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CONCORDAR, JAMAIS PORQUE TODA UNANIMIDADE É BURRA, POR MARCO GAVAZZA

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| 13/01/2010 às 11:08
Avatar é reedição de "Os Substitutos", mas, é "bom filme" meu caro
Foto: DIV

Todos os dias me descubro concordando com alguém para evitar uma imensa, infindável e estéril polêmica.  Não sei por que motivos, não sou sociólogo, mas o certo é que vivemos numa época em que o consenso é algo praticamente impensável.  Destacar-se num grupo parece ser atualmente o objetivo principal de qualquer ser humano e uma das táticas mais corriqueiras para alcançar este pretenso destaque é discordar de tudo e de todos.  Polemizar.


Assim agem pessoas que assistem uma palestra ou participam de uma reunião esperando atenta e ansiosamente o momento de discordar.  Nelson Rodrigues disse que "toda unanimidade é burra" e sua frase acabou entrando em desuso, pois não existe mais unanimidade.


Basta alguém dizer que freqüenta determinada praia e imediatamente surgem dúzias de pessoas apontando dezenas de outras infinitamente melhores, para provar que aquela  praia citada é poluída, é de farofeiros, de gente ultrapassada, out ou que desconhece profundamente sua própria cidade. 


Se você gostar de Ivete Sangalo, será massacrada por uns por admirar uma cantora com pernas melhores que a voz, uma música medíocre, sem conteúdo, sem engajamento social. Se você não gostar é um metido a esnobe, estrangeirista, um elitista desprezível que não sabe reconhecer os mais autênticos valores da musicalidade baiana.


Diga que achou Avatar uma merda e que é apenas uma reedição transbordante de tecnologia de Os Substitutos, um filme pouco conhecido do Bruce Willls. Vá, diga. Você poderá ser excluído do grupo imediatamente e retirado do local a sopapos. Agora, diga que achou o "melhor filme de sua vida" e verá sorrisos irônicos por toda sua volta, denunciando que acham você um imbecil.


Comente que as declarações de Lula poderiam ser mais pensadas e você é um burguês preconceituoso, órfão de FHC, de quem ninguém até hoje entendeu uma única palavra. Caso elogie a baixaria do "cara" e logo alguém dirá que você está compactuando com a perda de compostura da presidência de república, quer se chegar aos companheiros e está doido pra conseguir não apenas uma bolsa-família, mas uma bolsa-geração ou uma mala-família.


Agora, imagine se v. declarar que o comunismo é um sistema que não existe mais, além de inviável no mundo moderno.  Na hora você é soterrado por argumentos provando que o comunismo não só está vivo como já começa a dominar o planeta. 


Porque se tornou impossível eu gostar de ItapUã e você não, sem problemas? E porque também é impossível eu gostar de ItapUã e você também gostar?


Vivendo neste clima, em que as convicções são forjadas na hora com o propósito claro de discordar e massacrar o pobre coitado que ousou externar uma opinião, a contradição passa então a fazer parte constante das conversas, do trabalho, dos bate-papos.  O mesmo cidadão que te olha com nojo porque v. é um capitalista safado, defendia o calote ao FMI -o ninho de serpentes dos banqueiros imundos- mas agora aponta a quitação da dívida como um triunfo stalinista.  Por isso Paulo Maluf, com seu inabalável cinismo, declarou que perto de Lula se considera um político de esquerda.


Brasília nos oferece diariamente um repertório magnifico de contradições, argumentos e contra-argumentos da mais absoluta surrealidade. Lá, um vídeo mostrando um deputado recebendo um pacote de dinheiro e enfiando a bolada nas meias, não significa que ele esteja recebendo propina. Pode ser outra coisa qualquer, bastante inocente até. Assim como não é nada demais o gato -ou o cachorro, nem sei mais- de estimação da família presidencial ser levado para passear em carro oficial dirigido por motorista servidor público.  Socialismo é isso.


Em propaganda está acontecendo a mesma coisa.  Se você está numa reunião de criação e diz que para aquele comercial sobre a aftosa pensou numa vaca dizendo que se sente protegida porque o seu dono a vacina regularmente etc. logo alguma voz se fará ouvir em elevados decibéis: "Vaca não fala".  Você mantêm a calma, diz saber que vaca não fala, mas acha que a brincadeira pode ficar interessante e marcar o comercial. "Brincadeira? Mas o assunto sério"  Aí você conta outra idéia, que é a de um veterinário explicando os males da aftosa e lá vem a voz novamente: "Isso já foi feito mil vezes".  A esta altura você já percebeu que qualquer coisa alí colocada por você será considerada uma idiotice por pelo menos duas ou três pessoas presentes. 


Azul? Porque fundo azul?  Bem, porque o azul é uma cor honesta.  O que mais você poderia dizer? O fundo pode ser de inúmeras cores, desde que não seja uma agressão estética. E porque essa fonte de letra? Porque não aquela outra mais fininha?  Porque a foto está em cima e não embaixo?  E seguem as discussões sem qualquer profundidade ou pertinência.  Pior: sem relevância.


Acho que atualmente as campanhas publicitárias saem da agência para serem apresentadas aos clientes muito mais por decurso de prazo que pelo entendimento comum de ser aquela é a melhor solução.  E em chegando lá, o cliente sugere que o fundo seja azul, que a fonte de letra seja aquela outra e não essa fininha. E acha que a foto pode estar em cima e não embaixo.  Volta-se para a agência e faz-se o que o cliente quer sem mais discussões, pois que agora certamente já existem outras peças na tela do computador e novas perguntas no ar. Porque o modelo é um homem e não uma mulher? 


Certa vez o inquieto publicitário Enio Mainardi, pai do Diogo, colunista da Veja, estava apresentado uma campanha a um seu cliente.  Concluída a apresentação, o cliente disse que gostou muito, achou a campanha muito boa etc. mas, será que não dava  para trocar aquela modelo com cara de avô por uma mais jovem, com perfil de dona de casa?


Enio calmamente recolheu os lay-outs de sobre a mesa, colocou-os numa pasta e preparou-se para sair da sala.  Antes de fazê-lo disse aos presentes: "Esta campanha é assim. Se quiserem outra, eu faço e trago amanhã. Mas esta; é assim."


Bons tempos em que opinião era uma coisa fundamentada e não uma folha ao vento procurando ver se tem uma câmera ou um voto por perto.