O ator Rodolfo Bottino, 52 anos, faleceu na manhã deste domingo (11), em um hospital de Salvador, em decorência de uma embolia durante um exame para uma cirurgia no quadril.
Portador do vírus do HIV, Rodolfo Bottino ficou conhecido por interpretar Lauro na minissérie "Anos Dourados", exibida pela Rede Globo em 1986.
Amante da culinária, Bottino fez um curso na França e se tornou chef de cozinha. Ele chegou a apresentar um programa no qual fazia receitas em um canal fechado e rodou o país com o espetáculo "Risotto", em que contava histórias de sua família enquanto cozinhava o prato típico italiano.
O último trabalho do ator foi em "Homens, Santos e Desertores", que estreou em julho no Rio de Janeiro.
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ATOR DE O GLOBO
Duas vezes por semana, Rodolfo Bottino arranca risadas e suspiros no restaurante do Centro Cultural Banco do Brasil. Quem vê o ator cozinhando um panelaço de risoto para a plateia, entre tiradas engraçadas e dicas gastronômicas, nem imagina, mas está diante de um sujeito tinhoso. Nos últimos anos, Rodolfo superou uma síndrome do pânico, driblou um câncer de pulmão e chegou a pesar 41 quilos por conta de uma anorexia severa. Foi desenganado pelos médicos, mas fez que não ouviu. Começou a ganhar peso, teve alta e aí está ele. Rodolfo não é mesmo de se conformar com diagnósticos. Portador do vírus HIV, descobriu há tempos que a única maneira de combater a morte era vivendo a vida. Sem dramas.
- Hoje, o HIV é mais tranquilo do que o diabete. Pelo menos dá para comer doce - brinca.
Rodolfo titubeou antes de marcar a entrevista. Nunca havia falado publicamente sobre sua saúde. Gilda, a mãe, achava que ele devia permanecer em silêncio, como faz a imensa maioria das pessoas. Tinha medo de que a exposição prejudicasse a carreira do filho. Os amigos, por outro lado, pensavam que ele não devia se censurar. Passados alguns dias, Rodolfo concluiu: falar de sua experiência poderia ajudar outras pessoas a sair do armário e vencer o preconceito. Nada mais justo.
- Quem estiver lendo isso precisa saber que para tudo tem jeito - disse logo no primeiro dos cinco encontros que teve com a Revista O GLOBO. - Ninguém falou que viver é fácil. Todo dia pode ter uma porrada. Mas também pode ter uma realização. Nenhum HIV, câncer, hepatite ou diabete impede essa realização diária. O que impede é a cuca.
Hoje, a cuca está sob controle graças a 16 anos de análise lacaniana, ao trabalho e à força de amigos e parentes. Mas, no início, a barra pesou. Quando os primeiros amigos começaram a descobrir o HIV, ainda no fim dos anos 80, Rodolfo fazia exames todos os meses, temendo o resultado. Um dia, ele veio. Era o início dos anos 90, o ator descobriu-se soropositivo e pensou que fosse o fim. Ainda não havia tratamento eficaz, e várias pessoas próximas estavam morrendo de doenças oportunistas.
- Teve um mês de janeiro em que fui a 18 enterros - ele lembra. - Mas não era só por falta de tratamento, não. Muitas pessoas se entregavam.
Outras, ao contrário, decidiam viver como se não houvesse amanhã. Rodolfo lembra bem dos amigos que moravam em Nova York e que, ao serem diagnosticados, resolveram pirar.
- Neguinho saiu gastando, viajando o mundo todo, comprando tudo novo. Ia morrer mesmo... Só que aí veio o coquetel. E ficou um monte de gente viva na cadeia ou respondendo a processo - solta uma risada.
Rodolfo diz que não sabe como contraiu o vírus e conta que nunca chegou a desenvolver a doença. Foi monitorando seus exames, depois começou a tomar os remédios e manteve-se bem. Ainda não havia comprimidos em postos de saúde, e ele ia à Barra da Tijuca comprar as pílulas de uma mulher que as trazia dos Estados Unidos. Ia com uma amiga, parava o carro, ela corria até o apartamento da atravessadora e voltava com o remédio malocado debaixo do braço. Era uma cena surreal.
Galã na Ipanema dos anos 80, Rodolfo vivia nas noites do African Bar, no Leblon, e emendava uma festa na outra. Fumou e cheirou, mas sem grandes doideiras. Sempre preferiu viajar com vinhos e uísques. Também namorou bastante - amou homens e mulheres. Curtiu a vida. E pretende continuar curtindo.
Em 2006, quando tudo seguia bem, e o HIV já não assustava, o ator descobriu que estava com câncer no pulmão. Foi operado às pressas e, pouco depois da alta, recebeu a visita dos sobrinhos baianos. Claudinho, o mais velho, matriculou o tio numa escolinha de surfe. E foi assim que, à beira dos 50, Rodolfo Bottino aprendeu a pegar onda.
- Paguei esse mico de ficar remando na areia, subindo no pranchão. Alguns amigos iam assistir, não acreditavam.
Seis meses após a operação, veio a quimioterapia. O tratamento arrasou com suas defesas, jogou lá embaixo as taxas que ele mantinha sob controle com o coquetel e - ironia cruel para quem ama a cozinha - tirou-lhe o tesão pela comida. Não havia rabada, macarronada ou suspiro capaz de seduzi-lo. Dos 68 quilos que sempre manteve, perdeu 27. E baixou no CTI com anorexia. Um dia, ouviu os médicos comentando que não havia mais nada a fazer. Chamou as enfermeiras, pediu que passassem a comida no liquidificador, encomendou potes e mais potes de sorvete, conclamou os amigos a levarem Nhá Benta. E derrubou o prognóstico.
- Toda vez que eu o visitava no hospital era como se estivesse me despedindo. Era difícil entrar naquele quarto - lembra o amigo Luiz Salém. - E ele dizia que ia sair, fazer uma peça, escrever três livros. Tinha sempre um monte de projetos, mesmo estando mal. E não é que ele saiu, estreou peça, está escrevendo três livros e tocando um monte de projetos? Ele é uma fênix.
Hoje, o monte de projetos inclui livros que misturam gastronomia e autobiografia, consultoria para restaurantes, uma futura fábrica de macarrão (cujo hit será o "cabelinho maluco", uma espécie de talharim fininho) e o blog Com Um Pé na Cozinha (acesse). Sem contar o teatro. Rodolfo acaba de voltar ao Rio depois de uma temporada em Brasília com a peça "Medida por medida", dirigida por Gilberto Gawronski. Para encarnar a cafetina Japassada, ele chegava três horas antes do espetáculo e dedicava-se a um demorado ritual de maquiagem, até surgir em cena, ao som de Piaf, com um figurino absurdo, que incluía até uma gaiola na cabeça. Quando entrou para o elenco, ainda estava magrinho, abatido, cansado. Ao longo dos ensaios, foi ganhando viço e mais alguns quilos.
- O figurino dele é o único que eu não me incomodo em mandar alargar - brinca Gilberto, que conheceu o ator em cena três anos atrás, no espetáculo "Artorquato", sobre a história do poeta Torquato Neto.