CHEGAR À BAHIA...E NUNCA MAIS SAIR

Eduardo Balduino
24/03/2007 às 22:12
 

CHEGAR À BAHIA...E NUNCA MAIS SAIR


Luz e sombra verei
Preto e prata verei lá
Preto e preto verei
Cores, cores verei lá... (Caetano Veloso)

 

 


            A Salvador que vivi - e que vivo até hoje -, conheci em dois finais de semana, intercalados por cinco dias apenas, de 1976.

            E se me pedissem para cantar Parabéns pra Você para a cidade de todos os santos, colocaria para tocar o disco "Bahia De todos os Cantos", produzido pelo IRDEB de Fernando Vita, um cd que começa e termina com o Hino ao Senhor do Bonfim, primeiro com a Orquestra Sinfônica da Bahia e o Coral WR; no fim com Caetano, Gil, Gal e os Mutantes. Na faixa 9, a alma, o mantra, o axé: Margareth Menezes e um berimbau encantado interpretando a oração "Chegar à Bahia", de Caetano Veloso.

            Uma oração que, em não sendo baiano, soteropolitano por nascimento, só quem teve a graça de poder amar a Bahia - e ser amado por ela - como eu amo e me considero amado pode ser tocado por ela.


             Pois que os orixás - êpa-babáe, Meu Pai -, depois de cinco dias de prova, houveram por me considerar digno de viver Salvador, de viver na Bahia, o que fez de mim um outro homem, uma outra pessoa.

         
             Porque, especialmente, a Salvador que vivi, de 1977 a 1981, inclusive, apreendi como repórter da Editoria de Cidade do Jornal da Bahia, na gloriosa sede da JJ Seabra, 22, Barroquinha; e como sub-Editor do telejornal Hoje, local, na TV Aratu, Federação, com a eterna menina prodígio do jornalismo baiano, Vera Martins, com Letícia Muhana, Gabriel, e outros tantos maravilhosos baianos, todos sob a batututa do ainda hoje admirável louco José Amílcar.

          
             Mas, o Jornal da Bahia foi o meu chão, minha manjedoura, meu porto seguro, de onde pude seguir pelas minhas inesquecíveis e definitivas viagens soteropolitanas. Quem me colocou lá foi Anísio Félix - ninguém conseguiu me tirar da Bahia depois.

           
              Para chegar ao Jornal da Bahia, pegava um "frescão" até o Relógio de São Pedro, e caminhava até o Cacique, já na Praça Castro Alves, para um chope rápido antes de começar os trabalhos da tarde. Descendo a Barroquinha, esbarrava com todos os personagens de Jorge Amado, para finalmente chegar ao jornal.

           
             De manhã, indo para a TV Aratu, passava todos os dias pelo Gantois - e mais não preciso dizer deste abençoado trajeto diário.

           
             A Bahia é, depois de ser axé, gente, muito e muita gente. Por isso a Salvador que vivi tem nome, muitos nomes, de gente: Zeca, Paulinho Rocha, Biló. Jorge Amarelo. Doutor Vitor e dona Maria Muhana, Bete, Gal, Anísio Félix, Anísio Carvalho. Bepe Mucccini, Ângela, Criste. Macarrão. Rodrigo. Fernando Vita e Gal. Gilson. Chico Olhos D´Água. Rafael Pastore. Rêmulo, Lúcia. Marcelo Simões. Rino Marconi. Mariluce Moura. Paolo Marconi. Emiliano José. Carlos Libório. Bel Machado. Tuti Moreno e Gisele. Clarindo Silva. Augusto César, meu pai. José Amílcar. José Raimundo. Carlinhos, do Bar do Barão, no Porto da Barra. Daí em diante, multiplicando cada um em seu espaço por mil: a gente da Bahia que me acolheu e mostrou os caminhos - láaròyè, meu pai.

     
            E os caminhos da Salvador que vivi tinham a tranquilidade de cadeiras nas calçadas da Sete de Setembro para ver o trio elétrico passar - pelo menos até quando vinham, juntos, Apaches de Tororó e Lá Vem elas - no carnaval abastecido pela famosa feijoada do Chame Chame, de autoria de Tasso Franco. Tinham a tranquilidade dos dias de São Cosme e Damião, cujos caminhos desembocavam, invariavelmente no caruru dos Pastore, na Baixa do Sapateiro.

  
          A política fervia como em óleo de acarajé, em 1978, brindando a história brasileira com o brado retumbante de Ulysses Guimarães, afastando as baionetas da ditadura em pleno Campo Grande: "Deixem passar o líder da oposição". E brindando a mim, destacado por Marcelo Simões para cobrir a famosa convenção do ainda MDB baiano.


            E o Pelourinho, já sob os cuidados de Clarindo Silva, ainda exigia senha de Nego Fio para se passear pelas suas pedras.


            E - como já viram sem nenhuma preocupação com a ordem cronológica, porque a magia da Bahia assim a dispensa - os caminhos me levavam todo 4 de dezembro ao Mercado de São Cosme e Damião, para o caruru em homenagem a Iansã, organizado também por Rodrigo Veloso. Ao Bonfim, à Colina Sagrada.


            E os caminhos me levaram, pelas mãos de Letícia Muhana, ao Portão, onde está meu axé e meu pai Augusto César.


            Barra Avenida, Barra, Pituaçu, Pituba, Boca do Rio, Rio Vermelho, Vasco da Gama, Liberdade - meus endereços na minha morada, Salvador.


            Bar do Amigo, o único que oferecia o seu próprio delirium tremens  - um jacaré instalado estrategicamente na parede ao fundo do bar que era um corredor. A famosa carne de sol com pirão de leite, Serra Grande( a imaculada), com mel e limão e Waldick Soriano na vitrola, do Paraibano, no Mercado das Sete Portas. Moqueca de arraia no Instituto dos Arquitetos e no Há Tampa. Angu de feijão, na Cantina da Lua. Malassado do Mercado de Ouro. Bar do Barão. Batida do Dino, no Largo da Mariquita. Caranguejo na Placafor. Jereré, 24 horas. Caju amigo com caldo de sururu no Mercado Modelo.

             
            Os caminhos da Bahia foram se abrindo para mim, abençoado nos céus e na terra por santos e amigos que se perpetuaram na minha vida, assim como a Bahia.


             Agora mesmo (ouvindo Margareth Menezes e os Filhos de Gandhy me ensinando a Fala Bah), quando coloco na tela do computador - queria dizer no papel, mas papel não tem mais - essas minhas lembranças que saem como coisas de bolsa de mulher, percebo que não há como falar de Salvador no passado, como sugeriu o BahiaJà, o mais baiano de todos os portais.

Porque a Salvador, a Bahia que vivi é que me deu vida, que me ensinou a como achar a Jacqueline, mãe de Lucas e do meu filho Daniel - amores que só consigo amar plenamente porque pude viver na Bahia.


            E ainda vivo aí - porque chegar na Bahia como os orixás me deixaram chegar é definitivo.


*jornalista, nascido goiano; feito baiano.