O corpo internacional de pesquisas da Associação Internacional de Pesquisas dos EUA - o American Biographical Institute - IBA -, instituição com mais de 40 anos de experiência em coletar e publicar biografias de personalidades contemporâneas que mais se destacam no mundo todo, escolheu o médico clínico, neuropsiquiatra e pesquisador Ricardo Chequer Chemas - paulista radicado na Bahia - como o Homem do Ano na Ciência para 2008.
Obelisco - Dr. Chemas, numa entrevista dada em um programa de televisão, citando o filósofo alemão Goethe, o senhor declarou que, como ele, também veio ao mundo para se surpreender. Como médico, cientista, pesquisador, o que tem surpreendido o senhor no que diz respeito à Ciência neste início de século? RC - O que mais me surpreende nesse início de século é a possibilidade da reestruturação consciente do DNA, do patrimônio genético do ser humano. E pela primeira vez decifrou-se o código genético integral. Isto já vem desde os trabalhos da década de 60 de Dr. James Watson, que culminaram, dois ou três anos atrás, com a conclusão do projeto do genoma humano. E a partir dai se abre uma possibilidade imensa, porém de extrema responsabilidade ética (para que não mais se repitam os grosseiros erros da História do século passado), que é a reestruturação consciente do código genético. Isso quer dizer que se pode livrar a Humanidade de muitas doenças, transmissíveis, hereditárias, como o diabetes e certas formas de câncer, inclusive doenças mentais graves, como a depressão profunda e a esquizofrenia, que são dependentes do DNA, do código genético. Isso é o que mais me surpreende, e não no sentido de já não ser algo esperado; mas da maravilha e do espanto que será a Humanidade poder receber este milagre da Ciência contemporânea, essa verdadeira metamorfose da larva humana em anjo ou semideus adulto. Obelisco - O senhor poderia citar outro exemplo? RC - Sim, a fusão da Cibernética com a Biologia - a chamada Biocibernética, que é outra coisa espetacular. Há uma semana, mais ou menos, nos EUA conseguiram conectar os neurônios do cérebro do gato com câmeras e processadores visuais e puderam ver o mundo como o gato vê. Isso vai permitir o desenvolvimento de aparelhos para a cura da cegueira e uma série de outros problemas relacionados. Não é tanto pelo fato de ser um gato em si mesmo, mas de se ter conseguido isso com um modelo de um vertebrado, que pode ser aplicado ao modelo humano. Mas de não menos importância é o fato de agora ser possível enxergar o mundo, de fato, sob o ponto de vista de um outro ser, de um outro animal, muito além do exclusivo ponto de vista autocentrado da fera humana.
Obelisco - O mundo vem passando por uma série de transformações importantes e muito rápidas, e nós praticamente não temos tempo de nos adaptar a tanta coisa inédita - novas tecnologias, nova linguagem, novos valores, redefinições constantes. Do ponto de vista da Ciência, da neuropsiquiatria, essa necessidade de adaptação veloz pode provocar alguma mudança substancial no funcionamento da mente humana? RC - Do ponto de vista da psiquiatria propriamente dita não, porque a psiquiatria lida com problemas que têm uma base orgânica - problemas que têm uma base bioquímica, genética mesmo. O que você está falando é o que Alvin Toffler, na década de 70 do século passado, chamou de choque do futuro. Choque do futuro seria a velocidade de produção de informação, uma exponencial gigantesca, contrastando com a velocidade da apreensão e do processamento humanos, que é apenas linear. Então, acontece a mesma coisa que Malthus previu no século XIX para com os alimentos. A velocidade de produção de alimentos é linear e o consumo e o crescimento da Humanidade, ao contrário, é velozmente exponencial. Então, nunca irá se conseguir sincronizar os ritmos dos processos individuais, e tudo deverá terminar numa gigantesca crise global, na "síndrome do computador empanturrado", incapaz de digerir o que antes tentou devorar. Como está acontecendo com a informática, que já desembocou numa crise global - o grotesco e disforme ruído informacional a um só tempo caótico e redundante da mídia e da Internet. O cidadão comum apenas não se dá conta do que está ocorrendo, pois já se encontra completamente