HÁ UM CHEIRO DE PÓLVORA NO AR

José Fernandes
26/01/2008 às 10:06
  Passada a ressaca da Festa do Bonfim, o governador Jaques Wagner, agora mais tranqüilo por ter feito a caminhada até a Colina Sagrada sem receber as vaias que seus assessores tanto temiam,  precisa reservar um pouco de seu precioso tempo para avaliar melhor e resolver  um problema que vem se arrastando há algumas semanas e que tem tudo para se constituir, no mínimo, em mais uma fonte  de desgaste para o seu governo: o conflito entre a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Marilia Muricy, e as entidades do movimento negro, por conta da demissão do advogado e militante Sérgio São Bernardo, da Superintendência do Procon.

  Não é preciso ter um olfato aguçado para sentir que há um cheiro de pólvora no ar. Pólvora antiga, é verdade, gerada pelo preconceito, pela intolerância e, principalmente, pelo descaso com que as questões que dizem respeito à população afro/mestiça sempre foram tratadas na Bahia. Mas, que agora ameaça entrar em combustão, tornando ainda mais complicadas as mal resolvidas relações étnicas na velha Cidade da Bahia.


  O estopim já foi aceso e queima rapidamente, alimentado por uma sucessão de erros e equívocos, a começar pela postura do Governo, que teima em continuar tratando o conflito como se fosse um episódio menor, fruto da rebeldia e da incontinência verbal de um funcionário demitido por ter cometido "falha administrativa".


   O problema é muito mais complexo, na medida em que as entidades do movimento negro dão sinais de que não pretendem dar trégua à secretária (e ao Governo) cobrando não só explicações mais convincentes em relação á demissão de São Bernardo, mas também medidas concretas na área de direitos humanos, que beneficiem e, principalmente, protejam a população afro/mestiça da violência que tem aumentado nos últimos tempos na perifeira da cidade.


   Toda essa barafunda em torno da demissão de dirigente do Procon evidencia, em primeiro lugar, que a secretária Muricy e seus conselheiros não avaliaram corretamente as implicações políticas da demissão de São Bernardo -  um conceituado advogado, militante petista e uma das mais influentes lideranças do movimento negro. E muito menos imaginaram que ele reagiria dando uma dimensão política ao episódio, tornando pública uma carta acusando Muricy de ter praticado "racismo institucional". Ganhou a solidariedade e o apoio das entidades do  movimento negro. O que era uma questão individual passou a ser coletiva.


   A secretária demorou a pronunciar - estava viajando - e quando o fez preferiu dar mais ênfase às providencias judiciais que estava tomando contra São Bernardo do que explicar  de maneira convincente o motivo e as circunstâncias da demissão. Advogada e professora universitária, Muricy recebeu o apoio e a solidariedade de amigos, ex-alunos e lideranças políticas de esquerda, que não vêem na demissão de São Bernardo qualquer ato de racismo, principalmente porque consideram Muricy, por seu passado de militante na luta contra a ditadura, uma baluarte dos direitos humanos, por isso acima de qualquer suspeita.


  Como secretária de Estado, Marilia Muricy deveria ter agido mais no sentido de despolitizar o episódio, desarmar os espíritos, inclusive buscando o diálogo com o movimento negro. O sucesso das políticas públicas de Direitos Humanos numa cidade de maioria negra como Salvador passa pelo diálogo com essas entidades. Uma prestação de contas do trabalho que o Governo vem fazendo nessa área ajudaria muito a acalmar os ânimos e evitar o agravamento do conflito. Afinal, policiais e grupos de extermínio estão agindo livremente na Região Metropolitana de Salvador, tendo como alvos preferenciais os jovens negros e mestiços da periferia. Isso para não falar das cadeias e presídios do Estado, não por acaso superlotados de negros, que estão em estado lastimável.  


   Sentindo-se ofendida, Muricy preferiu partir para o ataque, negando-se a ouvir as entidades do movimento negro e o mais grave,  ignorando a dimensão política do episódio já havia adquirido. Uma atitude típica da velha esquerda baiana, que sempre deu as costas às demandas específicas da comunidade negra. Uma situação que somente começou a mudar há bem pouco tempo, com a incorporação dessas questões pelo PT, embora de forma tímida, para não dizer marginal.


  Por tudo isso, é  importante que o governador Wagner dedique um pouco de atenção a esse conflito. Não basta criar uma Secretaria da Reparação com minguados recursos e achar que assim vai combater o racismo e o preconceito entranhados a séculos na alma de  nossa gente. A continuidade de conflito, além de representar desgaste para o Governo, só serve para estimular a separação entre negros e brancos na sincrética Cidade da Bahia.


  Que Oxalá ilumine o governador e continue a abençoar e proteger todos nós, sem distinção de cor.