A COOPERATIVA DE COQUEIRO DE MONTE GORDO

WELLINGTON DA SILVA E SILVA
04/03/2007 às 13:47
Coqueiro de Monte Gordo vilarejo do município de Camaçari, passa, atualmente, por uma grande transformação. Este vilarejo pobre, do litoral Norte, da RMS, enfrenta o desafio de promover seu desenvolvimento e obter vantagens com relação ao crescimento turístico da região.
Como outros vilarejos do litoral, Coqueiro vive uma enorme contradição: se um lado, na sede, os pólos petroquímico e automotivo de Camaçari, que geram riquezas para o município através de sua arrecadação, de outro lado a explosão do turismo que cresce em níveis extraordinários no litoral atraindo cada vez mais o capital estrangeiro. Na outra vertente deste triângulo está a população que não se beneficia dessa potência arrecadadora e se encontra com um IDH[i] geral de 73,4% em 2000, o que equivale dizer que Camaçari ocupava a posição de 2321 de uma total de 5507 municípios do Brasil.
Enquanto que o PIB - Produto Interno Bruto do Município ocupa a segunda posição no Estado da Bahia, perdendo apenas para Salvador. Nestas condições a localidade luta para constituir sua cooperativa que possibilite o escoamento satisfatório dos seus produtos a preços justos e com a redução da pobreza e garanta um ciclo sustentável de crescimento e melhores condições de vida para a comunidade.

Objetivo - Por estar numa região altamente promissora, Coqueiro de Monte Gordo, busca usufruir das vantagens que possui, para atrair negócios. Os negócios tendem a surgirem a partir da aptidão local pela agricultura familiar, através do sistema de produção orgânica, resgatando antigas formas de produção respeitando o meio ambiente e preservando seu equilíbrio.
Outro negócio é o melhor aproveitamento do fruto da planta que originou o nome da localidade (Coqueiro). O coco é o principal ingrediente da culinária local e que dele são feitas as famosas cocadas, queijadas e iguarias em geral.  As cocadas já fazem parte dos atrativos turísticos da região, podendo ser encontradas ao longo das principais praias do litoral, muito apreciadas pelos freqüentadores das praias de Itapuã a Imbassaí.
Do coco, podemos utilizar a parte não comestível na confecção de artesanato, e também, como adubo orgânico. Outra forma de negócio da região, que  desponta como extremamente promissora, é a produção de peixes de água doce com o incentivo da Prefeitura Municipal de Camaçarí que objetiva tornar o município um pólo piscicultor.

Como Surgiu a Associação - Essa localidade que nasceu da desapropriação, por parte do Governo Estadual, de duas fazendas passou a ser chamada e conhecida como Campo do Coco. Era um campo experimental na produção de mudas de coqueiros visando distribuição para diversos municípios baianos. Eram colhidos entre 3.000 a 5.000 cocos dia.
Um acordo entre o Governo Estadual e a Prefeitura de Camaçari permitiu que 35 famílias fossem beneficiadas e assentadas em propriedades de duas tarefas com direito a uma área comunitária para construção das residências. Deste modo, estes assentados puderam viver do próprio sustento, produzindo frutas, verduras e hortaliças. Daí veio a necessidade de melhor organizar-se para outras conquistas e benefícios para o Campo do Coco.
Assim, em 1987, foi fundada a Associação dos Pequenos Agricultores Nova Esperança de Coqueiro de Monte Gordo. Apesar de estarem organizados, os associados passaram a vivenciar alguns problemas inesperados. Estas dificuldades ocorreram em função de que alguns dividiam o trabalho, enquanto que os outros queriam repartir apenas os resultados. Com isso foi inevitável o surgimento dos primeiros conflitos, uma vez que os alicerces do associativismo, da solidariedade, da cooperação e ação coletiva não foram trabalhados na comunidade.
O Governo Municipal que municiava a comunidade com técnicos agrícolas e insumos não proveu à mesma capacitação comunitária e gerencial. Como conseqüência, os administradores que estavam à frente da Associação, a conduziram de forma individual sem ouvir os interesses dos associados, o que culminou em descrédito e desconfiança nestes gestores, pondo fim a possíveis boas intenções que houvesse. A comunidade passou a desacreditar no trabalho da Associação provocando quase sua paralisação total. Atualmente se vive uma difícil transição, onde se busca mudar o modo de atuar da Associação, resgatando a participação das pessoas nas discussões de interesse da comunidade.

