Saúde

CÉLULAS TRONCO: 5 MILHÕES DE PESSOAS PODEM SER BENEFICIADAS PELO STF

A sessão deve durar por toda noite
| 05/03/2008 às 08:20
 Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrar a votação sobre o uso de células-tronco em pesquisas científicas, em sessão que se inicia na tarde desta quarta-feira, às 14h, mas não tem data certa para terminar, o Brasil terá uma noção mais clara da  profundidade e o perfil de sua modernidade. 
 

   Em um País onde a lei aceita o divórcio e proibe o aborto, a rede pública de hospitais realiza operações de vasectomia, ligadura de trompas e até mudança de sexo, as células-tronco tornaram-se uma linha divisória e também uma esperança para milhares de pacientes desenganados pela medicina.


   Muitas pessoas tendem a imaginar que ali se assiste a um confronto entre religião e política, Igreja Católica e conhecimento científico, mas não é apenas isso. O debate envolve as relações entre o progresso humano e os limites da natureza, faz perguntas sobre a vida humana e os direitos do progresso científico.


  "A possibilidade de voltar a usar as mãos e recuperar a carreira seria uma dádiva da Ciência e especialmente de Deus," afirma o pianista João Carlos Martins, um dos grandes talentos de música erudita do País, em qualquer época.


   Há dez anos João Carlos Martins rompeu o nervo da mão direita durante uma partida de futebol - e nunca mais conseguiu usá-la para dar acordes que boa parte da crítica internacional definia como geniais. Mais tarde, golpeado na cabeça durante um assalto, teve um coágulo no cérebro - e perdeu os movimentos da mão esquerda.

"Só restou o indicador, que virou minha batuta," diz, bem-humorado. Aos 67 anos, Martins é protagonista de uma segunda carreira musical - tornou-se regente - e costuma atravessar o País para fazer concertos e palestras onde fala de seu drama e de sua recuperação.


  "Proibir as pesquisas com células-tronco equivale a proibir o amor," diz. "Ninguém fala em usar embriões que poderiam evoluir para se transformar num ser humano, mas num conjunto de células que de outra maneira seriam descartadas e jogadas no lixo." Após uma pausa, João Carlos Martins afirma: "No amor, milhares de vidas são sacrificadas para que só um óvulo fecundado sobreviva e se torne uma pessoa".


Pacientes atingidos


Estima-se que 5 milhões de pessoas no País podem se beneficiar de uma decisão favorável do Supremo. São vítimas de um conjunto de doenças para os quais a medicina está longe de ter uma resposta satisfatória, como esclerose múltipla, diversas molestias de auto-agressão do organismo, doenças degenerativas e outros casos.


Mas longe deste universo que acompanha o assunto em função de sua urgência, e tem sua opinião formada, a discussão chegou agora, mobilizando convicções e sensibilidades num País que tem a maior população católica do planeta, mas há muito não segue a orientação da cúpula da Igreja em todos os aspectos da vida cotidiana.


A única pesquisa conhecida informa que a população apóia o uso de células-tronco numa margem de 75%. O psicólogo Rui Mello, de Goiânia, dono de uma empresa especializada em apurar e interpretar a sensibilidade dos brasileiros por meio de pesquisas qualitativas, está convencido de que impera, nesse caso, um aspecto prático da existência.


"É o princípio da conveniência," explica. "Se você pergunta a uma pessoa se ela quer ter a chance de curar uma doença, ou mesmo se um parente desenganado poderá recuperar-se, ela obviamente vai dizer que sim. Mas se você entrar em questões abstratas, perguntar se ela acha justo fazer isso ou aquilo, ela pode ficar em dúvida, sentir-se fragilizada e procurar referencias em outros lugares. Aí a influência da Igreja pode ser importante," explica.