Augusto Cruz
27/08/2008 às 15:09
A lei que ainda rege a relação de estágio é a 6.494/77, a qual traz uma disciplina genérica e que pouco ou quase nada protege o estagiário.
Exatamente por inexistir vínculo de emprego entre a unidade cedente do estágio e o estagiário, é que muitas empresas se valem do contrato de estágio para "baratear" seu quadro pessoal. Esta situação vem sendo discutida em inúmeros processos no Judiciário Trabalhista e em reuniões de grupos de estudo de recursos humanos e entidades de proteção ao trabalhador.
O Projeto de Lei 993/07 em tramitação no Legislativo está próximo de se converter em lei. O texto está muito interessante, no entanto, alguns ajustes poderão ou terão de ser feitos até a aprovação e edição do projeto.
O projeto conceitua estágio como o ato educativo, supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação metódica para o trabalho de educandos que estejam frequentando o ensino regular, em instituições de educação superior, de educação profissional e de ensino médio e, ainda, deve fazer parte do projeto pedagógico do curso.
Um ponto importante no conceito contido no projeto é o de que o estágio deve visar o aprendizado de competências próprias da atividade profissional ou a contextualização curricular. Esta definição é importante para coibir uma prática comum em muitas organizações, que contratam estudantes de cursos de educação superior e os alocam em atividades não relacionadas às disciplinas das grades de seus cursos.
E, mais importante, assim como na Lei 6494/77, o projeto prevê textualmente que o estágio não cria vínculo empregatício, porém é preciso observar-se uma série de requisitos: matrícula e frequência regular do educando, celebração de termo de compromisso entre o educando, a unidade de ensino e a cedente do estágio e compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas constantes no termo de compromisso. Além disso, o estágio deverá ter acompanhamento de professor orientador, da unidade de ensino e de supervisor, pela instituição cedente. A ausência de qualquer destes requisitos, implicará no reconhecimento de vínculo de emprego.
Um outro aspecto relevante no projeto é o de fixar a jornada do estagiário não superior a 6h diárias ou 30h semanais, sempre de forma compatível com as atividades escolares, exceção feita a cursos que contemplem períodos alternados de teoria e prática, os quais poderão ter jornada de 8h diárias e 40h semanais, desde que previsto no projeto pedagógico. A lei atual não estabelece qualquer limitação à jornada do estagiário.
Ainda pelo projeto de lei, a duração máxima do estágio será de dois anos e a cada período de um ano, o estagiário fará jus a um recesso de trinta dias, a ser gozado, preferencialmente, no mesmo período de férias escolares.
O ponto mais polêmico da proposta de nova lei reside em seu art. 15, ao prever que o número total de estagiários não poderá ser superior a 10% do quadro de pessoal da parte concedente do estágio, considerando como quadro pessoal a totalidade de pessoas trabalhando no estabelecimento concedente do estágio. A regra visa proteger o estagiário e fomentar a contratação de mão-de-obra por meio de contratos de trabalho.
Acontece que há outros aspectos merecedores de avaliação quanto à limitação imposta ao número de estagiários, como demonstramos em dois casos concretos, a seguir:
- - há empresas que possuem núcleos multidisciplinares: jurídico, financeiro, contábil e administrativo, todos funcionando em conjunto. Ao limitar-se o número de estagiários em 10% sobre o total de pessoas trabalhando, teremos uma enorme restrição de oferta para estágios.
- - numa pequena empresa, como um escritório de advocacia com dois advogados, por exemplo, será possível contratar-se um estagiário?
Concordo com a visão do legislador em proteger o estagiário que é espoliado como mão-de-obra barata, porém o objetivo de formar-se pessoas para a cidadania e o mercado de trabalho, sofrerá grande impacto com a restrição do número de vagas para estágios. Como o próprio projeto prevê, deverá haver fiscalização da instituição de ensino e da própria DRT, o que deverá ser, este sim, o meio eficaz para coibir-se o desvirtuamento do contrato de estágio. Ademais, o número de cursos de educação superior cresceu exponencialmente nos últimos dez anos e para a formação de profissionais, como se depreende do próprio espírito do legislador, é necessário o estágio.
Finalmente, há a previsão para que os estágios em realização na data do advento da lei terão prazo de 180 dias para ajustar-se à nova realidade.
Concluímos que de fato o projeto de lei se configura como importante e traz medidas mais do que necessárias para evitar-se a fraude à relação de emprego, com o uso impróprio do instituto do estágio, no entanto, é preciso verificar o se fiscalizará de forma efetiva o cumprimento do diploma legal e rever-se, ao meu entender, a limitação ou o quantitativo de estagiários para a unidade concedente.