A GLOBO, O PAPA E O BAIANO SUASSUNA

Jânio Soares
11/05/2007 às 15:00
  Que a Rede Globo pauta o nosso País a ponto de ele andar num ritmo muito parecido com um Vale a Pena Ver de Novo, não é novidade pra ninguém. 
  Mas daí a querer fazer da visita do papa Bento XVI e da beatificação do nosso primeiro santo uma espécie de "Domingão do Frei Galvão", já é um pouco demais. Tudo bem que as emissoras são capazes de tudo para conquistar alguns pontos no Ibope. Até manipular a fé.
  Mas pega mal tentar transformar o Santo Pontífice - apesar de ele já sê-lo de nascença - num novo Alemão, uma dessas celebridades produzidas para matar a insaciável fome dos brasileiros por ídolos, e que funciona mais ou menos como um miojo nas madrugadas: enche a barriga, mas no fim não deixa nenhum retrogosto de saudade. Nada contra a Globo.
  Aliás, ela produz coisas interessantíssimas e têm nos seus quadros artistas do mais alto nível. Só que, às vezes, ela apela. Como agora, quando apesar de usar, como diz Caetano Veloso, as mais avançadas das mais avançadas das tecnologias, não está conseguindo popularizar o Santo Padre entre os não católicos, por uma razão bem simples: ainda não conseguiram inventar uma máquina capaz de produzir carisma.
   E os telespectadores mais atentos, aqueles que não se deixam levar pela emoção, percebem no ar quando um olhar ou um sorriso é sincero ou é forçado. Não por acaso, só poucos têm o privilégio da empatia imediata com o público. Já outros, nem com reza de santo forte. O saudoso João Paulo II era um bom exemplo disso. A sua simples presença e o charme da sua espontaneidade eram suficientes para ganhar a platéia. Mas isso é um dom natural e, felizmente, não se aprende na escola.
  Que o diga o escritor, poeta, e dramaturgo, Ariano Suassuna, um craque nesse assunto. Em suas aulas-espetáculo por esse Brasil, ele mantém o público ali, ó, como um pião feito de goiabeira girando sua ponteira na palma de sua mão.
  Grande Suassuna, cujo aniversário agora em junho poderia ser comemorado bem ao seu estilo, numa quermesse de uma cidadezinha do interior, com a voz do locutor de um bingo o anunciando como "a verdadeira Pedra do Reino, a boa, aquela que você estava esperando: de rombo... 80!"
  E na seqüência, algum pobre desdentado correria no meio da multidão gritando "bati! bati!", indo ao encontro do prêmio: uma linda Rural vermelha e branca, já devidamente equipada com uma vistosa morena encostada no capô, lhe sorrindo um riso interesseiro de "quem sabe se logo mais à noite não rola uma voltinha, com fortes possibilidades de algo mais?"
  Mais Ariano, impossível. Em 2002, quando ele ganhou a primeira versão do agora extinto (o que isso, companheiro?) Prêmio Jorge Amado de Literatura, o jornalista, poeta e atual editor do jornal A Tarde, Florisvaldo Mattos, escreveu um artigo que falava da "adequação cultural e geográfica da escolha", que certamente iria estreitar os laços entre a Bahia e Pernambuco, onde o escritor paraibano reside desde 1942.
  Não que Suassuna não fosse admirador de alguns expoentes baianos, pelo contrário. Mas a preocupação de Florisvaldo se justificava, já que sempre houve uma certa rusguinha entre os dois estados, principalmente nas áreas culturais - a propósito, riquíssimas.
  Agora, cinco anos depois de embolsar o prêmio e voltar para a sua cadeira de balanço no tranqüilo bairro de Casa Forte, em Recife, uma bela iniciativa do deputado estadual e pauloafonsino, Paulo Rangel, fez com que o companheiro de Dona Zélia Suassuna retornasse a Salvador, para, oficialmente, virar conterrâneo do saudoso e eterno namorado de outra Zélia, a Gattai.
  E não poderia haver um dia mais peculiar do que esse 10 de maio (imprensado entre o 09 da chegada do Papa e o 11 da beatificação do Frei) para o "pai" de Chicó, João Grilo, e do padre e do bispo que batizaram uma cachorra em troca de alguns mil réis, virar patrício do "pai" de Vadinho, Quincas Berro D'água, Jesuíno Galo Doido, e dezenas de geniais e imortais personagens.
  E eu imagino as caras de gozação de Glauber, Gregório de Mattos, Capiba, Vinicius e tantos outros, com essa providencial mexida que Jorge Amado deu no calendário divino para esse batismo cair bem nesta data. Vá se acostumando, seu Suassuna, que baianos são assim mesmo. Se fingem de mortos, mas continuam aprontando das suas. Principalmente com conterrâneos do seu calibre. Axé.