Tasso Franco
07/11/2007 às 07:10
PDDU significa Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. É o instrumento, a lei que, em tese, ordenaria a vida da cidade do Salvador: edificações, áreas de lazer, ocupações dos espaços públicos, os limites do que pode e não pode se fazer nos espaços urbano e rural do município. Para se elaborar essa ferramenta atuam os técnicos da Prefeitura, normalmente da Secretaria de Planejamento, respaldado num conselho de notáveis, o Condurb. Quem dá a última palavara sobre o PDDU é a Câmara de Vereadores, que o aprova.
No último governo Imbassahy foi aprovado um novo PDDU, substituindo o antigo, reminscências dos anos 1980. Foi uma novela sua aprovação. Saiu a fórcepes, depois de algumas discussões, boicotes de toda ordem, mas, ainda a tempo de ser sancionado pelo então prefeito. Agora, a administração João Henrique fez um remendo no Plano e enfrenta resistências muito parecidas com as enfrentadas por Imbassahy, à época, para sua aprovação.
Em resumo, o remendo visa atender ao empresariado da construção civil que deseja edificar prédios num trecho próximo a Orla Atlântica do que restou do filé do território da cidade.
A rigor, tanto o PDDU aprovado na época de Imbassahy; quanto o remendo que está sendo feito agora são peças inóquoas, inservíveis para o ordenamento da cidade, uma vez que quase a totalidade do seu território foi ocupado de maneira desordenada e, infelizmente, ninguém conseguirá dar jeito no que já se edificou. Salvador, diferente de outras cidades onde esses assentamentos são chamados de fvelas, aqui receberam o singelo nome de invasões. A cidade possui mais de 500 delas, algumas consolidadas há anos, caso do bairro da Liberdade; e outras mais recentes, como a Invasão do Metrô, numa enconsta às margens da BR-324, próximo do Calabetão.
Então, soa como demagógico, esse circulante papo de que o PPDU não pode ser aprovado sem uma ampla discussão, sem uma análise mais rigorosa do que propõe os técnicos da Prefeitura, como se a população da Saramandaia, de São Caetano, da Palestina, do Doron, de Paripe, da Barra, da Calçada, de Plataforma, da Pituba, salvo raras exceções tivesse o mínimo conhecimento das perpendiculares, paralelas, assimétricas, sombreamentos, etc, contidas no Plano. Se é para vetar o remendo posto no PDDU diga-se que não se vota porque a proposta em curso beneficará apenas segmentos empresariais. E só.
Nem tem PDDU, PDDA, PDDO, PDDB, que dê mais jeito no que se fez no território da cidade do Salvador. Em 320 anos, veja bem, três séculos e mais 20 anos, a cidade era relativamente ordenada e possuia 700.000 habitantes. De 1970 para cá, 37 anos apenas, mangeou de vez, a população saltou para 2.820.000 habitantes e ela fez o que quis no território da cidade, porque a maioria desse contingente é pobre, migrante, sem qualificação profissional adequada, e ocupou todos os espaços ao seu modo, de acordo com suas posses construtivas e deu nisso que está aí.
Invasões de consilidaram como bairros (Liberdade, São Caetano, Sussunga, Paz, Calabar, Calabetão, todo Subúrbio Ferroviário, etc) e outras seguem o seu destino de áreas sub-normais, sub-habitáveis, porém, com milhares de pessoas em algumas delas, como são os casos, por exemplo, da Nova Constituinte (1988), Pela Porco, Saramandaia e dezenas de outras.
Alguém vai ordenar, planejar ou que outro nome algum notável do Condurb queira dar, o Bairro da Paz, encravado num área considerada nobre pela Prefeitura e que foi invadida na época da Guerra das Malvinas, em 1987? Alguém vai modificar a situação em que se encontra a Nova Brasília de Itapuã, às margens da Dorival Caymmi e a beira da Lagoa do Abaeté? Alguém vai mexer na Roça da Sabina, no Chame-Chame? Vão consertar ou modificar o Alto das Pombas, como o próprio nome diz, um pombal? Na enconsta da Avenida Godofredo, ao lado do Cemitério do Campo Santo, o beco só dá pra passar uma pessoa e constrói-se teto-sobre-teto. Ou seja, quem está embaixo que vá se queixar ao bispo.