drogado e intoxicado pela enxurrada de ruído que lhe entope, simultaneamente, a visão e a audição. As pessoas comuns, no dia-a-dia, não têm a menor idéia de onde a Ciência está. Elas lidam, ao invés, com o repasto que é feito na mídia e que é jogado aleatoriamente, como se alguém de propositado mau gosto atirasse violentamente toneladas de excrementos num gigantesco ventilador, e esse repasto é feito de informação redundante, majoritariamente: politicagem, vida alheia, esportes de massa e, é claro, a mídia que pinga sangue da violência capitalizada em comércio jornalístico, informação redundante esta que apenas é reciclada e regurgitada o tempo todo, como numa espécie de ruminação de criaturas dementes. Mas no fundo, no fundo, é a mesma informação superficial e deletéria, do ponto de vista médico, psicológico e filosófico, que está sendo travestida de várias formas aparentemente distintas. No fundo não há originalidade na informação, pois a ótica da percepção coletiva míope leva à mesmice, ou seja, à redundância pura e simples. Neste sentido, as massas são tão ingênuas como as crianças, as quais, como dizia o vasto Jorge Luis Borges, "apreciam mais a repetição pura e simples do que a novidade". As informações realmente originais se dão no campo da Ciência, da Tecnologia, da Filosofia, da Literatura de qualidade e das artes sofisticadas, incluindo a música erudita; e nesse campo o descompasso com a grande massa já é praticamente impossível de superar, desde que começou o especialismo, no Século XX, e mesmo bem antes, embora os grandes homens (e mulheres) de gênio capazes de sínteses brilhantes em escala macro sempre tivessem existido por sobre o Planeta, desde o misterioso e venerado Imhotep, o simultaneamente médico e arquiteto das grandes pirâmides, há mais de cinco mil anos atrás no Egito Antigo, passando pelos filósofos gregos, Demócrito, Heráclito, Sócrates, Platão, Aristóteles, até Einstein, Schrödinger, Wheeler e Sir Karl Popper no século XX. Até o Século XIX, os indivíduos ainda podiam se gabar de ter uma visão macroscópica da realidade, completamente integrada. Então, os sábios que soubessem Biologia não faziam apenas Biologia, mas sim História Natural, que é a junção da Geologia, Química, Física, Zoologia e Botânica, já que tinham a visão de um mundo integrado pela Ciência. Essa visão se perdeu ao longo do Século XX. Por volta da década de 40, 50, já estava tudo fragmentado, cada um passando a ver apenas uma fatia da realidade, a sua fatia, e, o que é pior, sem um diálogo interdisciplinar. Agora é que está havendo uma tentativa consciente de se retomar a interdisciplinaridade, mas ainda são focos isolados, em ambientes acadêmicos restritíssimos. E, o que é pior, em face de toda uma tradição de especialismo que atingiu em cheio a própria área médica. Eu, por exemplo, sou um médico muito criticado por alguns colegas aqui na Bahia por ter uma atitude não especialística sobre a Medicina. Embora seja eu mesmo um especialista, um Neuropsiquiatra, eu sempre olho o paciente de uma forma global, multi-sistêmica, e não apenas sob a ótica parcial de um especialista. Todos os meus pacientes de Psiquiatria são também meus pacientes de Clínica Médica. Desde a minha formação na faculdade, já prevendo a fragmentação, eu fiz questão de fazer Clínica Médica para poder merecer o título de médico antes de ter o título de Psiquiatra, de especialista. Não teria sentido eu saber apenas da minha especialidade sem conseguir ver o paciente como um todo clínico integrado. Então, eu uso essa ótica coesa como abordagem e essa forma de trabalhar como um algoritmo de coordenação. As pessoas estão acostumadas a acreditar que, em qualquer problema, qualquer coisa que sintam, têm que procurar um especialista, que normalmente não entabula um diálogo muito fácil com os outros especialistas que já cuidavam dele anteriormente. Isso vai ao absurdo comum de pacientes idosos, por exemplo, chegarem meu consultório pesadamente polimedicados: eles tomam quatro remédios do gastroenterologista, cinco remédios do cardiologista, três do clínico geral, dois do reumatologista, etc., e isso é uma tragédia farmacológica. O paciente chega com o estômago arrasado e transformado num hipertenso iatrogênico (isto