Princípios do Cooperativismo - Faz parte dessa nova visão da comunidade, incorporar ao seu cotidiano os princípios cooperativistas, onde os objetivos são comuns, as ações compartilhadas e os benefícios distribuídos para todos. Os princípios do cooperativismo são definidos em normas ou regras práticas envolvidas no paradigma da dádiva e dos valores éticos de honestidade, transparência e responsabilidade social.

A partir desses princípios, a comunidade passa por um processo de novas oportunidades de inserção social pelo trabalho, valorizando as relações de cooperação, distribuição de renda e fortalecimento do desenvolvimento local sustentável. E passam a perceber os valores da ajuda mútua (mutirão e grupos voluntários), responsabilidade, democracia, igualdade e solidariedade. Assim, o associado trata de muito mais do que a mera atividade de produzir para sobreviver. Ele se torna ator do exercício de cidadania e sujeito do desenvolvimento dos seus potenciais individuais e coletivos, tornando a atividade econômica da sua comunidade, num meio viável na conquista do desenvolvimento humano e social. Este é o verdadeiro fim a ser alcançado.

Princípios da Domesticidade e Reciprocidade - O paradigma da dádiva é alicerçado no tripé: dar, receber e retribuir, sem, contudo, estabelecer uma equivalência utilitária nestas relações, e nem mesmo que o receber ou o retribuir seja destinado à pessoa geradora do fato da dádiva. Estas relações estão presentes na sociedade desde os tempos mais primitivos até os tempos modernos, apesar da sociedade moderna tentar ocultar a sua existência. Levando a análise para o comportamento econômico, chegamos a um tipo de economia dita não monetária, como descreve Karl Polanyi na sua obra "A grande transformação".
Esta economia tão essencial nos dias de hoje, identifica a economia doméstica, onde a família produz para ela própria consumir e a economia da reciprocidade onde o objetivo é estreitar ou criar laços sociais através de troca de dádivas entre seus componentes. Este princípio da economia tem uma fundamental importância em função dos graves e crônicos problemas sociais que existem atualmente, sobretudo nos países pobres.  Para as comunidades periféricas é crucial, muitas vezes, para a própria sobrevivência, a prática da economia doméstica, contando com o apoio familiar na superação das dificuldades tendo acesso a produtos e serviços que no mercado não seria possível e da reciprocidade que de igual forma atende os indivíduos num sistema de troca de solidariedade, sem, é claro, haver a equivalência utilitária praticada no mercado convencional.

Na Associação de Agricultores de Coqueiro de Monte Gordo, muito em função das poucas oportunidades de emprego e a baixa qualificação profissional, inúmeras vezes se repetiu tal comportamento econômico, a exemplo de alguns associados que oferecem a sua força de trabalho no preparo e aragem do solo, plantio e colheita na propriedade do vizinho, ao passo que este retribui na construção da casa, na instalação elétrica ou hidráulica e outros serviços. A troca de produtos e serviços entre os associados é uma prática constante visando à subsistência. Como exemplo podemos citar a pequena fábrica de farinha de Dona Sirila que é utilizada por alguns moradores de forma comunitária. Foram estas trocas de dádivas que fizeram com que associados superassem suas dificuldades individuais e pudessem experimentar a força que existe numa sociedade de economia solidária, mesmo sem conhecê-la.

 Importante observar a presença da dádiva nas relações sociais existentes em diversos níveis. Na Associação de Coqueiro de Monte Gordo ela está fortemente presente, necessitando apenas uma melhor coordenação desses esforços visando um aproveitamento mais produtivo e eficaz dessa colaboração solidária. O que necessitamos intensificar é o sentimento solidário e participativo através de encontros, debates, palestras e discussões que nos levem ao mapeamento de todos os problemas enfrentados pela comunidade e comecemos a priorizá-los, unindo esforços no sentido de encontrarmos as soluções. No final das contas quem mais conhece os problemas da comunidade são seus próprios membros, o que nos leva a crer que o trabalho tem que ser feito de dentro (da comunidade) para fora.

Uma vez mapeado os problemas, passamos a ter um norteador e um grande referencial de atuação para o trabalho que deverá ser conduzido pelos líderes da comunidade utilizando a estrutura e a força da Associação, o poder de comercialização da Cooperativa e o mais importante de tudo, a participação e o comprometimento da comunidade nas diretrizes traçadas. Os líderes precisam ser lapidados, preparados e conscientizados do seu papel, de fundamental, importância nessa fase de transição a caminho da profissionalização. Somente desta forma poderemos evitar os erros cometidos no passado e utilizar seu aprendizado para superando as expectativas da comunidade e tornando realidade a auto-gestão, o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.