Pe. Emmanuel da Silva e Araújo
10/06/2007 às 11:39
"Fora do campo pessoal reafirmo, como presidente do Senado, meu compromisso
de apoio integral a investigação, dentro da lei, especialmente pelo
Congresso Nacional, sobre todas as denúncias que envolvam as relações de
empresas e empresários com os integrantes do Legislativo e o Executivo."
Esta frase foi a conclusão do discurso de defesa do Senador Renan
Calheiros. Muito sugestiva! Terminada sua fala, marcada por apelos emocionais e falta de provas concretas do que afirmava, ele foi saudado pelos Senadores, que
diziam, quase em unanimidade, que estava tudo esclarecido. Mas está mesmo?
Vejamos: o Senador não falou da tribuna, como qualquer Senador, mas da
adeira da presidência.
Por quê? Porque, segundo as normas da casa, quando o
presidente fala como presidente, não pode haver apartes. Deste modo, Renan
Calheiros usou o escudo do cargo para não ser confrontado, não esclareceu
nada e terminou ovacionado. Provalvelmente por causa de sua frase final,
citada acima.
O que ela quer dizer nas entrelinhas? Talvez diga o seguinte:
"se forem apurar as acusações contra mim, eu apoiarei qualquer investigação
contra qualquer membro do Legislativo ou Executivo. E eu sei de muita
coisa..." Como tem muita gente naquele meio com envolvimentos escusos, ao
que tudo indica, será mais uma denúncia arquivada.
E os mais recentes acontecimentos o comprovam: o Senador declarou no dia 29/05 que não tem comocomprovar os repasses feitos a Monica Veloso de 2004 a dezembro de 2005, emesmo assim está sendo articulado um acordão entre os partidos no Senadopara evitar o processo contra ele por quebra de decoro parlamentar.
Enquanto isso, R$ 1,5 bilhões, que saem do que pagamos ao governo em
impostos, são perdidos ao ano em corrupção. Vejamos outros números:
1.
Mensalão: valor apurado de R$ 2 bilhões, 8 partidos envolvidos, 22
parlamentares acusados, 3 cassados, 12 absolvidos e 4 renúncias para fugir
à cassação;
2.
Sanguessuga: valor apurado de R$ 110 milhões, 9 partidos envolvidos,
72 parlamentares acusados, 4 pedidos de cassação, 11 absolvidos, 2
renúnciaspara fugir à cassação e 55 processos arquivados;
3.
Navalha: até o momento, valor apurado de R$ 170 milhões, 13
parlamentares acusados, 9 partidos envolvidos.
Por outro lado, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal
aprovou, faz pouco tempo, proposta de emenda constitucional que reduz a
maioridade penal para 16 anos, de autoria do Senador Demóstenes Torres, e
encaminhou-a aos plenários do Senado e da Câmara. Acontece que o artigo 5º
da Constituição determina: "Todos são iguais perante a lei, sem qualquer
distinção de qualquer natureza...". Mas o fato é que no Brasil alguns são
mais iguais que outros perante a mesma lei.
Deste modo, o que temos, dentre muitos absurdos, é: juízes desembargadores,
governadores, parlamentares, mensaleiros, sanguessugas, navalheiros
protegidos pela lei; deputados e senadores decretando semana de trabalho de
três dias, garantindo verbas para combustíveis cujo destino verdadeiro
dificilmente se poderia comprovar, fazendo lobbies com empreiteiras,
legislando para aumentar os próprios salários (enquanto o país seguia a
visita do Papa e a cada instante os meios de comunicação davam ampla
cobertura, o Congresso se reuniu em regime de urgência e aumentou os
próprios salários) e boicotando a votação de temas fundamentais para o
desenvolvimento nacional em função de mesquinhos interesses corporativos.
No artigo 3º, a Constituição Federal diz que "constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: I - Construir uma sociedade
livre, justa e solidária" e "III - erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais". E o artigo 227º determina:
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão".