é, portador de hipertensão provocada por remédios) pelo uso de antiinflamatórios, com o sistema imunológico deprimido por abuso de corticóides, em meio a um verdadeiro pandemônio medicamentoso. O problema não é "o número de remédios" que o paciente ingere, como o leigo normalmente pensa, porém a agressividade específica, a toxicidade individual e a mútua interação das drogas utilizadas. Uma outra - e muito mais grave - questão é a total impessoalidade da prescrição: os medicamentos não são formatados para as biotipologias ou constituições biológicas específicas de cada indivíduo, porém são direcionados a uma "média" estatística populacional sensível (de forma mais ou menos previsível, dentro de uma curva gaussiana) às drogas empregadas, mas ao mesmo tempo abstrata e completamente despersonalizada. Obelisco - O senhor conseguiria fazer uma previsão de quanto tempo será necessário ainda para já termos uma medicina dessa maneira integrada, todos já entendendo o homem como um organismo interligado? RC - Eu acredito que antes de um século a medicina ainda não terá avançado o suficiente para alcançarmos essa integração, bem digerida e bem fundamentada, porque há uma inércia cultural de mais ou menos vinte anos entre o que você publica nas revistas científicas de ponta, entre as idéias realmente revolucionárias e novas, e a transformação dessas idéias em texto acadêmico, com a aceitação e a utilização pela universidade e pelas escolas de ensino. Falar de Universidade hoje é um eufemismo, porque a Universidade praticamente acabou. Eu soube que há projetos cogitados, inclusive, de se transformar a Universidade Federal da Bahia numa escola meramente técnica e de retirar as humanidades do currículo, por exemplo - Filosofia, História etc., deixando somente as especialidades de base técnica, visando apenas a imediata inserção dos indivíduos num apodrecido e distorcido "mercado de trabalho". Então, o que nós vemos agora é destruição do conceito de Universidade, que vem da palavra universo, que traz a idéia de integração do conhecimento, idéia esta que lamentavelmente se perdeu. Hoje "Universidade" é só um título de fachada - não existem "universidades" mais, de fato, com essa visão de integração de uma Sorbonne, de Harvard, de Cambridge no momento de suas fundações. Considerando tudo isso - e mais essa inércia cultural de vinte anos para mudanças acadêmicas reais -, fica difícil imaginar qualquer integração efetiva antes de um período muito longo, até mesmo indeterminado. Obelisco - Uma das conseqüências dessa velocidade cobrada pelo mundo moderno é certamente o despertar do sentimento de incapacidade em muitos indivíduos. Nem todas as pessoas conseguem acompanhar esse ritmo acelerado. Algumas das doenças que vêm crescendo em número de casos, como a síndrome do pânico, por exemplo, têm relação direta com essa inabilidade para lidar com o que é novo? RC - Na realidade, não existe incidência do crescimento da síndrome do pânico. O que existe é o crescimento da precisão diagnóstica, porque antes os quadros da síndrome do pânico eram confundidos com doenças físicas parciais, como ainda são, e os pacientes terminam procurando um cardiologista, por exemplo, para saber por que o coração deles dispara, ou o neurologista por conta da sua dor-de-cabeça, ou o gastroenterologista devido à azia, etc., etc., etc. Obelisco - Então a síndrome do pânico não é uma doença dos novos tempos? RC - Não, sempre existiu a "síndrome do pânico" como conjunto natural de sintomas diversos e relativamente simultâneos, só não existia um diagnóstico formal, a entidade nosológica. A abstrata, teórica construção unificadora tecida sobre a sintomatologia da "síndrome do pânico" é que ainda não havia sido formulada com clareza e nem se sabia que ela era devida à falta da dinâmica e processamento bioquímico correto dos neurotransmissores no tecido cerebral, e fora dele. Como esses diagnósticos estão se ampliando, então o número de casos aparentemente cresce, como também aparentemente ocorre com o número de casos de depressão, mas não há aumento real de incidência, a não ser proporcional ao crescimento demográfico. Obelisco - O senhor tem uma noção de estatísticas referentes aos casos de síndrome do pânico no Brasil? RC - Sim, aproximadamente cinco por cento das mulheres e dois e meio por cento dos homens têm depressão com síndrome do pânico. Obelisco - Por que mais mulheres do que homens? RC - Há várias teorias, que incluem aquelas hipóteses que responsabilizam a síndrome pré-menstrual por isto, e muitos outros fatores mais, inclusive genéticos. São várias as hipóteses, considerando também o fato de as mulheres possuírem dois cromossomos x e nós homens apenas um. Mas muitas doenças têm essa estatística estável. Por exemplo, a esquizofrenia acomete, estavelmente, dois por cento da população. Da mesma forma que a miopia acomete estavelmente cinco por cento da população mundial - de algum modo, para a evolução biológica e cultural, estas síndromes últimas vêm se mostrando temporalmente estáveis e, portanto, adaptativas. Por exemplo, os míopes sempre sobreviveram mais que os não-míopes em épocas de guerra, pois são dispensados do serviço militar há milhares de anos em quase todas as culturas, portanto vivem mais e deixam descendentes. O esquizofrênicos, por sua vez, nunca morrem de choque anafilático - são imunes à alergias graves, logo sobrevivem ao crivo da seleção natural e deixam mais descendentes, indiferentemente aos nossos preconceitos culturais contemporâneos acerca das inconveniências práticas da miopia ou do quanto achemos estranho o mundo interior e a profunda dependência física e emocional dos esquizofrênicos. Obelisco - Nós todos, que herdamos tantos conceitos e preconceitos característicos do mundo fragmentado do passado, já estamos começando a compreender, na sua opinião, a visão mais unificada do novo século? RC - Nós todos não, apenas uma pequeníssima percentagem dos indivíduos. Obelisco - Que percentagem é essa? RC - Não sei. Adoraria que fosse grande, mas não acredito nisso. Pelo que eu posso observar conversando com as pessoas no dia a dia, elas ainda mantêm uma maneira fragmentada e especialística de pensar. Inclusive aqueles que estão ligados a áreas das terapêuticas complementares, e que alegam ser, de alguma forma, pessoas mais "espiritualizadas", continuam com a mesma visão fragmentada, maniqueísta, dualista, chauvinista e até mesmo - o que é profundamente oposto à verdadeira espiritualidade - supersticiosa, e não conseguem por conta disto uma integração com a Ciência, por exemplo. É como se nós tivéssemos jogado fora o Ocidente para ficar com o Oriente, mas tanto o Oriente como o Ocidente cometem erros graves, porém em sentidos opostos. O Ocidente, com o excesso de materialismo rudemente utilitarista e o desconhecimento da realidade espiritual profunda; e alguns locais do Oriente com o desconhecimento total da realidade material no que tange à grande massa da população, chegando inclusive a este absurdo que se vê na Índia, onde os indivíduos morrem de fome em frente ao maior rebanho vacum do mundo. É claro que não pode haver nisso nenhuma "evolução espiritual" possível. Obelisco - Atualmente, tornou-se mais fácil ou mais difícil, na sua opinião, delimitar as fronteiras entre a doença e a saúde mental? RC - Muito mais fácil, por conta da caracterização bioquímica das doenças. É o que chamamos de Psiquiatria biológica. Nós, do século XXI, já conseguimos determinar parâmetros bioquímicos característicos para as principais entidades nosológicas na Psiquiatria. Hoje sabemos, ao menos parcialmente, como acessar as vias e transformações bioquímicas da esquizofrenia, e já existem medicamentos que controlam a doença a ponto de reintegrar totalmente o paciente no trabalho, no relacionamento afetivo, no convívio familiar, algo que não acontecia antes, há apenas poucos anos atrás. A Psiquiatria avançou mais nos últimos dez anos do que nos últimos cem. Obelisco - Qual o seu conceito a respeito de uma medicina avançada? RC - Medicina avançada seria justamente aquela que considerasse a totalidade da tradição humana no conhecimento médico, e não apenas uma ótica parcial, específica, de um momento característico da história do Ocidente, como a Medicina ocidental dos Séculos XX e XXI. Por exemplo, a medicina chinesa é de um conhecimento empírico inacreditável. Conhecimento empírico não quer dizer conhecimento leigo; é um conhecimento adquirido pelo uso objetivo dos remédios