Há pouco assisti ao filme "Arquitetura da destruição", de Peter Cohen, que desvenda a loucura biográfica de Hitler, o pintor frustrado que se apropria de mitos e domina a nação com a arte da propaganda. O filme nos leva às entranhas do personagem e acende uma vela para este que é o grande fantasma do mal do século vinte.
Aprendemos que o nazismo prometia a felicidade que teria havido na Antiguidade greco-espartana e romana, que poderia ser restaurada se a ciência médica e a política ajudassem a criar o homem novo pela limpeza da raça. Os judeus - seres miscigenados - eram vistos como bactérias a serem eliminadas. Para os nazistas sexo era sujeira.
Enquanto assistimos ao filme, muitas relações mentais somos levados a fazer com as imagens da estúpida violência que extermina seres humanos em quaisquer que sejam as guerras e circunstâncias nas cidades do mundo. E pensamos na guerra que a polícia trava ou compartilha com os criminosos do tráfico e quejandos nas grandes cidades brasileiras, dentre elas Salvador.
Longe de nós cair na lorota de que a insegurança e a violência teriam crescido com o governo Wagner. Ora essa, Perna dominava o tráfico do interior de uma penitenciária há oito anos - isso mesmo, oito anos! Só foi descoberto agora. A violência estava debaixo do tapete - o que só demonstra a eficiência da máquina de propaganda do poder político que governou a Bahia durante décadas.
A violência sempre foi instrumento de dominação política e econômica no Brasil -lembremos os milhões de índios que foram exterminados e os africanos escravizados, tratados como bichos sem alma. A lei Áurea é débil - ao fim da escravidão deveria ter seguido uma reforma agrária, mas o Estado preferiu entregar os africanos e seus descendentes à miséria social. Foi um ato de violência tão vil quanto a escravidão.
Toda a política brasileira associada aos interesses populares deve ter como alvo principal eliminar a herança colonial, escravista e mesmo a herança de um republicanismo meia boca. A guerra é contra as desigualdades e as injustiças sociais, é a favor da distribuição de renda, da melhoria da qualidade de vida de toda a nação.
Eliminar bandidos - a maioria jovens - é a insanidade transfigurada em política pública. A eliminação física como política implica na perpetuação da violência e, no limite, no desperdício de recursos, energia que poderia ser utilizada para salvar talentos potenciais. O historiador Hélio Santos chamou a atenção sobre o assunto em recente palestra no Ministério Público.
Estamos vendo as crianças serem formadas nas escolas do crime. A maioria das escolas públicas de Salvador está despreparada para dialogar e interagir com os alunos mais inquietos, com as famílias dos alunos, com as ruas e os bairros onde estão localizadas. As escolas podem funcionar como prestadoras de serviços de formação humana e social para toda a comunidade e não apenas para os alunos que sentam nas cadeiras das salas de aulas.
Se o sonho acabou na Europa dos anos sessenta, como proclamou John Lennon, na América Latina e na África, só para citar dois continentes, o sonho ainda nem começou - mesmo que pareça já ter acabado. É engano, senão vejamos: por aqui tudo ainda está por fazer. As estruturas de poder montadas pelos primeiros 500 anos de história brasileira estão podres. Uma outra história poderá ser escrita. É disso que tratamos agora.
A dominação política e econômica do Brasil sempre enfrentou a resistência daqueles que buscavam a liberdade, a independência e a dignidade humanas. Na história cultural brasileira, aspectos profundos como a música tem alta influência africana e afro-descendente - como de resto a imensa maioria das expressões culturais populares, quase todas mantidas por negromestiços.
A tradição de combate pela liberdade - liberdade individual e liberdades civis - e construção e afirmação da dignidade são valores que inspiram milhões de pessoas em todo o mundo. Não estamos sós, ao contrário. Hoje mesmo as forças conservadoras são levadas a fazer discursos políticamente corretos para tentar demonstrar à opinião pública que tem prerrogativas para resolver os problemas das cidades. O que deve até ser louvado, pois a guerra contra as desigualdades precisa do máximo de bons aliados.
A disputa eleitoral é a hora dos candidatos apresentarem os seus projetos, a dizerem o que pensam de verdade. A violência e a paz urbanas são temas que podem adquirir aspecto central neste debate, cujo enfoque deve ser a busca de alternativas à violência e a adoção de medidas preventivas em todas as suas dimensões possíveis.
É um esforço que deve passar por todos os serviços públicos - deste ponto de vista a violência e a paz devem ser tratadas como tema transversal das políticas públicas - educação, saúde, habitação, saneamento, transporte e, tão fundamental