Nas minhas caminhadas pela Centenário sempre encontro alguns cajás no canteiro central da avenida.
Gosto, então, de apanhar um, descascá-lo e cheirar.
O efeito é imediato: imagens da infância surgem rapidamente. Pegamos muitos cajás, eu e a turma dos Aflitos, nas andanças do Unhão até o Iate Clube pelas pedras, quando a maré estava vazia.
E aí a gente roubava, nos velhos quintais da Vitória, manga e jaca, fugindo ribanceira abaixo das pedras atiradas pelos caseiros e das ameaças de tiro de sal.
Cleomar, meu irmão, fazia anéis da casca do pé de cajá. Minha mãe fazia um delicioso picolé, a conhecida "abafabanca", e o cajá povoava nossa vida.
Até hoje, considero o picolé de cajá um dos melhores.
O escritor e psicanalista Rubem Alves, em seu livro "Se eu pudesse viver minha vida novamente", lembra de um professor que pedia aos alunos "uma lista dos sonhos que ouvia na sua infância e que não mais se ouvem.
O canto do galo, o canto do grilo, a música do realejo, o sino das igrejas, o apito rouco da maria-fumaça, o crepitar do fogo no fogão de lenha".
Um dos sons mais fortes é dos carrinhos de feira nos paralelepípedos da Rua 2 de Julho, 25, em Ipiaú, onde nasci.
Também em dia de feira, a zoada dos cascos dos cavalos na rua.
Outro som igualmente saudoso é do alto-falante tocando a Ave-Maria às 18 horas, e imediatamente surge vovô Chico voltando da Casa São Roque, sua loja onde as mulheres coloridas nas caixas de chapéu povoaram meus primeiros sonhos. E os cachorros latindo na madrugada, quando as tanajuras faziam voltas na lâmpada do poste.
Hoje, compro cajás na mão de uns catadores no Vale do Canela e levo para os amigos Almiro e Leda fazerem cajarosca.
O cheiro continua alimentando lembranças e aproximando pessoas
https://bahiaja.com.br/artigo/2007/09/27/cheiro-de-caja,119,0.html