na realidade prática e pela constatação do que funciona mesmo, em oposição ao que não tem eficácia real. A medicina chinesa possui técnicas que funcionam há milhares de anos, independentemente do modelo teórico deles, e, é claro, independentemente do fato de nós compreendermos ou não, e do fato de nós concordarmos ou não com os pressupostos teóricos da exótica cultura chinesa. O Ocidente, arrogantemente, descartou esse conhecimento empírico do Oriente. O Ocidente descartou a medicina dos antigos egípcios, a acupuntura, a etnobotânica dos índios, assim como a etnozoologia de vários povos não-ocidentais e ocidentais. Pura burrice, no final das contas, uma espécie irracional de lobotomia cerebral autoprovocada. Obelisco - Descartou inclusive a nossa tradição brasileira... RC - Isso mesmo. O Brasil tem uma etnobotânica riquíssima. Inclusive uma zooterapia inacreditável. Há colegas nossos pesquisando isso no Brasil e já catalogaram centenas de espécies animais, usadas empiricamente com sucesso, para tratamentos de afecções, de enfermidades de várias espécies, o que é em sua maior parte um conhecimento transmitido por via oral, em várias culturas do interior do Brasil, e também nas culturas costeiras de pescadores. Os pescadores sabem muitos procedimentos que não são apenas supersticiosos. É claro que no meio disso há procedimentos que são tradições por pura e ingênua superstição. Mas, independentemente disso, existem muitos outros procedimentos (a maioria) que sofreram um processo de seleção natural. Ao contrário do que alguns colegas médicos com excelente titulação acadêmica muitas vezes pensam, a humanidade não-ocidental e não-contemporânea não é burra, pelo contrário. Os antigos, das antigas e grandiosas civilizações que já habitaram este humilde planeta, não eram nada bobos. Os babilônios não eram também nada bobos, e muito menos ainda os egípcios, que contavam com sete mil anos de Medicina no final do seu império. A Medicina deles, simplesmente, funciona. É por isto que o imperador Júlio César possuía o seu próprio médico egípcio particular, e não me consta que o autor das Guerras Gálicas e intrépido conquistador tenha sido exatamente um tolo. Eu tenho a possibilidade de utilizar medicamentos egípcios até hoje no meu consultório com sucesso. Hoje se lançou como novidade a valeriana no mercado brasileiro e no mundo. A valeriana officinalis, uma planta, é um medicamento egípcio, descoberto por Imhotep, segundo a lenda, - médico e arquiteto das pirâmides - há mais de cinco mil anos. A Medicina tradicional - das culturas tradicionais da antiguidade e do oriente, bem como a Medicina de outros povos e culturas, como a dos índios e dos esquimós, é uma coisa muito séria, porque é baseada em uma prática funcional, experimental, que é o fundamento da verdadeira ciência. Não se passa o mesmo com os modelos teóricos, que são construções abstratas, puramente mentais. Como costumo dizer sempre, na Ciência, na verdadeira Ciência, ajustam-se e reformam-se as teorias, não os fatos empíricos e experimentais. Era muito séria a Medicina na Babilônia, por exemplo - ou você curava de fato ou cortavam a sua mão, lhe executavam. Então, a Medicina deles era selecionada, na qualidade, pela própria cultura. Havia uma triagem, bastante cruel, mas não obstante uma seleção, dos melhores, ou seja, daqueles que realmente curavam. Obelisco - Essa medicina era apenas para os nobres? RC - Não, era para todo o mundo. Os egípcios, inclusive, não faziam essa distinção, da mesma forma que não diferenciavam os direitos da mulher dos direitos do homem, a Justiça dava direito iguais a ambos. As distorções são posteriores, e os preconceitos são, em sua maior parte, ao contrário do que uma mídia venal nos faz acreditar, ocidentais, e não orientais. Obelisco - Considerando um universo de pessoas que têm pressa, que querem resultados rápidos, o senhor acredita que os chamados "remédios vibracionais" são mais eficazes e produzem um efeito mais rápido do que os remédios alopáticos? RC - Sua pergunta já é capciosa, porque ela subliminarmente sugere que os medicamentos vibracionais seriam mais lentos na ação, de acordo com o preconceito popular, e não o são. O que existem são profissionais, alguns destes não-médicos