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Zé de Jesus Barrêto

NA VARANDA DA COPA: A Deusa bola vai rolar no país

A despeito dos previstos percalços, a entidade anunciou que já foram vendidos 2,3 milhões de ingressos para os jogos. Mais de um milhão adquiridos por estrangeiros
14/05/2014 às 12:57
Resenhando: 

- Êpa! Falta menos de um mês pra o começo da Copa.
Oh, quer saber? Nunca imaginei que veria um dia uma Copa do Mundo no Brasil. Em princípio não compreendo como, por reivindicar justamente um país mais digno para todos, brasileiros possam abominar tanto assim esta copa que se avizinha. E se manifestar até de forma violenta contra ela. 

Fico a matutar: Não, não é a Copa a culpada pelas mazelas e desmandos nacionais. Não é o futebol o mal, a desgraça desta Nação. E muito menos a ‘deusa’ bola. 
Entendam o lado deste jovem ancião... é que não sei o que seria de mim não fosse a bola. Uma paixão, encantamento prenhe de significados de vida, desde criança. 

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A essa altura dos anos passados, entendo a Copa como uma grande festa da bola, essa entidade (brinquedo de Deus) que é símbolo do eterno, e sem começo e sem fim. Copa do Mundo é um festival do melhor futebol que se joga no planeta. Arte, espetáculo, grandes ídolos a exibir talentos. Cultura sim, coisa bonita de se ver. 

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É evidente, agora, que não foi um bom negócio vender a Copa no país associando-a a realização de obras de infraestrutura que de há muito o Brasil carece para acelerar seu desenvolvimento. Criou-se uma expectativa e os políticos, sempre espertos, fizeram promessas de mobilidade urbana, novos portos e aeroportos, mais energia, comunicação de primeiro mundo, investimentos na segurança pública, na saúde, educação, serviços, isso e aquilo ... e o que de fato foi feito além das suntuosas e superfaturadas Arenas, que não se sabe que serventia terão depois da lona do circo da FIFA arriada? 

- O que se divulga é que, a menos de mês do início da competição, o governo concluiu menos da metade daquilo que se comprometeu a fazer. Das 167 intervenções oficialmente anunciadas, apenas 68 estão prontas (41% no país e só 29% na Bahia)). O resto se arrasta, quem sabe a concluir após copa. Onze obras de peso foram abandonadas ou nem saíram do papel. Quem for a Cuiabá, por exemplo, vai ver lama e buraqueira ao invés do VLT prometido ligando aeroporto ao centro. O mesmo em Manaus, onde jogarão Inglaterra, Itália, Portugal e EUA. Em Salvador... ai, ai. 


Ora, é ano de eleição para presidente, governadores... as cobranças tornam-se então mais pertinentes e chegam pesadas com o eco das ruas. Exigimos, todos, um país com o ‘padrão FIFA’, conforme o prometido. Não era? 

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Leiam o que disse o secretário-geral da FIFA, Jérôme Valcke, esses dias : “A Copa do Mundo é uma maneira de se acelerar uma série de investimentos em um país. É fácil criticar a FIFA, usar a Copa das Confederações ou a Copa do Mundo para organizar manifestações. Mas se o alvo é a FIFA, porque ela é a causa do que está acontecendo no país, ele está errado. Se um país se candidata a uma Copa do Mundo, é com a ideia de se desenvolver, a ideia não é destruí-lo”. Ainda se acham no direito de dar suas ‘mijadas’, ué! Nós, rabo entre as pernas. 

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O fato é que, na medida em que se aproxima a data da abertura do Mundial temos de volta as manifestações vinculadas e contrárias ao Mundial, com mobilizações em 12 regiões metropolitanas. “Sem teto’ invadindo sedes de empreiteiras que construíram estádios, motoristas e cobradores em greve com centenas de ônibus queimados, ameaças de paralisações de várias categorias, até setores de segurança pública (como a PM de Pernambuco, já), tiroteios em comunidades, cenas de barbárie aqui e acolá melando os noticiários de sangue. E tome-lhe juras de quebra-quebra nas ruas rolando nas redes sociais. Quem protege o cidadão e sua família que quer e tem o direito de viver em paz? Putz! o Brasil parece ter ódio do Brasil. 

