargos de nível médio em cargos de nível superior.
Espécie de aproveitamento. Inconstitucionalidade, porque ofensivo ao disposto no art. 37, II, da Constituição Federal". Apoiados na aparente indiferença dos gestores e da sociedade ao que foi julgado pelo STF, puseram-se os articuladores do golpe a trabalhar no passo número dois: igualar atribuições entre o ex-cargo de nível médio e um cargo que sempre foi de nível superior, como o de Auditor Fiscal.
É nesse estágio que se encontra a manobra na Bahia, com o envio do PL 17.713 à Assembléia Legislativa. Se houver sucesso na empreitada número dois, o golpe fatal vem a seguir, no passo três: alegando que as duas carreiras são de nível superior e têm atribuições equivalentes, pleiteia-se, administrativa e judicialmente, a unificação da nomenclatura e da remuneração dos cargos.
Finalmente, concluída a operação, pessoas que passaram por uma seleção muito singela, que não concorreram com candidatos de nível superior e que frequentemente nem têm graduação, passam a ocupar um cargo como o de Auditor Fiscal, cujo concurso público é conhecido pela extrema dificuldade que impõe aos seus candidatos. Será que esses candidatos todos não passam de otários? Será que retomar condenáveis práticas dos tempos da ditadura militar dignifica a biografia de algum gestor público? Será que é isso que se espera e merece da Secretaria da Fazenda, nessa terra que deveria ser de todos nós? Será que o Governador tem consciência de que está contribuindo para isso tudo? Eu duvido, e ainda está em tempo de ele demonstrar que duvidei certo.