ou leigos "caridosos", e outros inclusive médicos habilitados, que são mais lentos em descobrir o remédio correto do paciente. Isso foi o que, na prática, emprestou às práticas vibracionais o conceito errôneo de lentidão. Não existe esta história de medicação homeopática lenta, se o médico conseguir identificar o medicamento correto. Ao contrário, o efeito é mais rápido inclusive do que no caso do medicamento alopático convencional, pois a homeopatia funciona por leis da física e da química quânticas, e não clássicas. O medicamento é sempre único para o caso, sempre pessoal e intransferível. Não é possível preparar um remédio "geral" para gripe e dar para todo mundo - o remédio é para a sua gripe, com as características da sua gripe naquele momento. É preciso fazer a superposição da toxicologia (o que exige um conhecimento enorme da farmacologia ou modo de ação e dos efeitos das drogas) com o exame clínico, com a sintomatologia exibida espontaneamente pelo paciente. Não se pode ser médico de qualquer espécie, inclusive médico homeopata, fazendo um curso de férias ou de final de semana. Isso pode ser qualquer coisa, até modismo cultural, mas isso não é Ciência. E não estou falando apenas da Ciência dentro do paradigma ocidental racional não, estou falando de Ciência ampla. Mesmo na Ciência que não é da corrente dita "oficial", se é que esta última realmente existe, é preciso muito estudo. Na homeopatia, que ao contrário do que o cidadão comum pensa não é uma prática "alternativa", e sim uma especialidade médica oficial no Brasil, é preciso uma erudição em química considerável e também em toxicologia e farmacologia, que pouca gente da área alopática tradicional possui habitualmente. Claro que eu não me refiro aos grandes farmacologistas, não me refiro a figuras magistrais como o Dr. Penildon Silva, aqui na Bahia, ou como os clássicos professores norte-americanos Goodman e Gilman, autores de um famoso tratado do mesmo nome. Estou me referindo ao médico comum, profissional da saúde sem maiores profundidades científicas ou ambições de pesquisa. O médico comum precisaria ter prazer em estudar o efeito das drogas sobre as pessoas, senão ele não tem como aprender a curar, nem rapidamente nem devagar, nem com o auxílio de um repertório de sintomas e efeitos de drogas diversas, informatizado, mas que ainda assim precisa ser interpretado e ponderado no dia-a-dia da prática clínica. Um dos defeitos dos praticantes das assim-chamadas "medicinas complementares" é o informalismo pouco exigente destes, do ponto de vista metodológico e científico. Isto atinge mesmo a maior parte dos profissionais habilitados que trabalham nesta área. Eu diria que o maior desserviço feito às técnicas médicas complementares não é por parte do preconceito dos alopatas, mas por parte da má preparação, da falta de cultura geral e da má formação básica dos próprios indivíduos envolvidos com a aplicação das técnicas de medicina complementar. Obelisco - O que faz a diferença então é a escolha do médico certo ... RC - Já que você citou Goethe inicialmente, há uma outra frase dele que diz que Deus (ou o Universo) dispôs para nós todas as condições para que possamos viver bem, saudavelmente; que podemos, contudo, escolher viver como um cachorro de rua, miseravelmente, ou dignamente. O que faz a diferença, normalmente, de uma forma de viver para a outra é, segundo Goethe, justamente a escolha de um médico capaz, competente. Se a pessoa puder encontrar com essa figura médica na vida, ela estará bem assessorada para viver de forma saudável. Obelisco - Dr. Chemas, nós moramos em um estado, a Bahia, onde o misticismo, as crenças, a religiosidade estão muito presentes em tudo, em todos os âmbitos da vida das pessoas. Como se dá o exercício profissional, a prática médica, da Ciência, nesse ambiente tão eclético? RC - Esta cultura local dá margem a muitas confusões. As pessoas, inicialmente, estranham quando chegam aqui no meu consultório e não encontram um médico "vegetariano". Muito menos um "místico". Eu não sou sequer "naturista"; eu sou médico e cientista, e utilizo as técnicas que dão certo, que funcionam. Pode ser até uma técnica ensinada para mim por um xamã da Sibéria, pouco importa.