- A onda de protestos já bate fora do país, chega a Europa. Na madrugada da segunda, dia 12, quatro encapuzados atacaram a pedradas a embaixada do Brasil na Alemanha, localizada na zona central de Berlim, arrebentando as vidraças da fachada. Horas depois, um grupo que se diz de esquerda assumiu a responsabilidade pelo atentado, segundo a nota divulgada, ‘em protesto contra os gastos com a Copa’. Uma frase manjada fechando a mensagem : “Não vai ter Copa’. Mas vai ter, sim. PS: Há informações de que o Pablo Capilé, líder dos chamados ‘black blocs’, esteve na semana passada em Berlim. Bingo! 

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De Genebra, a FIFA alertou aos torcedores estrangeiros que, no Brasil, não adotem o mesmo comportamento de como se estivessem na Alemanha. Que não durmam em seus carros ou nas praias, tampouco em barracas, como fizeram na Copa de 2006, nem contem com trens para locomoção, um dos maiores problemas, até pelas distâncias entre as cidades-sede. E todo cuidado com mochilas, celulares, jóias... Com a vida, enfim. Sabemos bem o que é isso. 

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A despeito dos previstos percalços, a entidade anunciou que já foram vendidos 2,3 milhões de ingressos para os jogos. Mais de um milhão adquiridos por estrangeiros.
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E o que pensa disso tudo o nosso capitão em campo, o zagueiro Tiago Silva, que hoje atua pelo PSG da França ? 

- Eu não acredito que exista brasileiro que não vai gritar pela gente. A questão da corrupção é para ser manifestada mesmo e com muito protesto. O que eu não gosto é de ver gente aproveitando isso e sendo violento, saqueando, arranjando confusão. Isso me deixa revoltado. Agora tenha certeza que o brasileiro é apaixonado pela bola. Espero que, na hora que ela rolar, todo mundo esteja do nosso lado.

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Do ex-craque e artilheiro Romário, hoje deputado: “A Lei da Copa que passou pelo Congresso deixou a FIFA criar um estado dentro do nosso estado. Hoje quem manda no Brasil é a FIFA, um absurdo! No mais, tivemos sete anos para fazer algo bem positivo para o país, mas... não aproveitamos bem. Agora, que a gente já perdeu a Copa fora de campo, temos que, pelo menos, ganhar dentro”

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A Copa de 2014, no Brasil, será a 20ª realizada desde a primeira em 1930, no Uruguai. Dessas, apenas seis países que sediaram o mundial conseguiram sair campeões: 

- O Uruguai, em 30, com uma equipe que tinha vencido duas Olimpíadas; daí o nome de ‘Celeste Olímpica’. A Itália ‘fasci’, em 1934. A Inglaterra, em 1966, com a ajuda da arbitragem no jogo final contra a Alemanha, validando um gol sem a bola ter ultrapassado a linha. A ótima Alemanha de 1974, que superou o ‘carrossel’ holandês na final. A Argentina dos ditadores militares em 1978 e, por derradeiro, a França de Zinedine Zidane que detonou o Brasil na final em 1998. 
Ganhamos essa? A pressão vai ser do tamanho do país inteiro.


Por força do calendário de jogos dos clubes, Felipão terá apenas 18 dias para treinar a equipe, recuperar física e mentalmente os jogadores pondo-os em condições de excelência, escalar e encaixar o time para a competição, de tiro curto e ‘vacilou cai fora’. A cada Copa o tempo de preparação fica mais estreito. Isso empobrece tecnicamente a competição. Antes, já tivemos de 30 a 60 dias de preparação. 

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Quem gosta de bola vai ver (in loco ou pela tevê) os jogos, é um momento único. O que anda em baixa é aquele ufanismo explícito, o verde-amarelo nas roupas, nas janelas, nas ruas, as bandeirinhas nos carros, essas coisas. Até por receio de possível agressão por parte dos ‘xiitas’, que não costumam respeitar o querer e o pensar dos outros. 

