Para saber porque Oscar Niemeyer é um gênio, uma boa sugestão é passear em Brasília. Talvez, de todas as suas obras, Brasília seja a mais completa, por ser uma cidade inteira, por ter sido construída pata ter gente dentro, indo e vindo, morando e trabalhando, suando e namorando.
A gente pensa em obra arquitetônica, e vê o Congresso Nacional, o Palácio da Alvorada com suas colunas que nem isca de rim. Enfim, a gente pensa em obra arquitetônica e imagina um prédio.
Para imaginar uma cidade como obra arquitetônica, não dá apenas para ver cartão postal ou sobrevoar seu traço de borboleta - sim, porque o outro gênio, Lúcio Costa, disse que ele fez o traço de Brasília pensando numa borboleta, não em um avião.
Eu vou ter o maior prazer de receber vocês aqui, como fui recebido aí, na minha segunda terra, obra arquitetônica não da prancheta, mas do axé.
Porque tal qual o axé, Brasília, para ser entendida, precisa ser sentida, percebida. E isso se faz andando ao léu por suas superquadras cheias de gente e rodeadas de árvores, como burgos socialistas, se possível fosse, onde nobres e plebeus dividem, realmente democraticamente, os mesmos espaços, até para namorar. Em Brasília os espaços são livres, são para circulação, enormes corredores de ar que no outono seco funcionam como aparelhos naturais de ar condicionado. É muito verde, quase tanto quanto o é o azul da baia de todos os santos e de todas as praias.
No nosso passeio eu vou mostrar para você o que Niemeyer pensou para os que viriam morar aqui no cerrado quente do Planalto Central. E vou provar que Brasília não foi feita para carros, e sim para a gente poder andar à vontade. Até para ir para os botecos.
E os botecos, hoje, são o que mais marca a ideologia que este gênio pretendeu para Brasília.
O Fernando Vita sabe disso, e não vai me deixar ficar com fama ruim, sozinho.
Poderia ser diferente, mas não seria a nossa capital de todos os brasileiros. Como está fincada no coração do país, no centro do Centro-Oeste, Brasília rapidamente abrasileirou-se. E temos aqui favelas, bairros nobres, de barões, super-quadras de super funcionários públicos e de classe média, normal, alta, remediada e baixa. Pelo menos são todos vizinhos.
E em todos esses cantos residenciais, dos mais sofisticado ao mais comum, lá está, entre butiques repletas de madames e seus nossos carros oficiais com motorista esperando na porta, os pés-sujos, esses becos maravilhosos apertados entre uma loja e outra, cheios de gente que não se aperta por nada. Cotovelo no balcão a solver, com os santos e nem tanto, as saudades das terrinhas.
Ai o socialismo resiste, e não por acaso, foi tudo planejado na prancheta desse moço de 100 anos.
É por isso que vocês têm que vir. Já imaginou uma obra arquitetônica onde até o pé-sujo foi planejado? Coisa de gênio mesmo, não acham?
*Jornalista, goiano, freqüentador de Brasília
desde 1960; morador desde 1971,
de onde saiu para freqüentar e mora na Bahia.
Hoje em Brasília, sempre na Bahia.