Como a de um velho pajé índio, por exemplo, que conheci em Alagoas, da tribo dos Cariri-Xocós que me ensinou uma técnica maravilhosa para asma, baseada em um medicamento feito com o extrato do pulmão e da traquéia do teiú, um belo e imenso lagarto nativo sul-americano, o Tupinambis nigropunctatus. Eu utilizo muitas técnicas médicas diferentes, como me referi anteriormente falando da valeriana. Da mesma forma que eu não me definiria como médico naturista, também não me defino como médico homeopata - a homeopatia é apenas uma das técnicas que eu utilizo. Se quero resultados específicos, eu posso utilizar diversos recursos, inclusive cortisona, antibióticos, antiinflamatórios, eletroterapia com correntes de alta freqüência, organoterapia, lisadoterapia, terapia celular por xenotransplantação, etc., vai depender das necessidades do paciente, mais do que qualquer coisa, e do resultado clínico específico que eu desejo obter naquele momento do tratamento. Há pacientes que necessitam de uma intervenção específica em determinado instante, e que não pode ser substituída por outra, de outra espécie terapêutica. Não existe uma medicina teoricamente melhor do que a outra ou (em abstrato) melhor do que uma outra - existem intervenções específicas corretas em momentos corretos, e apenas para doenças que são corretamente diagnosticadas. Obelisco - O senhor faz diagnósticos precisos através de sonhos relatados por pacientes e consegue curar várias enfermidades assim. Que Medicina é essa? RC- Eu uso uma técnica de prescrição de medicamentos através dos sintomas dos sonhos, baseada na toxicologia; ou seja, na utilização de dados da matéria medica, que é o conjunto compilado ao longo dos séculos dos relatos de efeitos de substâncias sobre o organismo humano sadio, localizando as referências a sonhos com relação a intoxicação por determinadas substâncias. É algo objetivo, que passa pela identificação dos efeitos positivos das substâncias do mundo físico, baseada na toxicologia. Por exemplo, a intoxicação por alumínio provoca sonhos com serpentes na água e com queda ou perigo de queda de grandes alturas. Então, quando o paciente tem espontaneamente esses sonhos, eu normalmente suspeito de uma intoxicação por alumínio, e, após investigar a realidade deste acúmulo de alumínio no corpo do paciente, prescrevo então a medicação. Essa é uma técnica muito poderosa, porque o psiquismo - principalmente o sonho - exibe uma tradução nítida do processo inconsciente do corpo, de toda a atividade corporal que se encontra ainda distante da consciência. Isso permite o diagnóstico de aspectos tão sutis, que não aparecem no nível físico grosseiro, mas que aparecem no nível sutil dos sonhos com muita anterioridade em relação aos sintomas físicos da intoxicação. Recentemente, na Inglaterra, um criminoso que envenenou com atropina - alcalóide da planta da família das solanáceas, Atropa belladonna - alimentos em supermercados, como leite e conservas, foi identificado e preso pela Polícia em função da interpretação dos sintomas de sonhos das vítimas intoxicadas pela substância em questão. A intoxicação pela atropina provoca sonhos com monstruosidades, perseguição por gigantes, pessoas mutiladas, dentre outros sintomas, físicos e funcionais, como inflamações agudas, e mentais, como delírios e alucinações, além de comportamento violento e agitado. O que se fez na Inglaterra foi justamente, de uma forma objetiva e concreta - porque não há nada de subjetivo nisso, é pura farmacologia - identificar e tratar, através da toxicologia e da farmacologia, os sintomas do paciente e a sua causa patológica, e também através dos sonhos deste mesmo paciente, utilizando a técnica homeopática, desenvolvida pelo médico alemão Samuel Hahnemann, no início do século XIX. Obelisco - O senhor desenvolve pesquisas e medicamentos para o Mal de Alzheimer. Que medicamentos são esses? RC - Nós temos trabalhado há mais de 15 anos com uma planta chamada de Calotropis procera, que é endêmica da nossa área costeira do Nordeste, e foi trazida pelos escravos da África na forma de sementes casualmente aderidas às roupas. Como a maior parte das plantas medicinais, a Calotropis procera é bastante tóxica em estado bruto, mas com um potencial medicinal profundo. Essa planta