A revista Veja, na elucidativa matéria de capa "BINGO - Por que o estouro da máfia dos juízes do jogo pode significar a sorte grande para milhões de brasileiros que dependem da Justiça", apresenta o quadro "OS AVANÇOS JÁ CONQUISTADOS", onde são listadas as medidas adotadas pelo Poder Judiciário que teriam por objeto acelerar a modernização e combater o corporativismo: Lei Antinepotismo, Informatização e Súmula Vinculante.
Nada obstante a preponderante correção na abordagem do tema, entre os avanços listados constou um, identificado como "A SER IMPLANTADO", que causa arrepios: a "DIMINUIÇÃO DO NÚMERO DE RECURSOS", que, pretensamente, daria fim à chicana, como é denominado o uso abusivo dos recursos para fins protelatórios.
A defesa da redução do número de recursos, difundida como panacéia para a erradicação da morosidade na prestação jurisdicional, funda-se em duas premissas: os recursos, em geral, não passam de meros expedientes para retardar o cumprimento das decisões judiciais; e, a lentidão é o grande mal do Judiciário. Ambas equivocadas.
A comunidade jurídica, o Legislativo e a sociedade, devem ter claro que a prevalecer a tese da redução do número de recursos, a situação dos consumidores de serviços judiciais, que já é complicada, deve ficar ainda pior.
Recursos não são meros expedientes protelatórios manejados por advogados mal intencionados. Fundamentalmente, são os meios de defesa com que contam as partes do processo para combater decisões judiciais injustas, equivocadas, bem como, não se deve esquecer, as eivadas de ilegalidade, hoje tão em evidência.
Se alguém tiver dúvida acerca da quantidade de decisões dessa natureza diariamente proferidas, basta consultar os sites dos tribunais e observar o expressivo número de decisões anuladas ou reformadas pelas instâncias superiores.
Portanto, pretender dar efetividade imediata e incondicional às decisões judiciais, longe de ser solução, prenuncia graves problemas.
Para reprimir manobras protelatórias a lei processual prevê multas crescentes, incidentes sobre o valor da causa, que revertem à parte prejudicada.
Ocorre que os magistrados pouco aplicam esse remédio específico, o que resulta em estimulo à chicana. Ademais, os recursos que atravancam o Judiciário, não são os procrastinatórios manejados pelos particulares, e sim os milhares interpostos diariamente pelo Estado, em seus diversos níveis e por seus múltiplos órgãos.
Atribuir à lentidão caráter maléfico ímpar, e à celeridade da prestação jurisdicional, a redenção do sistema, é visão por demais simplista.
A morosidade do Judiciário deita suas raízes mais profundas em suas carências estruturais. A população, e suas demandas, vem crescendo em escala geométrica ao passo que as estruturas judiciárias nem de longe acompanharam este crescimento.
O STF desde 1969 conta com onze ministros. O STJ, desde o início de seu funcionamento, em 1989, com trinta e três. A Justiça paulista, mais grave exemplo entre os estados, precisaria dobrar seu contingente de juízes.
Obter celeridade a custa de suprimir recursos, ou, mesmo, tolher-lhes a eficácia suspensiva, além de não ser a solução, é um preço muito alto para debitar ao cidadão, que não raro tem na sua utilização o meio de evitar injustiças e graves prejuízos.
Até que se resolvam os problemas estruturais, decisões predominantemente justas, tecnicamente corretas, e, essencialmente, honestas, ainda que não velozes, é o que mais se aproxima da Justiça que se deveria sonhar.