O grande segredo da pegada diferente da Eletrocooperativa foi misturar os tambores afros com a linguagem do hip hop. Ao reproduzir no tambor a unidade da batida rap, transformaram os tradicionais beats em um novo groove, mais brasileiro. Junto com o som dos tambores, o de pick-ups, samples, baixo, guitarra, Djs e MCs.
"A Eletrocooperativa só consegue produzir porque encontrou suas raízes, porque parte de uma matriz cultural forte e potente que oferece a base para qualquer outro salto", observa o criador da ONG, Reinaldo Pamponet, que desde 2006 levou a Eletro também para a Vila Madalena, em São Paulo, abrindo seus braços para o hip hop paulistano de raiz.
Mais que se apropriar das novas tecnologias para tirar delas seu sustento, o que os jovens que já passaram por lá também aprendem é a integrar um novo tipo de sociedade, na qual as relações de trabalho são horizontais e a forma de produção é cooperativa. "São valores de um novo século, possível para esses jovens que pouca referência tinham das relações de trabalho do século XX.
É uma nova forma de cooperar em torno do novo", observa Reinaldo Pamponet, criador da ONG. Conceitos como o de redes colaborativas e difusão livre fazem parte do dia-a-dia dessa turma que já nasceu em uma nova era. Lá eles também aprendem a traçar um plano para suas vidas e carreiras, a administrar suas economias e, principalmente, a ser cidadão no pleno sentido da palavra, ativo e participante.
Desde que foi criada em Salvador, em 2003, 600 pessoas já passaram por lá. No começo, todos eles vinham de diferentes blocos afros da cidade, com potencial talento para a música, e participavam de cursos de teoria ou de produção musical, além de informática básica, durante um ano, dois ou muito mais.
Alguns partiram para desenvolver carreiras independentes, retornaram para os grupos dos quais saíram ou criam novos, mantendo sempre seu vínculo com a instituição. Foi assim com o DJ Bandido, com Kiko do Afrogueto, por exemplo. Outros permanecem até hoje, como funcionários da Usina de Produção Musical, criada ano passado na Eletro, com carteira assinada e contrato inicial de três anos. "Aqui você se capacita e produz. A Eletro fez a música acontecer na vida de todo mundo", comenta Marcos Vinícius, 26 anos, aluno da ONG.
Da Usina sai toda a produção do grupo, uma verdadeira organização cultural capacitada para fazer de um tudo. "Uma das primeiras coisas que eles aprendem aqui é sobre a capacidade de cada um de fazer, de criar. Se tornam confiantes e, com a auto-estima em dia, aprendem também a controlar o ego", pontua a coordenadora operacional da Eletro, Alessandra Pamponet. Bom exemplo é o de George Cardoso, 21 anos, monitor da Usina e há quatro na Eletro. "Tudo o que eu sei hoje aprendi aqui e continuo aprendendo todos os dias, com os novos desafios que são lançados, diariamente", conta ele, que faz de produção a vídeo.
O MC Hagaar - Vitor Hugo, 21 - agora também faz muito mais que ciceronear o público em suas incursões pelo afro hip hop. "Antes só era MC, agora faço os programas de rádio, estou aprendendo a fazer as bases e escrevendo um livro, com a história de vida de todo mundo que já passou por aqui". Ele, um dia, quase não acreditou quando ouviu sair dos computadores da Eletrocooperativa tudo o que precisava para fazer seu som e mais, descobriu que com o resto da galera poderia produzir suas própria músicas. "Todo mundo colabora em cada composição e é raro alguém ser autor único de uma música. É como resolver um assunto em família", comenta Jocemar Pereira, 28 anos, há quatro na Eletrocooperativa.
Todo mundo dá palpite, contribui, discute. Por isso comemoram tanto o verdadeiro achado que foi o nome do novo CD da Eletropercussiva, o Universo coletivo. "É isso o que fazemos, partimos de um mundo de coisas, de referências, de informações, com a participação de todo mundo", comenta Luciele Sales, 20 anos. É com esse DNA diferente, com uma forma de organização livre de hierarquia, trabalhando a partir da colaboração coletiva, da criação em conjunto que a Eletrocooperativa se firma e segue sua trilha criando novas sonoridades e novas formas de ser e estar em sociedade.