Saúde

ENTREVISTA COM RITA LEVI: APOSENTAR-SE É DESTRUIR OS CÉREBROS. O FIM.

Veja entrevista a Ansa, de 2005
| 21/02/2008 às 08:10
   A doutora Rita Levi tem 96 anos e recebeu o Premio Nobel de Medicina há 19, quando tinha 77.
 
  Rita  Levi Montalcini, nasceu em Turín, Itália em 1909 e obteve o titulo  de Medicina na especialidade de Neurocirurgia. Por causa de sua ascendência judia se viu obrigada a deixar a Itália um  pouco antes do começo da II Guerra Mundial.  Emigrou para os  Estados Unidos onde trabalhou no Laboratório Victor Hambueger do  Instituto de Zoologia da Universidade de Washington de San Louis.  

  Seus  trabalhos junto com Stanley Cohen serviram para descobrir que as  células solo começam a  se reproduzir quando recebem a  ordem para isso, ordem que é transmitida por umas substâncias  chamadas fatores do crescimento. Obteve  o Premio Nobel de Fisiologia no ano 1986, que compartilhou com  Stanley Cohen.
 

           


Entrevista

 
-  E como está seu cérebro?
-  Igual quando tinha 20 anos!  Não noto diferença em ilusões  nem  em capacidade.  Amanhã vôo para um congresso médico.  

-  Mas  terá algum limite genético ?
-  Não.  Meu cérebro vai ter um século...., mas não conhece a  senilidade.. O corpo se enruga, não posso evitar, mas não o  cérebro!
 

-  Como você faz isso?
-  Possuímos grande plasticidade neural:  ainda quando morrem  neurônios, os que restam se reorganizam para manter as mesmas  funções, mas para isso e conveniente estimulá-los!  

-  Ajude-me a fazê-lo.
-  Mantenha seu cérebro com ilusões, ativo, faz ele trabalhar e   ele nunca se degenera.

-  E viverei mais anos?
-  Viverá melhor os anos que vive, é isso o interessante.  A chave  é manter curiosidades, empenho, ter  paixões....
 

-  A sua foi a investigação cientifica...
-  Sim e segue sendo

-  Descobriu como crescem e se renovam as células do sistema  nervoso...
-  Sim, em 1942:  dei o nome de Nerve Growth Factor (NGF, fator do  crescimento nervoso), e durante quase meio século houve dúvidas, até  que foi reconhecida sua validade e  em 1986, me deram o premio  por isso.

-  Como foi que uma garota italiana dos anos vinte converteu-se em  neurocientista?
-  Desde menina tive o empenho de estudar.  Meu pai queria me  casar bem, que fosse uma boa esposa, boa mãe... E eu não quis.   Fui firme e confessei que queria estudar.

-  Seu pai ficou magoado?
-  Sim, mas eu não tive uma infância feliz: sentia-me feia, tonta e  pouca coisa...  Meus irmãos maiores eram muito brilhantes e eu  me sentia tão inferior...

-  Vejo que isso foi um estimulo...
-  Meu estimulo foi também o exemplo do médico Albert Schweitzer, que  estava em África para ajudar com a lepra.  Desejava ajudar aos  que sofrem, isso e meu grande sonho.

-  E você tem feito..., com sua ciência.
-  E, hoje, ajudando as meninas da África para que estudem.   Lutamos contra a enfermidade,  a opressão da mulher nos paises  islâmicos por exemplo, além de outras coisas...!  

-  A religião freia o desenvolvimento cognitivo?
-  A religião marginaliza muitas vezes a mulher perante o homem,  afastando-a do desenvolvimento cognitivo, mas algumas religiões  estão tentando  corrigir essa posição.

-  Existem diferencias entre os cérebros do homem e da mulher?  
-  Só nas funções cerebrais relacionadas com as emoções,  vinculadas  ao sistema endócrino.  Mas  quanto às  funções cognitivas, não tem diferença alguma.

-  Por que ainda existem poucas cientistas?
-  Não é assim!  Muitos descobrimentos científicos atribuídos a  homens, realmente foram feitos por suas irmãs, esposas e filhas.  

-  É verdade?
-  A inteligência feminina não era admitida e era deixada na  sombra.  Hoje, felizmente, tem mais mulheres que homens na  investigação cientifica: as herdeiras de Hipatia!  

-  A sábia Alexandrina do século IV...
-  Já não vamos acabar assassinadas nas ruas pelos monges cristãos  misóginos, como ela.  Claro, o mundo tem melhorado  algo...
 

-  Ninguém tem tentado assassinar a você...
-  Durante o fascismo, Mussolini quis imitar o Hitler na perseguição  dos judeus..., e tive que me ocultar por um tempo.  Mas não  deixei de investigar:  tinha meu laboratório em meu quarto...E  descobri a apoptose, que é a morte programada das células!  

-  Por que tem uma alta porcentagem de judeus entre cientistas  e  intelectuais?
-  A exclusão estimula entre os judeus os trabalhos intelectivos e  intelectuais:  podem proibir tudo, mas não que pensem!  E  é verdade que tem muitos judeus entre os prêmios Nobel...  

 -  Como você explica a loucura nazista?
-  Hitler e Mussolini souberam como falar ao povo, onde sempre  prevalece o cérebro emocional por cima do neocortical, o  intelectual.  Conduziram emoções, não razões!  

-  Isto está acontecendo  agora?
-  Porque você acha que em muitas escolas nos Estados Unidos é ensinado  o creacionismo e não o evolucionismo?

-  A ideologia é emoção, é sem razão?
-  A razão é filha da imperfeição.  Nos invertebrados tudo está  programado: são perfeitos.  Nós não.  E, ao sermos  imperfeitos, temos recorrido à razão, aos valores éticos:   discernir entre o bem e o mal é o mais alto grau da evolução  darwiniana!

-  Você nunca se casou ou teve filhos?
-  Não.  Entrei no campo do sistema nervoso e fiquei tão fascinada  pela sua beleza que  decidi dedicar todo meu tempo, minha  vida!
 

-  Lograremos um dia curar o Alzheimer, o Parkinson, a demência senil?  
-  Curar...  O que vamos lograr será frear, atrasar, minimizar  todas essas enfermidades.

-  Qual é hoje seu grande sonho?
-  Que um dia logremos utilizar ao máximo a capacidade cognitiva de  nossos cérebros.

-  Quando deixou de sentir se feia?
-  Ainda estou consciente de minhas limitações!

-  O que você faria hoje se tivesse 20 anos?
-  Mas  eu estou fazendo!!!!

    Como  vai celebrar seus 100 anos?
 Ah, não sei se viverei até lá, e, além disso, não gosto de  celebrações. No que eu estou interessada e gosto é do que faço cada  dia.!

-  E  o que você faz?
-  Trabalho para dar uma bolsa de estudos para as meninas africanas  para que estudem e prosperem ... elas e seus paises.  E  continuo investigando, continuo pensando.

-  Não  vai se aposentar?
-  Jamais! Aposentar-se é destruir cérebros!  Muita gente se  aposenta e se abandona... E isso mata seu cérebro. E  adoece.


 (Ansa, 2005)