CHEIRO DE CAJÁ

Chico Ribeiro Neto
27/09/2007 às 16:09
  Nas minhas caminhadas pela Centenário sempre encontro alguns cajás no canteiro central da avenida.

  Gosto, então, de apanhar um, descascá-lo e cheirar.

  O efeito é imediato: imagens da infância surgem rapidamente. Pegamos muitos cajás, eu e a turma dos Aflitos, nas andanças do Unhão até o Iate Clube pelas pedras, quando a maré estava vazia.

   E aí a gente roubava, nos velhos quintais da Vitória, manga e jaca, fugindo ribanceira abaixo das pedras atiradas pelos caseiros e das ameaças de tiro de sal.
   Cleomar, meu irmão, fazia anéis da casca do pé de cajá. Minha mãe fazia um delicioso picolé, a conhecida "abafabanca", e o cajá povoava nossa vida.

   Até hoje, considero o picolé de cajá um dos melhores.

   O escritor e psicanalista Rubem Alves, em seu livro "Se eu pudesse viver minha vida novamente", lembra de um professor que pedia aos alunos "uma lista dos sonhos que ouvia na sua infância e que não mais se ouvem.

   O canto do galo, o canto do grilo, a música do realejo, o sino das igrejas, o apito rouco da maria-fumaça, o crepitar do fogo no fogão de lenha".

   Um dos sons mais fortes é dos carrinhos de feira nos paralelepípedos da Rua 2 de Julho, 25, em Ipiaú, onde nasci.

   Também em dia de feira, a zoada dos cascos dos cavalos na rua.

   Outro som igualmente saudoso é do alto-falante tocando a Ave-Maria às 18 horas, e imediatamente surge vovô Chico voltando da Casa São Roque, sua loja onde as mulheres coloridas nas caixas de chapéu povoaram meus primeiros sonhos. E os cachorros latindo na madrugada, quando as tanajuras faziam voltas na lâmpada do poste.

   Hoje, compro cajás na mão de uns catadores no Vale do Canela e levo para os amigos Almiro e Leda fazerem cajarosca.

   O cheiro continua alimentando lembranças e aproximando pessoas