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Mensagem: O Carnaval e a Vida como ela É! Pois é, Tasso. Já de algum tempo eu queria entrar nesse debate, sem ranço "intelectual" ou "político".
Conheço e vivo o carnaval desde o início dos anos 50, sem ser carnavalesco de alma. Queria, entretanto, tentar repor a história na sua justeza. Você, efetivamente, com seu artigo, abre, corajosamente, na contra mão do senso comum oportunista, esse debate, que, será mais salutar se não for cultivado em demasia.
Ainda criança, no início dos 50, morando na rua Barão de Cotegipe e, logo após, nos Mares, não conseguia dormir bem em época de carnaval. Osmar e Dodô, com cujos filhos deste jogava futebol na praia do Canta Galo, ensaiavam seu trio elétrico nas imediações da Fratelli Vita, próximo ao Largo da Calçada.
Já no carnaval, pelas manhãs, íamos, adolescentes, em grupo e mascarados, para o trecho São Pedro/Largo Terreiro de Jesus, onde corria o movimento. Acompanhávamos, fora das cordas, os blocos Filhos do Mar, Filhos do Fogo, Cavaleiros de Bagdá, por exemplo, todos constituídos por gente simples e pobre. Os Internacionais, os Corujas e blocos de índios surgiram após estes.
Nós, dos que falo, éramos, por assim dizer, da classe média baixa, algo acima dos componentes dos blocos iniciais. Nossos pais, em geral, tios, amigos, enfim, aqueles da geração anterior à nossa, "apropriavam-se" do espaço público, colocando bancos e cadeiras, levados por caminhões ou camionhetes, ao longo da Av. Sete e Ladeira de São Bento, para "espiar" o carnaval.
As classes média alta e mais abastada não frequentavam, em geral, esse espaço. Seu carnaval era nos bailes do Baiano de Tênis, Associação Atlética da Bahia, Iate Clube, por aí.
Não me parecia haver segregacionismo de classes pelo uso das cordas. Parecia-me, sim, delimitação dos espaços das "tribos". Valtinho Queiroz, criador do Bloco Jacu, com diversos amigos e colegas da Faculdade de Direito, insurgiram-se contra as cordas. Alardeavam, inclusive, ser o único bloco sem corda. Muito "gostoso", aliás! "Tomara que este ano eu te encontre de novo, no meio da rua, no meio do povo, vestido de mortalha da cabeça até o pé e a boca lambuzada de acarajé".
Não era ainda "abadá". Era mortalha. Solteiro, "fiquei" com algumas turistas por aí. É que, devido a "Atrás do Trio Elétrico", de Caetano, na Era Tropicália, o carnaval de rua de Salvador passou a ter "charme", Nós, universitários daqui e de outros estados, uma grande "tribo" de "rebeldes", "brincávamos" agora o carnaval de rua de Salvador. Época da "resistência", de 1968 da França.
Poderia, por aqui, continuar a testemunhar, agora o surgimento e explosão da "Axé Music", com, por exemplo Sarajane com a "Rodinha", chegando, hoje, a Cláudia Leite, por exemplo, passando por diversos outros. Tanto quanto com "Atrás do Trio Elétrico", de Caetano, todos esses "novíssimos" baianos têm sido responsáveis por Salvador manter-se sendo divulgada por aí. Há que se ter, pois, sensatez na avaliação das coisas.
Trata-se de desenvolvimento de processo histórico, sua compreensão e aperfeiçoamento, tanto quanto possível, por parte dos "carnavalescos" autênticos. É óbvio que o Estado, enquanto instituição, não pode deixar "correr solto". Tem que ter consciência de qual deve ser a medida de sua atuação. Carnaval não são apenas 4, 5 dias, uma semana. É uma grande mostra, para o mundo, desta cidade, pela qual muito há que ser feito, fora do carnaval. (Getúlio Lins Marques)