DOM JOÃO VI NÃO VIU O CARNAVAL

Tasso Franco
31/01/2008 às 10:25

                 Quando o príncipe regente Dom João (depois Dom João VI, rei de Portugal, Brasil e Algarve) chegou a Salvador na manhã de 22 de janeiro de 1808 não havia nem sombra de Carnaval, hoje, a festa mais importante e badalada da capital baiana. Não existia também a Avenida Paralela, o Iguatemi, Ivete Sangalo, a banda Chiclete com Banana, a PM, o pau elétrico, celular, gps e uma porção de coisas úteis e inúteis da sociedade contemporânea.

              
                Salvador tinha 45 mil habitantes, mais ou menos do tamanho de São Sebastião do Passé, e a cidade se limitava em espaços entre a Península de Itapagige e suas roças de entorno, ao Rio Vermelho de Baixo, na linha Leste/Oeste. E, na rota Sul/Norte, da antiga Ponta do Padrão, atual forte de Santo Antonio da Barra ao dique do Tororó. Não mais do que isso. A rigor, a cidade fortaleza se concentrava no atual centro histórico, entre o São Bento e o Carmo, com sua área dinâmica no velho cais dourado da Velha Bahia, a Ribeira do Góis, trecho da atual cidade baixa nas proximidades da Conceição da Praia a Praça Marechal Deodoro.

              
               Outro detalhe: naquela época não havia nem o Vitória; nem o Bahia. E muito menos eleição direta como teremos este ano para a escolha do prefeito. A música axé passava ao largo porque Luis Caldas só surgiu quase dois séculos depois da chegada da família real e, como também ainda hão existia a Baixa do Tubo, nenhuma batucada acompanhou o cortejo real entre a Ribeira do Góis, onde desembarcou parte da corte, até a Sé Matricial, a catedral que foi demolida em 1939 pelas picaretas do progresso, local onde foi oficiado um Te Deum Laudamos.

             
           As primeiras lambanças carnavalescas só iriam surgir na cidade do Salvador por volta de 1825 ou 1830, com o entrudo, quando Dom João, a essa altura Dom João VI já tinha retornado a Portugal e o Brasil era governado por seu filho Dom Pedro I, imperador do Brasil. Um exagero até porque o Brasil imperial se limitava ao próprio Brasil sem estender suas fronteiras como aconteceu com  a Inglaterra e o próprio Portugal para a África e Índia. Era um império Tupiniquim.

        
         O primeiro Carnaval de Salvador oficial aconteceu em 1884 já com o neto de Dom João VI governando o Brasil, com algumas sátiras evocando a República que iria nascer logo depois. Deixamos pois de ter um Carnaval Republicano, termo hoje bastante em moda na Bahia e no Brasil, para ter um Carnaval Imperial, com as primeiras batucadas indo às ruas e os corsos ambientando a efervescente Rua Direita do Palácio depois, absurdamente, transformada em Rua Chile.


               Pense numa coisa absurda em Salvador ? Aí está: a rua mais antiga do país de uma cidade-capital-fortaleza-da América-do-Sul quebra uma tradição de três centuárias e passa a ser Rua Chile porque uma esquadra de navios chilenos aportou em Salvador no início do século XX.


                Salvador deve muito a Dom João até porque não só fundou a primeira escola superior de medicina do país na capital dos baianos, como fez uma deferência especial em aportar na Baía de Todos os Santos num gesto político sobre a importância da cidade da Bahia, para cá mandando, logo que chegou a sede do imérico-colônia, o Rio de Janeiro,  seu vice-rei conde dos Arcos para acá governar. Seu nome emoldura a principal avenida do noviço bairro de Brotas, o que já é alguma coisa. Diogo Álvares, o Caramuru, que foi outro grande benfeitor desta terra, não tem nome nem de beco.


                Então vamos a outro absurdo. No Rio Vermelho tem uma praça, nas proximidades onde Caramuru naufragou e fez história, que se chama Praça Colombo, em homenagem a Cristovão Colombo. É outro caso de provincianismo parecido com a rua Chile, pois, Colombo nunca veio a Salvador. O pior é que ainda colocaram sua estátua de costas para o mar, logo ele, o rei dos mares, descobridor da América.


                Salvador, portanto, nesta data, comemora os 200 anos da chegada da Corte a cidade e se mais não poderá fazer, como já dito nessas mal traçadas linhas, é porque  a cidade que leva o nome do senhor, graças a outro rei, Dom João III,  tem uma memória curtíssima. Tem muita gente que ainda acha que baiano é cabeçudo, burro mesmo, e  vai fazendo umas e outras com a cidade e sua história tentando colocar no panteão personalidades que nada têm com a vida desta cidade encantada da Bahia.