Então, ninguém vai dar mais jeito na cidade do Salvador. Certa ocasião o então secretário de Planejamento da Prefeitura, Manoel Lorenzo, mentor intelectual do PDDU em exercício, organizou um projeto de requalificação de áreas do Subúrbio Ferroviário. Uma parte apenas do bairro, hoje, com mais de 500.000 nos segmentos da Calçada a Paripe. Nunca saiu do papel. Porque? Por que a inicial, para dar o ponta-pé das obras precisava algo em torno de R$250 milhões. Foi-se ao BNDES, Banco Mundial, Banco não sei de quê, mas, como essas instituições detestam pobres, o projeto não foi adiante.
Semana passada, por acaso, fui ao Alto da Terezinha, bairro do Subúrbio no outro lado de Plataforma. Um camarada abriu um lava jato na garagem de sua casa, sem licença, sem zorra nenhuma, e usa a rua como local para estacionar os carros e lavá-los. E daí: alguém vai mexer nesse lava-jato? Nem precisa ir ao Alto da Terezinha. Ao lado do Salvador Shopping, na Rua Alceu Amoroso Lima, acontece o mesmo. Em Brotas, bairro classe média, tem uns 5 deles.
Veja outro caso interessante: o corredor da Vitória está ocupado com enormes construções de lado a lado. Até a casa do ex-jornalista Jorge Calmon está virando um espigão. A área do ex-Palácio Cardinalício, hoje, é a morada mais cara da Bahia. Recentemente, uma construtora quis lançar um prédio no fundo da Igreja Vitória no local da Mansão Wildberger, uma casa sem qualquer valor patrimonial e não pode. Recorreram até ao sonolento IPHAN para tombar a Igreja de Nossa Senhora da Vitória. Até o padre Luis, substituto do monsenhor Sadock invocou os santos dizendo que era um absurdo, uma coisa de louco, uma vez que a igreja não possui nada de valioso em termos de patriônio histórico.
Agora pergunto: alguém vai passar um trator na Vitória e deixá-la como na época em que Tomé de Souza e Luis Dias subiram a enconsta com a ajuda de Caramuru, para seguir rumo ao hoje centro da cidade? A Prefeitura nunca sequer conseguiu implodir o monstrengo do edifício Themis, na Praça da Sé, esta sim uma área tombada, patrimônio cultural da humanidade, quanto mais mexer onde moram os desembargadores, empresários e artistas ricos de Salvador.
O que quero dizer é o seguinte: o PDDU é uma peça de ficção para a maioria do território da cidade do Salvador, aquele que está valendo e foi aprovado pela Câmara na gestão passada; e o que está sendo remendado pela atual administração. Tanto faz; como tanto fez para a maioria da população porque ela constrói, edifica, sinalizada, organiza, desorganiza, planeja, tudo ao seu modo e fim de papo.
Não existem culpados, nem prefeitos que se desinteressaram por esse ou aquele problema. Esse é o processo que vem acontecendo desde 1970, época da abertura das avenidas de vale e de expansão da cidade. Os pobres seguiram as linhas abertas para retirar Salvador do circuito central protegido pelo Dique do Tororó com limites até o Rio Vermelho de Baixo e ocuparam as cumeadas e baixadas ao seu modo. Na linha Oeste, em direção ao Subúrbio e a BR-324, a mesma coisa, com exceção de Cajazeiras. Depois, com o decorrer dos anos, queimou pneus nas avenidas de vale e na Suburbana e foi conseguido melhorias em suas sub-áreas: esgotamento sanitários, escadarias, asfalto nas ruelas, escolas, etc, e consolidando esses assentamentos, sem qualquer planejamento oficial.
Daí que, o remendo do PDDU atual tem um objetivo já exposto pela mídia. Há quem assegure que é bom para a cidade; e há quem diga que é ruim. Pelo sim; pelo não é preciso sair do impasse. Não existe cristão, nem governo algum que possa ordenar a cidade do Salvador à moda do planejamento acadêmico, dos estudiosos dos assentamentos urbanos.
Salvador é um caso específico. Caso perdido, onde a população organizou a cidade ao seu modo e os administradores ficam correndo atrás para resolver os problemas. Ainda assim, com toda boa vontade o máximo que conseguem melhorar são 20 a 30%.
Mais um exemplo para finalizar: De Imbassahy (1997) para João Henrique (2007), em dez anos, a cidade cresceu em população 800.000 mil almas. Uma cidade de Aracaju feita ao modo do baianês.