Assim, se queremos resolver os problemas de nosso país, o caminho não seria
fazer valer a Constituição? O caminho não seria cumprir o artigo 5º,
punindo políticos, empresários e juízes do mesmo modo que se pune os pobres e se quer punir os adolescentes? O caminho não seria fazer valer os artigos 3º e
227º, estancando as veias abertas da corrupção e destinando os recursos
roubados ao bem comum? Segundo o BIRD, se houvesse uma redução
significativa nos índices mundiais de corrupção, aconteceria uma queda de 66% nos índicesde mortalidade infantil e, a longo prazo, um aumento de 300% na renda per capita. São números impressionantes!
Diante destas considerações, que querem ser somente uma provocação para
nossa reflexão e ação, podemos tirar três conclusões, a meu ver,
importantes:
1.
O Dicionário de Doutrina Social da Igreja afirma: "A autoridade,
pois, deve deixar-se guiar pela lei moral: toda a sua dignidade deriva do
desenrolar-se no âmbito da ordem moral" (n. 396). É urgente moralizar a
vida política nacional, e não fazê-lo pode custar a estabilidade democrática do
país, na medida em que nossos políticos a cada dia têm menos credibilidade
e menos autoridade moral diante do povo que lhes confere o poder;
2.
Somente a pressão popular poderá provocar mudanças. A elite corrupta
que está no poder desfruta dos benefícios do mau uso deste, e não quer
mudar. Basta ver o discurso do presidente do Senado, a fila de cumprimentos
que se seguiu e o acordão que está sendo articulado. Fazem-se necessárias
as reformas política, do judiciário, do legislativo; faz-se necessário alterar
regras como as do orçamento, a da imunidade parlamentar - que ao invés de
proteger o deputado ou senador no exercício de suas funções tem
sistemáticamente sido usada para acobertar criminosos - , a das votações
secretas em casos de cassações, que evita que o eleitor saiba quem está
absolvendo corruptos, a do foro privilegiado para autoridades dos três
poderes envolvidas em crimes, pois nunca vimos o Supremo Tribunal julgar
nem condenar ninguém. Somente mudanças deste tipo poderão levar ao fim da
impunidade, à solução do problema da corrupção e à moralização da política.
E isso só acontecerá com pressão popular e com fiscalização por parte da
sociedade civil, pois a estes que estão no poder interessa continuar
desfrutando da impunidade;
3.
Neste quadro deplorável da vida política brasileira, nosso maior
inimigo é o conformismo, a desilusão e a falta de mobilização. Martin
Luther King afirmou: "O que nos preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio
dos bons". Como cristãos e cristãs, não podemos nos silenciar diante do mal que
quer reinar em nosso país. A história construída por discípulos e
discípulas do Senhor tem que ser de vida, fraternidade, justiça e paz, pautada pela
ética. Se nós não gritarmos e não agirmos pela moralização da política, o
mal vai dominar cada vez mais o nosso país. Nosso grito profético é
imprescindível nesse momento hitórico para que, em Jesus, todos os nossos
povos tenham vida e para que os políticos sejam éticos e trabalhem para o
bem comum.
Concluindo, cito o filósofo Gilles Lipovetsky, em seu livro A sociedade
da decepção: "Quanto mais frustrante é a sociedade, mais ela oferece as
condições necessárias para uma re-oxigenação da vida". Estamos todos
rustrados, decepcionados, indignados. Essa frustração pode ser um
obstáculo que nos detém ou um desafio a ser vencido. Movidos pela esperança do
Ressuscitado, somos capazes de re-oxigenar a vida no Brasil. E o faremos
nos mobilizando e mobilizando a outros, incomodando os políticos, até que caiam
na conta de que o povo que lhes conferiu o poder exige deles respeito,
coerência, honestidade e ética, trabalhando pelo bem comum e não para
benefício próprio. Usemos de todos os meios que temos para comunicação e
façamos o grito profético do bem chegar aos ouvidos dos maus que estão em
Brasília, exigindo deles uma postura condizente com o mandato que lhes
conferimos.
Pe. Emmanuel da Silva e Araujo SJ
Diretor do Centro Loyola de Fé e Cultura da PUC-Rio