Todos a temem de alguma forma, mas a morte é tão importante quanto a vida, porque faz parte dela. Nos hospitais, os profissionais de assistência frequentemente precisam enfrentá-la e também lidar com os pacientes já sem perspectivas de cura. São situações delicadas, que exigem preparo. Pensando nisso, a diretoria do Hospital Geral Roberto Santos criou o Serviço de Assistência a Pacientes em Cuidados Paliativos, tornando-se o primeiro hospital da rede da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) a dispor de um programa dessa natureza.
O lançamento do Serviço de Assistência a Pacientes em Cuidados Paliativos, que está funcionando desde o dia 5 deste mês, ocorreu hoje (14), apenas quatro dias após o Dia Mundial de Cuidados Paliativos, comemorado em 10 de outubro, em concorrida palestra-aula “Cuidados paliativos: cuidando dos que enfrentam sua finitude”, ministrada pelo médico Franklin Santana dos Santos, pós-doutor em Psicogeriatria pelo Instituto Karolinska (Suécia), formação complementar em Saúde e Espiritualidade pela Duke University (EUA) e pós-graduação Lato Sensu em Bioética pela FMUSP.
Profissionais e estudantes dos diversos segmentos da área de saúde lotaram o Auditório central para o evento, presidido pelo diretor Geral do HGRS, Antônio Raimundo Pinto de Almeida. Na palavra do palestrante, o Hospital Geral Roberto Santos torna-se de vanguarda quando passa a dispor de um Serviço de Cuidados Paliativos. “Lidar com a morte não é fácil, e continua sendo um grande desafio para aqueles envolvidos com a medicina. Mas, pensar na morte ajuda a aceitá-la e enfrentá-la”, pontuou Franklin Santana.
Morte “selvagem”
Os muitos medos existentes relativos à morte a transformam em tabu, e a maioria dos médicos não sabe como falar do assunto nem comunicar sua ocorrência às pessoas próximas ao paciente. “O médico abstrai a emoção, fala uma linguagem técnica, não sabe falar da morte com naturalidade. Até o século XIX”, afirma, “a maioria das pessoas morria em casa, mas, quando os doentes passaram a ser deslocados para hospitais, perdeu-se a habilidade e a familiaridade para lidar com ela. Hoje, vai-se ao hospital perseguir a vida a qualquer custo e a morte tornou-se selvagem: um processo solitário, mecânico e desumano”.
Na contramão dessa “morte selvagem”, vem a humanização presente na proposta do cuidado paliativo, que não se trata de um cuidado superficial, mas de olhar o outro na sua integralidade, preocupar-se com ele, preservar sua dignidade e também ter resolutividade e competência nesse cuidar. Diferentemente do paciente crônico, que exige um cuidado prolongado, mas tem perspectiva de cura, com o paciente alvo do cuidado paliativo não se trata mais de curar, apenas cuidar, e esse cuidado envolve também a família mesmo após a morte do paciente.
Para isso, poucos profissionais de saúde, inclusive os médicos, estão realmente preparados. “Será um verdadeiro desafio”, admite a médica intensivista Karoline Apolônia, coordenadora do Serviço de Assistência aos Pacientes em Cuidados Paliativos do HGRS. “Começamos com uma equipe no Hospital das Clínicas, depois no Hospital Santa Izabel, e agora no Hospital Roberto Santos”, informou. De início, o Serviço conta com três médicas: as intensivistas Karoline e Michelle Bonis e a médica clínica Manuelle Alencar.
Em novembro, a coloproctologista Nair Amaral vai se juntar à equipe. O Serviço, voltado para pacientes egressos do HGRS, como lembra o diretor Antônio Raimundo, terá abordagem multidisciplinar. “Começou com um núcleo médico, mas virão psicólogos, nutricionistas, quem sabe, até um budista tibetano”, brincou. O Serviço já dispõe de quatro leitos na Enfermaria 2C e a Sala 15 do Ambulatório, chamada “Controle Clínico”. Segundo Karoline, o nome “Cuidados Paliativos” não foi colocado por conta do preconceito. “Tudo o que esse paciente não merece é um olhar de comiseração quando procurar o ambulatório”, esclarece.
Ética, legalidade, formas de morrer
Para Franklin Santana dos Santos, que se coloca como espiritualista, as pessoas têm um “sonho de consumo” com relação à morte, que é viver até os 90 anos, adormecer e “acordar morto” dentro de casa, cercado pela família. Mas, o brasileiro não preservou essa cultura, e, ao invés da chamada “morte domada”, que corresponde a esta descrição, cada vez mais se dá a “morte selvagem”, em hospitais. O Brasil figura em 42ª posição no “ranking” os países onde a morte se dá de forma mais humana, ficando atrás, inclusive, da Somália – a primeira posição pertence à Inglaterra.
Ele listou quatro tipos de “modalidades”, digamos assim, da morte. A Eutanásia, que é a morte assistida e que, no Brasil, não tem respaldo ético nem legal. A Ortotanásia, processo em que não se retarda e nem se apressa a ocorrência da morte, ainda sem jurisprudência mas com respaldo ético pelo Conselho Federal de Medicina. A Distanásia, que é o processo de prolongar a vida mesmo ao custo do sofrimento da pessoa e que é praticado rotineiramente em todos os hospitais. E a Mistanásia, que é quando a morte ocorre antes do que seria esperado por condições adversas, como a falta de acesso a alimentação, moradia, saúde, saneamento, por falha do Estado e da sociedade.