A dependência química é um transtorno mental ainda incompreendido, apesar de afetar cerca de 6% da população brasileira. Associado muitas vezes a uma falha de carácter, o uso compulsivo de substâncias psicotrópicas causa danos que podem ser evitados com um tratamento adequado. As barreiras que se interpõem entre a doença e seu controle envolvem desde o preconceito até a falta de assistência. Para mudar esse quadro, o assunto precisa ser debatido em sociedade, que é a proposta do Dia Nacional de Combate às Drogas e Alcoolismo, 20 de fevereiro.
O psiquiatra da Holiste Luiz Guimarães ressalta que a dependência química é um transtorno mental que pertence à família das compulsões. “Nesse caso, o comportamento compulsivo está relacionado ao uso e abuso de uma ou várias substâncias químicas, chegando ao ponto de fugir do controle do usuário. As substâncias mais comuns nos casos de dependência são o álcool, o cigarro, a maconha, a cocaína, o crack, drogas sintéticas, como LSD e Ecstasy, além dos psicofarmácos”, ressalta.
Diversos fatores podem contribuir para o desenvolvimento da dependência química, incluindo a quantidade e frequência de uso da substância, a condição de saúde do indivíduo e aspectos genéticos, psicossociais e ambientais.
“Quando falamos de dependência é porque houve um aumento de um consumo, um descontrole desse uso. As pessoas acabam perdendo o rumo de sua vida, sua autonomia, e vivem com a droga como se fosse uma bengala. Há um uso dependente da substância. Mas, nosso foco não é a substância e sim a pessoa. Nós tratamos o sujeito que faz uso da substância, mas que perdeu o controle da vida”, explica o psicólogo da Holiste Ueliton Pereira.
USO E ABUSO
Abuso é um padrão de uso de uma ou mais substâncias em grandes doses, podendo provocar algum sofrimento no indivíduo e trazer prejuízo ao seu funcionamento social e ocupacional.
A despeito das consequências negativas, o abusador persiste no uso. Já a dependência química vai além destes fatores, ficando caracterizada quando o consumo das substâncias é constante e foge ao controle do indivíduo, passando a desempenhar um papel invasivo, central e desestabilizador em sua vida.
RECUPERANDO A VIDA
A dependência química apresenta características que distinguem de outros transtornos mentais, por isso o tratamento demanda um programa específico para a recuperação do adicto. O programa de tratamento da dependência química da Holiste trabalha em cima de quatro perspectivas: medicação, abstinência, psicoeducação e responsabilização.
“Cada uma dessas abordagens é um tratamento em si. A gente aposta na convivência das quatro vertentes, e utilizamos cada uma em função do caso ou do momento em que cada paciente se encontra”, afirma Pablo Sauce, psicólogo e coordenador do Programa de Dependência Química da Holiste (PDQ).
Um questionamento comum em relação ao uso de medicação no tratamento é o pensamento errôneo de que o indivíduo estaria “trocando uma droga por outra”. O uso da medicação entra em uma parte especifica do tratamento, para estabilizar outros transtornos (depressão, ansiedade, etc) ou tratar sintomas da abstinência.
“Nem todos pacientes precisam ser medicados, mas uma boa parte deles sim. O desconforto causado pela mudança de comportamento é muito grande, por isso muitas vezes ele precisa do suporte da medicação. Seu uso é pontual, sendo utilizada apenas em uma parte do processo de tratamento”, esclarece o psiquiatra Luiz Guimarães.
CONTROLE E ESTABILIZAÇÃO
Assim como medicação, a internação psiquiátrica é um poderoso recurso no tratamento da dependência, tendo como principal objetivo a estabilização do quadro psiquiátrico ou da síndrome de abstinência. É nesse período que o psicólogo trabalha para ganhar a adesão do paciente ao tratamento.
“Em casos mais graves é necessário internar. Quando o sujeito, em função do uso ou do comportamento, coloca em risco a si ou a terceiros, ou perturba a ordem pública, está em um quadro muito grave de exposição social e moral em função do consumo, a internação se faz necessária”, acrescenta Guimarães.