Pesquisadores do Vale do Silício estudam como acabar com a morte. Com informações da Época Ngócios
Da Redação , Salvador |
18/09/2017 às 10:19
Aubrey de Grey
Foto: div
Tudo o que vive deve morrer, passando pela natureza em direção à eternidade”, diz Gertrudes a Hamlet. Na obra de William Shakespeare, a sombra da morte acompanha o príncipe em cada ato, enquanto ele busca vingar o pai. Mas não há nada de poético na morte – e nem representa o sentido de nossa existência.
“Isso é absurdo”, diz o gerontologista Aubrey de Grey, quando confrontado com essa questão. Especialista em biologia molecular, ele vem se destacando como uma das mentes mais ativas na busca por terapias contra o envelhecimento. “Há uma tendência em achar que existe uma certa inevitabilidade em envelhecer – que transcenderia nossas habilidades tecnológicas, o que é uma completa bobagem.”
O campo de estudo original de Aubrey de Grey foi a ciência computacional. Ele trabalhou por seis anos com verificação de software, aí voltou para a Universidade de Cambridge para estudar biogerontologia clínica, disciplina que tenta compreender os processos biológicos de envelhecimento. De barbas longas, calça jeans e ares de profeta do Velho Testamento, o biólogo molecular de 53 anos causou ondas de choque ao afirmar que os seres humanos serão capazes de viver mil anos – e que esses indivíduos já caminham sobre a Terra.
Grey quer parar o tempo? Não, ele está em busca do tratamento que vai evitar a deterioração que acompanha o envelhecimento e começa em atos tão básicos e naturais quanto respirar. “Respirar é muito ruim para nós”, diz ele. “Aliás, é a pior coisa que podemos fazer. Mas não é algo negociável, precisamos respirar. Então a pergunta: como fazemos?” À frente da SENS Research Foundation, organização fundada em 2009 e localizada em Mount View, em pleno Vale do Silício, o pesquisador conta com uma equipe fixa de 25 pessoas, mas há um grupo maior de cientistas trabalhando em laboratórios próprios na região, além de outros em universidades.
Juntos, eles desenvolvem terapias em medicina regenerativa, matando as células que perderam a habilidade de se dividir, permitindo que as saudáveis possam se multiplicar e reabastecer o tecido antes danificado. O que, aplicado em escala para todas as doenças, nos daria a possibilidade de viver melhor e por muito mais anos.
“Desde que inventamos o fogo e a roda, nós temos demonstrado nossa habilidade e nosso desejo inerente de consertar coisas das quais não gostamos sobre nós mesmos e nosso ambiente”, afirma Aubrey de Grey em um de seus artigos. O pesquisador, que espalha suas ideias pelo mundo virtual, reforça que sua preocupção maior é pelo bem estar. “Não existe diferença entre salvar e estender vidas porque nos dois casos estamos dando às pessoas a oportunidade de ter mais vida. Dizer que não deveríamos curar o envelhecimento é como dizer que as pessoas mais velhas não são dignas de tratamento médico.”
Convidado para o evento de discussão digital FIRE 2017, ele disse que há 50% de chance de que sua terapia possa funcionar nos próximos 20 anos. Confrontado com a questão do que faríamos com os anos extra de vida, se não ficaríamos entendiados, ele respondeu: “Se tiver que escolher entre ter Alzheimer aos 80 ou ficar entediado aos 280, escolho ficar entediado”.
O sr. provocou uma grande polêmica ao afirmar que os seres humanos serão capazes de viver 1000 anos. Mas está claro para mim que seus estudos são muito mais focados não em longevidade, mas em combater doenças e garantir que as pessoas possam envelhecer com muita saúde. É isso mesmo?
Exatamente.
Ao longo dos anos, eu comecei a enfatizar mais esse ponto, mas há dez, quinze anos, quando comecei a divulgar mais meu trabalho era óbvio para mim que o aumento da vida útil seria um efeito colateral de manter as pessoas saudáveis. Só que ao falar em longevidade, eu percebi que muita gente pensa que quero manter as pessoas vivas em uma condição de saúde ruim – até pior do que temos hoje. Para mim, o ponto principal é garantir que as pessoas possam viver com saúde e a consequência natural será longevidade – o que podemos dizer que é um ótimo efeito colateral.
Como é possível “parar” o metabolismo, já que o próprio processo que nos mantém vivos – começando pela respiração – é o que nos “mata” aos poucos?
Respirar é muito ruim para nós, é a pior coisa que podemos fazer. Ao respirar, o oxigênio pode se transformar em radicais livres, que são moléculas que reagem com qualquer substância [e que são capazes de atacar e até destruir células]. Ao reagir com outras moléculas, os radicais livres danificam nosso corpo.
Até publicar meus estudos, a maioria dos pesquisadores que se debruçava sobre essa questão discutia os mecanismos das moléculas, para que a respiração não crie tantos radicais livres, por exemplo. Mas isso é impossível, então o que temos de fazer é intervir no processo um passo depois.
Por exemplo: se proteínas do corpo foram danificadas e se tornam incapazes de serem recicladas, nós introduzimos novas enzimas em células que aumentam a habilidade de reciclagem da parte avariada. Se os radicais livres danificam as células e elas são descartadas, então introduzimos as células-tronco para dividir e substituir as células que o corpo não está conseguindo substituir por si só, esse tipo de coisa.
O resultado é exatamente o mesmo que teríamos se fossemos capazes de impedir que a respiração causasse radicais livres. Com isso, as doenças que se manifestam com a chegada da velhice são evitadas porque não chegamos a acumular esses danos.