é da família das asclepiadáceas, que leva este nome em botânica em homenagem ao deus Asclepius - que é o Esculápio dos gregos antigos, deus da Medicina - por causa das propriedades medicinais da família como um todo. Essa é mais uma planta na família das asclepiadáceas em que se descobriu virtudes medicinais - nesse caso, mais uma descoberta nossa - que é a capacidade de melhorar significativamente a memória, o humor, a participação, a atenção e a atividade mental em um paciente com Alzheimer, a partir de um medicamento preparado com essa planta. Esse medicamento - que se chama Procer - é produzido na Itália, e não no Brasil, e está em fase de muitas pesquisas, na Europa principalmente.
Obelisco - Isso significa que já existe uma cura para a doença? RC - Eu não diria que é uma cura definitiva, mas, se tomarmos a etimologia da palavra cura, que quer dizer "cuidado" - não quer dizer arrancar o mal definitivamente, erradicar a doença, mas simplesmente "cuidar",-, podemos considerar que já há um avanço muito grande. No sentido do "definitivo", ainda não, e não acredito que nenhuma droga possa fazer isso ainda, porque essa é uma doença muito complexa. Obelisco - O senhor recebe alguma espécie de ajuda financeira para as suas pesquisas? RC - Não, inclusive o Ministério da Saúde, a ANVISA e a Secretaria da Saúde ainda não autorizaram a produção desse medicamento no Brasil, por conta das exigências que passam pelos critérios propostos utilizados pelas multinacionais farmacêuticas estrangeiras. São exigências normalmente muito detalhistas, de pesquisa, ensaios clínicos e laboratoriais com um N gigantesco (ou número de sujeitos da pesquisa), exigências estas que só podem ser atendidas de fato, na íntegra, por multinacionais farmacêuticas estrangeiras com um capital extremamente maior do que nós jamais possuímos em nível individual ou mesmo institucional. Então, essas pesquisas têm sido feitas com custeamento próprio, por enquanto, dentro das dimensões do possível, o que no Brasil, significa habitualmente o impossível. Obelisco - Entre as razões citadas para recusar o convite para presidir um grande laboratório de pesquisas canadense, o senhor falou dos laços afetivos com a família, amigos e pacientes, mas também citou o amor pelos seus animais. São seis gatos e três cães, não é isso? - RC - Os meus seis sábios, elegantes e silenciosos gatos (mais sábios do que a maior parte dos barulhentos e rudes seres humanos que já conheci no meio século e um tanto de existência) e os meus três belos e amorosos cães (mais amorosos e sinceros também do que a maior parte dos seres humanos que conheço, conheci, ou jamais conhecerei na vida). Deixo aqui uma mensagem especial: por amor ao Cosmos, e por amor às suas próprias origens e naturezas, respeitem profundamente os nossos companheiros de viagem nesta frágil, bela e doente - ferida de morte mesmo - espaçonave planetária: os irmãos animais, os nossos remotos ancestrais, primos, netos e tataravôs convivendo às vezes dentro do mesmo indivíduo, a exemplo das mitocôndrias dentro de nossas células, que nada mais são que outros seres, antes distintos de nós, as bactérias independentes que foram, um dia, incorporadas - em simbiose - pelas células dos protozoários unicelulares. De forma um tanto similar, o nosso ancestral pré-vertebrado, o venerável Amphioxus, o ancestral dos peixes, nosso arquiavô, convive agora mesmo conosco, anonimamente, enterrado nas praias antiqüíssimas da Ribeira, aqui mesmo em Salvador-Bahia, só que numa Salvador muito distante daquela vendida pela mídia de apelos turísticos e comerciais baratos, uma estranha e atávica Salvador habitada ainda hoje por criaturas de mais de seiscentos milhões de anos e cheia de ancestrais pré-históricos e parentes animais nossos, do Homo sapiens (???!!!) local, criatura bípede esta que, infelizmente, a desconhece totalmente, em sua esmagadora maioria". Obelisco - O senhor foi escolhido o Homem do Ano na Ciência pelo Instituto Biográfico Americano, radicado nos EUA. O que representa essa condecoração para o senhor? RC - A dura constatação que muito mais trabalho a fazer me aguarda nesta próxima etapa da minha vida do que já tive que realizar até hoje. (Por Tânia Contreiras e Márcia Gomes) | ||