O ANO DA FRANÇA NA BAHIA

Tasso Franco
26/04/2008 às 20:06
Ano passado aconteceu o badalado ano do Brasil na França capitaneado pelo Ministério da Cultura com ampla visibilidade nas midias francesa e nacional, com alguma participação periférica da Bahia e dos baianos e o domínio dos grupos do Centro-Sul. Em 2009, acontecerá a réplica, ou seja, o ano da França no Brasil. E como o ministro Gilberto Gil continua à frente do MINC e não dá sinais que arredará pé de lá até o final do mandato de Lula, não se sabe se no segundo (2010) ou o terceiro (2014), em formatação, esse evento deverá ter a chancela de Gil.

Na semana passada aconteceu a Feira do Livro de Londres, capital que já tive oportunidade de morar e, embora sombria e sempre chuvosa, comanda uma parte do mercado de negócios da cultura, na música, na literatura, nas artes plásticas, etc. É um importantíssimo centro financeiro da Europa e editores brasileiros, ao que se sabe, fizeram alguns negócios na compra de títulos. Os autores brasileiros vedem pouquíssimo em Londres, pelos motivos que todos já conhecem, daí que os editores nacionais compram muito mais do que vendem.

Esta semana, esses mesmos editores nacionais concentrados basicamente no eixo Rio/São Paulo, seguem para um encontro em Paris onde vão conversar com representantes do governo francês e de editoras franceses (Gallimard, Le Seuil, Flamarion, etc) para tratar das atividades literárias do Ano da França no Brasil. Haverá um seminário sobre literatura francesa contemporânea com enfoque voltado extamente para o grande acontecimento que ocorrerá no Brasil, em 2009. Também ao que se sabe, não há um livreiro da Bahia presente.

Jérémie Desjardins, segundo informa o Prosa&Verso de O Globo, o homem responsável pelo Birô do Livro e pelas Mediatecas da Embaixada da França no Brasil, diz que será reforçado o Programa de Apoio à Publicação, com auxílio financeiro para edição de autores franceses e elegeu cinco eventos nacionais para fazer o intercâmbio com os nativos "tupiniquins" e "tupinambás". Sabe quais são? A Flip (interior do Rio), a Bienal do Livro do Rio, a Feira do Livro de Porto Alegre, a feira de quadrinhos de Belo Horizonte e o Salão Organizado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.

Então, caros leitores (ras), essa Bahia que tanto se fala, terra do maior autor brasileiro de todos os tempos, agora reeditado pela Companhia das Letras, Jorge Amado, está fora da mira do Ano da França no Brasil salvo se houver alguém que se utilize do espeto de Exu, o abre caminhos, para iluminar os doutos oficiais da terra e tentem inserir a Velha Bahia Cansada de Guerra e sua "internacional" Salvador nesse contexto, senão na literatura porque aqui é o primo pobre da cultura, vive esmolando até para pagar a luz e a água da Academia de Letras, que pelo menos se organize em outros movimentos culturais que este evento propiciará. Salvador, é sempre bom lembrar, é a terra de Cathérine du Brèzil, depois Catarina Paraguaçu e Mãe do Brasil, mãe da miscigenação nacional, tupinambá que foi batizada em Saint Mallo, no Noroeste da França, em 1528.

Não é, portanto, pouca coisa. Uma história belíssima que se organizou graças a aventura de um francês, Jacques Cartier, descobridor do Canadá, em 1534, e europeu que frequentava a taba de Diogo Álvares, o Caramuru, como comerciante de madeira, navegador, cristão, um comandante excepcional venerado no Canadá francês, sobretudo em Montreal, e que tem essa forte ligação com a Bahia. Veja que Catarina Paraguaçu foi batizada e se tornou cristã com o nome de Cathérine du Brèzil, em homenagem a mulher de Cartier, a qual, se chamava Cathérine des Granches. É a partir desse episódio que surge a Igreja de Nossa Senhora das Graças, bairro da Graça, hoje um monastério beneditino, local onde está sepultada a tupinambá.

É pura história. Fonte primária, riquíssima, e se nada disso vale para inserir Salvador no roteiro do Ano da França no Brasil, se Jorge Amado não tem serventia, se a origem da história do país não conta, mesmo sabendo que a Bienal do Livro da Bahia é insignificante no cenário nacional, então vamos ficar nos contentando com esse improviso nas atividades culturais, quer no campo oficial; quer no privado, salvo raras exceções, e assistindo nos finais de semana os shows do Reagatone e de Os Bambaz ou a banda Aviões do Forró.

Salvador se amesquinhou. Quase nada acontece nesta cidade no plano internacional e aqueles ditos mecenas, os quais só revelam que têm "dendê no sangue" no período carnavalesco, mais preocupados em encher seus bolsos com o vil metal do que trabalhar qualquer proposta no mundo cultural, os tais empreendedores momesmos, desaparecem da cidade nesse período de entre-safra e ficamos nós a ver navios. Sequer a cidade consegue trazer Charles Aznavour em sua turnê derradeira nos palcos brasileiros temporada que acontece no Centro Sul.

Então, voltando ao Ano da França no Brasil, a Bahia tem que se mexer, se movimentar, fazer ouvir a sua voz e trabalhar para que Salvador, pelo menos, faça parte do roteiro desse evento que resultará numa experiência extraordinária em vários campos da Cultura. A França, é verdade, não é mais a França de Miterrand nem Chon Benit, muito menos a França que soletrava cultura e costumes para o mundo, mas ainda é a velha França que é berço de uma cultura fantástica. Não é à toa que os gauleses recebem 60 milhões de turistas ao ano. E ninguém vai a Paris comer pão francês, até porque temos a Favorita e a Perini por aqui, mas, para ver a cultura, beber o vinho cultural francês e o tinto do Vale do Loire.

De sorte que, ou a Bahia acorda, e isso não é de agora, de três ou quatro anos para cá, ou sua cultura vai viver do passado, de lembranças, de Castro Alves, Antonio Vieira, Balé do TCA, Walter Smetak, Ruy Barbosa, Gregório de Matos e assim por diante. Até Maria Quitéria, recentemente, foi desmoralizada com a entrega de uma comenda com sua efígie à uma autoridade municipal que havia mandado derrubar um templo de candomblé.

É isso, estamos nos nivelando pelo rés-do-chão.