Minha irmã vai casar com um grego e toda a família se esforça, ao som da radiola, para aprender a dançar o sirtaki. Não é tão difícil assim. Não faremos feio no dia da boda. Também, é uma dança um pouco boba, não acha?
No pomar atrás da casa, o cão ladra - aqui no Brasil, late -e brinca com o irmão mais novo. Algumas maçãs maduras já caíram junto ao pé das árvores. Cada ano são tantas que não dá para pegar todas.
Domingo iremos à missa com os sapatos bem engraxados, tarefa que detesto. Estou falando de engraxar, claro. Porque, ir a missa é uma festa. Os cânticos são tão belos que esqueço o sermão interminável do velho padre.
Após a missa iremos escolher uma grande torta para toda a família. Gosto quando tem muito chantilly. Sentaremos ao meio-dia para almoçar e só terei autorização de levantar depois da sobremesa, lá pelas 3 horas da tarde. É sempre assim nas cidades do interior...
Você gostou da edificante agenda de minha longínqua infância?
Felizmente, a não ser sobre minha mãe e Dostoiewsky, nada daquilo que acabo de contar é verdade. Seria caso de suicídio prematuro por excesso de conformismo.
Tá tudo inventado, como contraponto à realidade vivida de verdade.
Cresci sem pai nem irmãos. Nem houve missa, já que somos anglicanos, por obra da avó paterna. Nunca tive um pomar com macieira. E mais: nunca fui um aluno aplicado, muito pelo contrário. Como descobri os horrores da disciplina escolar pela primeira vez aos nove anos (problema da guerra e de um pai omisso), nunca consegui me adaptar à rigidez dos horários e á prepotência sádica dos professores.
Odiei o colégio de cabo a rabo, até começar a estudar, numa sorte de para-universidade imaginária, aquilo e mais nada que me interessava, largando o resto sem resquício de remorso.
A melhor escola foi ler com obsessão e freqüentar compulsivamente museus, cinemas, óperas e salas de conferências.
Cresci construindo uma cultura pessoal, sem estrutura acadêmica, sem passar pelo viés escolástico, na base do faro, da intuição. Hoje vejo tudo o que me faltou, nesta self-education.
Não queria saber de matemáticas e agora me arrependo, pois elas conduzem à filosofia, ou vice-versa; outra falha da minha cabecinha.
Preenchi lacunas com overdose de sensibilidade, de espírito de aventura e de palpitômetro. Deu no que deu. Até que poderia ter sido muito pior. Não virei bandido, tentei ser honesto na relativa medida da fraqueza humana.
Hoje, estou assustado com o monte de coisas ainda por aprender, descobrir e fazer.
São tantas que vou ter que fazer uma lista.
Sem mais demora.