SALVADOR 459 ANOS - II

Tasso Franco
10/03/2008 às 12:27

                                   

            Na semana passada lembramos neste ponto-de-vista um pouco da história de fundação da cidade do Salvador, seus primórdios ainda com Caramuru e Pereira Coutinho, o inchaço populacional que experimentou a partir de 1970, e as perspectivas de futuro. Disse que, até que seja apresentado um projeto revolucionário para a cidade e executado ao longo dos anos, Salvador continuará sendo uma cidade bela geograficamente falando, de população pobre e a maioria sem futuro promissor.


            Hoje, para consubstanciar essa tese, vamos relembrar alguns números que colocamos aqui em relação à população, classes sociais e renda, e mostrar porque essa perspectiva de futuro inexiste para a maioria da população. Salvador, em 1970, tinha 700 mil habitantes, dos quais, 70% (classes C/D/E) na faixa da pobreza (490 mil pessoas), e 30% (classes média, média-alta e ricos) 210 mil pessoas. Hoje, a proporção é igual (ou parecida) só que a cidade tem 2.850.000 habitantes e algo em torno de 1.900.000 pobres ou na linha da pobreza, com renda até 2 salários mínimos, máximo 3 salários por pessoa.


           E o que vem acontecendo ao longo dos anos? A sociedade se movimenta com muita lentidão e uma pessoa para sair da condição da classe média para a classe média alta demora anos. E, na situação da pobreza é ainda mais difícil, na maioria das vezes impossível elevar à condição de escolaridade dessas famílias, melhorar a renda e transformá-las em classes média ou média-alta, salvo exceções. Ainda que, no governo Lula, 22 milhões de brasileiros saíram da E para a C/D, um avanço extraordinário.


            Agora, vamos alguns exemplos práticos para que os leitores possam entender melhor o que escrevo. Fui síndico de um prédio da classe média, no Chame-Chame, (Edf Beta) durante mais de 10 anos e morei 32 anos nesse condomínio. Observei que, ao longo desse período, entre 1971/2003, a ascensão social das famílias foi pequena e quando observadas às condições das famílias dos porteiros, vigilantes e prestadores de serviços do prédio (eletricistas, mecânicos, entregadores, pintores, etc) essa situação é ainda pior.


            A rigor, enquanto as classes média ascendente, média-alta e os ricos (30%) operam entre 80 e 100 km por hora, procurando se adequar ao mundo contemporâneo, competitivo ao extremo, educando os filhos da melhor maneira possível e tendo acessos aos bens culturais e de informação; o restante da população da cidade (70%) se esforçam para se manterem entre 40 a 70 km por hora e não conseguem sequer chegar aos 80% porque lhes faltam condições financeiras, de informações e de programas governamentais.   


            Daí que, como essas políticas inexistem, salvo ou outro projeto do governo Lula acoplados aos governos estadual e municipais, essa diferença nunca será conquistada diante da abissal desigualdade social existente.


            Vamos a um exemplo: Beto Figueiredo da Silva é porteiro da noite do Edf Beta, o prédio que morei já citado acima. Beto tem dois filhos, uma mulher com perna amputada (semi-inválida) que trabalha em casa e sua renda chega a três salários mínimos. No universo geral dos pobres pode ser considerado como uma pessoa estruturada, pois, tem carteira de trabalho assinada e goza de todos os direitos trabalhistas, além de ser proprietário de uma casa na Estrada das Barreiras, área do milo. Trabalha há 26 anos no Beta, das 22h às 6 da manhã, na portaria; e das 6 da manhã às 8h, lavando carros dos moradores do prédio.


            Ainda assim, a família de Beto não avança no padrão da contemporaneidade. Seus filhos são adolescentes, não têm computador doméstico e o acesso à informação só via TV. Ambos estudam no Colégio Helena Magalhães, estabelecimento público e perto de casa porque os meninos não têm condições de pagar transporte caso mudassem de rumo, não estudam inglês; nem espanhol e o lazer se restringe à área do colégios e aos babas na rua. Beto já está mais preocupado porque o filho mais velho fará 18 anos, em 2010, e "vai precisar trabalhar".


            Essa é a tese do pobre e também a dura realidade. Como o filho de Beto não está qualificado aos 18 anos, ou mais, ele certamente se "arrumará" numa profissão do segundo time (igual ou um pouco melhor do que a do pai) embora ele sonhe em ser doutor. Só que, para ele conseguir realizar esse sonho, as barreiras à sua frente são muitos maiores do que as colocadas diante de um jovem da classe média alta. Ou seja, o filho de Beto, não porque ele queira, vive no mundo que gira a 40/60 km, e o outro gira entre 80/100km.


            Essa é a realidade da grande maioria da população da cidade do Salvador e essa história de "políticas públicas" que vemos falar desde a segunda revolução francesa de 1968 ou se faz pra valer, o que não está acontecendo nem em Salvador; nem na maioria dos municípios baianos, ou essa realidade vai perdurar por longos anos. É fácil de fazer? Não. É uma coisa difícil, mas que precisa ser encarada algum dia, inclusive instituindo o planejamento familiar pra valer, enfrentando setores tradicionais da igreja católica e avançando com políticas de cotas, projetos seletivos em comunidades e assim por diante.


            Salvador, em 2000, na virada do século XXI tinha 2.200.000 habitantes. Vai chegar em 2010 com 3.000.000. Nessa proporção, em 2040, estará com 6.5 milhões. E 2040 é logo ali, assim como foi 1970. E aí teremos (a essa altura já estou no céu), mantidas as proporções da pobreza atual, algo em torno de 4.500.000 pobres. Não tem proteção de bolsa família, bolsa pobreza, bolsa geladeira, que impeça uma catástrofe.