O mais deprimente foi ver arquitetos, sociólogos e antropólogos coniventes com tão vergonhosa operação sob o manto conivente do Ipac e a total incompetência do Iphan.
Surgiram restaurantes e butiques do dia para outro, todos de parentes ou cúmplices do governo e, também do dia para outro, por incompetência, todos fecharam sem pagar os empréstimos do Desenbanco, dinheiro seu, meu e de outros contribuintes desarmados e resignados.
Na ladeira do Carmo, um lado foi restaurado, outro ficou "para mais tarde" numa tal de sétima etapa que nunca aconteceu. Do lado "bom" desta rua, perto da cinematográfica escadaria, entre as lojas que abriram ás pressas, uma chamou minha atenção. Não pela mercadoria proposta, cujas características deslizaram no esquecimento, mas pela placa anunciadora do estabelecimento.
Aliás, nem a placa. O suporte da placa.
Uma peça de ferro em forma de dragão sustentava o anúncio. Anúncio, repito, descartável. Mas o dragão... Ah! Este dragão... Que beleza!
Inteiramente trabalhado na forja, como na Idade Média. Nada de soldadura. Um bocão diabólico deixando escapar uma língua em forma de lança, duas asas lembrando morcego, um rabo dando volta e dois ganchos.
Quantos séculos teria a peça?
Entrei na loja, propondo a compra do bicho de ferro. Como era de se esperar, responderam pela negativa. Durante um ou dois anos, subindo e descendo a ladeira, quanto mais examinava o dragão mais me convencia da excelência da peça. Mas, fazer o quê? Estava integrada à paisagem urbana e com isso teria que me conformar.
Um dia a loja fechou, levando o dragão. Impossível saber onde teria ido o proprietário.
Anos passaram, esqueci o ferro.
Na vizinha rua das Flores um pequeno ferro-velho vende as coisas mais dispares e absurdas da área. Desde metal a kilo até globos de vidro e molduras quebradas. Dou uma espreitada com certa regularidade para ver se encontro algum tesouro.
E não é que, um belo dia, lá encontrei "meu" dragão? Triste e maltratado no meio de grades sem graça, meu dragão.
"Quanto é este negócio, moça?"
O preço mal pagaria um sanduíche e suco no boteco da esquina.
Levei o animal fabuloso na mão até a casa, orgulhoso que nem cruzado voltando de Jerusalém. Está agora pendurado na varanda onde tomo meu café da manhã. Continua querendo cuspir fogo, mas a mim ele não amedronta.