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Confirmadas as presenças , em Salvador, da primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e de presidente Dilma para assistir à partida Alemanha x Portugal, no dia 16 de junho, na Arena Fonte. Haja esquema de segurança ! 
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Historiando 

A copa de 1962, no Chile, onde nos sagramos bi-campeões, ouvi já no radinho portátil (de pilha, os transístores) e vi alguns jogos em vídeo-tape que a TV mostrava um ou dois dias depois do jogo realizado. O som do radinho, em retransmissão de emissoras do Rio/SP, era partilhado às escondidas sob copas de mangueiras e cajazeiras do pomar do Seminário Central da Bahia (na ribanceira de São Gonçalo da Federação/Garibaldi) por nós, adolescentes seminaristas enlouquecidos por bola. O VT era uma concessão dos padres, quando estavam de bom humor e achavam que nós merecíamos o regalo. A imagem em p&b era horrível, só existia a TV Itapoan na Bahia, em operação desde 1960. 

O Chile era um ‘país distante’ que havia passado pela desgraceira de dois fortes terremotos acompanhados de tsunamis que devastaram a costa do país banhada pelo Pacífico, em maio de 1960, deixando mais de 5 mil mortos e 25% da população de quase 8 milhões de habitantes desabrigada. Sob a bandeira do “Porque nada tenemos, lo haremos todo”, os chilenos construíram o estádio de Arica, com o nome de Carlos DIttborn, o heróico organizador da copa no país, e restauraram, modernizaram e ampliaram três outros – o Nacional, em Santiago, o Sausalito em Viña Del Mar e o El Teniente, em Rancágua; e assim realizaram o evento com boa participação das seleções européias. 

O Brasil, já com sua capital em Brasília e sob o governo presidencialista de João Goulart, o Jango, tinha uma população de quase 71 milhões de habitantes e uma inflação de mais de 51% ao ano. O time que foi ao Chile era quase o mesmo Campeão de 58, com Aymoré Moreira no lugar do doentio treinador Feola, mas bem envelhecido – Nilton Santos já com seus 37 anos, Didi e Djalma Santos com 33, Mauro com 32, Zagalo com 31, Zito e Zózimo com 30 ... A base era dos extraordinários elencos do Santos e do Botafogo, os melhores times do país.

Dois acontecimentos marcaram a Copa do Chile. Um deles foi a distensão na virilha do Pelé, no segundo jogo contra a Thecoslováquia, tirando o Rei, no auge, do torneio e deixando dúvidas sobre as possibilidades de conquista do título sem ele em campo. O jogo seguinte foi terrível, contra uma Espanha que tinha Puskas e Di Stéfano.

 Conseguimos vencer por 2 x 1, de virada, com um pouco de sorte, uma ajuda da arbitragem e dois tentos de Amarildo, o garoto do Botafogo que substituiu Pelé. Até aí Garrincha não tinha feito nenhum grande jogo, mas...

Aconteceu que, nas comemorações da vitória contra a Espanha o Mané Garrincha acertou-se, dormiu com Elza Soares, a cantora que fazia um excursão no Chile e por quem Garrincha apaixonou-se, caiu de amores e a quem prometeu o título e a taça. A partir de então só deu Mané. 
Endiabrou-se, fez gol de falta, de cabeça, de canhota, como nunca se tinha visto, além dos dribles e desmantelos costumeiros pela direita. Ganhamos bem da Inglaterra, do Chile e, na final, da Tchecoslováquia, levantando o bi, com o gênio das pernas tortas, o nosso Chaplin brilhando. Foi a Copa de Mané, que seria expulso pela primeira e única vez na carreira ao revidar um pontapé de um chileno e que jogou com 38/39 graus de febre a final, em razão de uma gripe e a garganta afetada. 

A sua união com Elza Soares, belísisma nos seus 25 anos, causou um furor de preconceitos no país inteiro, em função de Garrincha ser casado e pai de sete filhas com a esposa que vivia em Pau Grande (RJ). Imagina, ele um descendente direto de índios fulniôs e ela uma negra assumidíssima, saída do miserê dos morros cariocas. Ela cantora e ele um jogador de bola chegado a uma cachacinha. Nem a conquista da Copa valeu de perdão pra o casal. 

Como se vê, não é de agora que o Brasil desconhece o Brasil.