A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores baianos do curso de Medicina da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC)
Cyda Britto , Salvador |
19/07/2017 às 18:23
Hugo Belens
Foto: Div
Um estudo inédito revela que o Nordeste é a região que registra o maior número de mortes por causa mal definida no Brasil. Os dados do levantamento, realizado por pesquisadores baianos do curso de Medicina da Faculdade de Tecnologias e Ciências (FTC) de Salvador, apontam que o número elevado de óbitos sem motivo declarado pode estar relacionado ao baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região. O panorama completo da pesquisa Tendências de Mortes por Causa Mal Definida no Brasil foi apresentado, pela primeira vez, no European Meeting on Hypertension and Cardiovascular Protection 2017, congresso europeu que aconteceu em junho, na Itália.
De acordo com a pesquisa, a região Norte ocupa o segundo lugar em número de mortes por causa mal definida (CMD), aquela em que a declaração de óbito não aponta o motivo pelo qual o indivíduo faleceu. O sudeste tem o menor índice e as regiões Sul e Centro Oeste têm registros equivalentes. Segundo estudo, a maior incidência está nas regiões mais pobres do país. Isso porque quanto maior o IDH de uma região, menor é o índice de mortes por CMD, sendo que este está diretamente ligado à falta de assistência médica dos indivíduos. A pesquisa estudou os indicadores entre os anos de 1990 e 2014.
“As declarações de óbito refletem o estado de saúde de um país. A gente viu que os indivíduos que tem baixa renda, baixo grau de escolaridade, são os que normalmente carecem de serviços de saúde de qualidade e são também maioria nos casos de morte por causa mal definida”, explica Belens, que assina a pesquisa em parceria com as colegas de curso, Jéssica Dutra e Laina Passos, sob a orientação da professora, Dra. Lucélia Magalhães.
De acordo com os pesquisadores, a ausência de assistência médica impede que o indivíduo tenha um diagnóstico sobre o seu problema de saúde, impossibilitando também a realização de um tratamento específico. “Nesses casos, a declaração de óbito da pessoa não terá como garantir do que ela morreu”, esclarece Belens. Situação diferente acontece com as pessoas que têm acesso a um serviço de saúde de qualidade. “O fato delas normalmente terem conhecimento de quais doenças possui, contribui para uma declaração de óbito precisa”, afirma.
Perigo – Não ter o motivo da morte declarado nas certidões de óbito é um fato perigoso para a saúde pública de um país. Segundo autores do estudo, sem saber do que a população está morrendo, o governo não é consegue promover ações que possam diminuir essas mortes. “Se em uma determinada região há muita incidência de morte por problemas do coração, por exemplo, os órgãos de saúde já podem agir para prevenir que mais pessoas sejam acometidas por esses tipos de doenças. Do contrário, não há como se fazer um trabalho de prevenção sobre aquilo que não se conhece”, comenta Hugo Belens.
O pesquisador ressalta, inclusive, que a maioria dos casos de morte por causa mal definida pode estar ligada à doenças cardiovasculares. “A gente acredita nisso porque são as doenças do coração que mais matam no Brasil atualmente. Além disso, são elas que matam mais rapidamente, sem dar oportunidade ao indivíduo de ter um diagnóstico”, explica. Para ele, as mortes por causa mal definidas são, em sua maioria, doenças do coração que não foram reveladas, não foram investigadas a contento.
“Vimos também que tanto para as mortes por CMD quanto para as mortes por doenças do coração, as características epidemiológicas semelhantes: ambas acometem mais os idosos, sexo masculino, raça/cor branca”, afirma o estudante.
Necrópsia verbal – De acordo com a professora do curso de Medicina da FTC Salvador e orientadora da pesquisa, Dra. Lucélia Cunha Magalhães, o próximo passo agora é realizar um trabalho de campo chamado de necrópsia verbal. “Nós vamos pegar essas mortes por CMD em Salvador e escolher aleatoriamente alguns para visitar as casas dessas pessoas, para conversar com a viúva, com o viúvo, com os filhos, ver os exames que o indivíduo que morreu possuía, fazer uma reconstituição na vida dessa pessoa, para saber se essas causas mal definidas são cardiovasculares como a gente acredita", explica.
Segundo a cardiologista, são as doenças cardiovasculares que mais matam repentinamente, sem a chance de diagnóstico, sem a identificação da causa de morte. “Isso porque as pessoas têm sua pressão arterial, mas não cuidam porque não dói, porque não coça, porque não é contagiosa. Não são doenças que chamam atenção como as infecciosas, como uma febre alta, por exemplo. São doenças traiçoeiras, que passam aparentemente silenciosas, então o indivíduo tem um episódio mais ou menos abrupto, mas está ali um AVC transitório, uma falta de ar que vem sem uma investigação competente, dentre outros problemas relacionados ao coração”.
Para a pesquisadora, essas mortes por doenças cardiovasculares podem estar aparecendo nas certidões de óbito como CMD pela dificuldade que existe de fazer uma boa investigação de óbito e também pela ausência de atendimento de saúde qualificado à população. “As mortes mal definidas são sim um problema de desigualdade social”, conclui.