Derrotado no Iraque, Bush não aprendeu com a história

William Waack
08/12/2006 às 09:53
As recomendações que o grupo de estudos sobre o Iraque (ISG, na sigla em inglês) fez ao presidente Bush são a maior humilhação jamais sofrida por um governante americano no poder. Foi a pá de cal na doutrina Bush, no unilateralismo das principais decisões americanas que levaram à derrota no Iraque e, principalmente, uma aula de realpolitik ao bando de amadores neoconservadores que seqüestraram a política externa dos Estados Unidos.

Nada foi proposto de muito novo pelo grupo bi-partidário, presidido por um ex-secretário de Estado, James Baker III, e integrado por veteranos peso-pesados da política e de administrações americanas. Novo, ou melhor, talvez excessivamente esperançoso, é supor que um presidente ignorante sobre política externa, teimoso e limitado em seus raciocínios, e com uma visão ideologizada dos conflitos internacionais possa voltar atrás e aceitar as recomendações (e elas são 79).

As principais são sensatas e equilibradas, e podem ser resumidas em poucos princípios -soluções simples costumam ser, de fato, as mais eficientes. Vamos lá: a) escalonamento da retirada das tropas de combate americanas; b) fortalecimento das decisões e capacidade de ação do governo iraquiano; c) entendimentos de algum tipo com os principais vizinhos, notavelmente Irã e Síria; d) esforço abrangente na questão palestina, como forma de atrair os outros países árabes para ajudar a estabilizar o Iraque.

O problema principal é que essas recomendações, conforme já assinalaram vários críticos em Washington, parecem mais adequadas ao Oriente Médio de 15 anos atrás -mais ou menos ao final da primeira guerra do Golfo. Dois fatores importantíssimos mudaram de lá para cá. O primeiro foi o crescimento do radicalismo ideológico, não só islâmico. O segundo foi a perda de credibilidade dos Estados Unidos, não só frente a seus adversários.

Além disso, dois fatos de enorme relevância apenas começam a mostrar suas conseqüências, ambos provocados pela invasão de 2003. Os americanos, observa o jornal Financial Times, subverteram de um golpe uma ordem milenar na Mesopotâmia: a da supremacia sunita sobre os xiitas (a limpeza étnica à qual estão dedicados os iraquianos, ao preço de 5 mil mortos por mês, é reflexo disso). E o Irã foi projetado como a principal potência da região, com peso direto no que acontece de Herat, no Afeganistão, até Bagdá, fora todo o sul do Iraque. Nem em suas previsões mais arrojadas o falecido Ayatollah Khomeini, o líder da revolução islâmica iraniana, tinha calculado uma tal extensão da influência iraniana.

O grupo de estudos do Iraque observa com muita propriedade que a situação no Iraque não pode ser desvinculada de outro conflito mais antigo na região, o árabe-israelense. James Baker III vai ao ponto de dizer que Washington jamais atrairá outros países árabes (sunitas, diga-se de passagem) para estabilizar o Iraque se não for capaz, de alguma maneira, de exercer pressão sobre Israel -coisa, aliás, que soube fazer Bush pai, de quem Baker foi um dos principais assessores e conselheiros.

Mas a recente guerra no Sul do Líbano contra o Hezbollah (apoiado por Síria e Irã) foi um fracasso político e um relativo fiasco militar provocados pelo novo primeiro ministro Ehud Olmert, sobre quem os americanos tem sinceras dúvidas quanto à capacidade de avaliação dos acontecimentos. No lado palestino, sem querer discutir aqui as causas mais profundas, impera o caos administrativo, a cisão política e a guerra interna. Nessas circunstâncias, seria possível avançar onde, e com quem?

Para quem aprecia o lado psicológico dos indivíduos envolvidos em decisões histórias, a destruidora conclusão do grupo Baker -os Estados Unidos estão perdendo a guerra no Iraque- traz de volta a relação pai e filho entre os Bush. O pai mandou parar a guerra, em março de 91, pois temia o caos com a derrubada do poder de Saddam e uma sublevação xiita no Sul do Iraque. Bush filho sugeriu ter ido a campo para liquidar a fatura que o pai deixara em aberto. É como se o tio Baker tivesse vindo mostrar ao menino as conseqüências da irresponsabilidade.

Mas há uma lição universal no trabalho apresentado pelo grupo de estudos sobre o Iraque. Os fatos se impõem às visões ideologizadas da realidade e, em geral, a um preço incalculável em vidas humanas, como é o caso do Iraque. Quase sempre as conseqüências de ações determinadas pelo viés ideológico são as contrárias àquelas pretendidas pelos seus responsáveis, como é o caso do Iraque. É algo que vale para Bush, como para vale para Chávez ou Lula.

É que governantes acalentados por si mesmos tendem a acatar e reconhecer realidades apenas quando é muito tarde. Arthur Schlesinger Jr, o grande historiador americano da atualidade, abre seu recente livro sobre guerras e as presidências americanas com uma citação de Hegel: "jamais algum político aprendeu algo de útil da História".