Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA LIVRO "QUERÊNCIAS" DE LANDISVALTH LIMA

Landisvalth Lima é professor da rede estadual de ensino da Bahia
23/11/2024 às 18:08
      Toda obra literária tem um valor inestimável quer seja de um autor consagrado que publica nas grandes editoras, quer aqueles (quase anônimos) deste imenso país que é o Brasil. Estes últimos lutam com todas as forças para que suas mensagens cheguem aos leitores e são muitos e dedicados escritores que, normalmente, exercem outras profissões e conseguem tal intento na área literária. Não é fácil. A literatura, aliás, nunca foi fácil. É uma atividade complementar que exige muita dedicação.

    Recebi uma dessas obras escrita pelo professor Landisvalth Lima residente em Heliópolis, norte da Bahia, intitulada “Querências” (Editora do autor, capa Pétala Tamisa Lima, ilustração da capa Raissa Alves, 187 páginas, 2024, venda pela internet no Clube dos Autores, R$50,00) um romance regional que retrata a vida numa localidade do interior com seus dramas sociais, sua corrupta vida política e todo um cenário que é bem típico de municípios do Nordeste do Brasil. 

   De resto, se analisarmos o quadro endêmico de corrupção municipal no país, o regional exposto no livro de Landisvalth se torna, num sentido mais amplo, num regional-nacional, pois, notórias são as estrepolias praticadas pelos gestores municipais no executivo e também nos legislativos, nas câmaras de vereadores.

   O autor, portanto, vai trilhar a sua pena por esse mundo real da impunidade com um romance onde os personagens principais são um promotor público de justiça (Berson), advogado, letrado, compromissado com a moral e os bons costumes, serrinhense designado para a comarca de Cícero Dantas; o qual se apaixona por uma jovem nativa de Heliópolis (Camila), iletrada, brejeira, desses amores que se dão à primeira vista num cenário bucólico quando de um pernoite que o promotor procedeu na pensão de dona Vavá.

   Nessa mesma visita a Heliópolis o promotor é informado sobre um corpo torturado e encontrado na estrada que liga este município a Poço Verde, Sergipe, e também sobre os desmandos da localidade, a anarquia administrativa, crimes impunes, roubalheira - uma confissão feita pela dona da pensão. É nesse cenário que a jovem Camila visita dona Vavá pedindo socorro e desperta a atenção do promotor.

   O romance nasce assim de um encontro casual que vai se tornar duradouro com dois personagens aparentemente díspares, ele, um advogado concursado e nomeado promotor público; e ela, uma balconista de uma casa de materiais de construção de propriedade do seu pai. É o véu do amor que os envolve, a querência, no sentido de querer com uma conquista baseada na compreensão e na virtude, com o passar do tempo, o promotor enxergando em Camila (sua futura esposa) uma tábua de salvação para Heliópolis como gestora municipal capaz de por fim aos desmandos no município e realizar uma gestão digna e merecedora à população.

   O autor, portanto, vai encaminhar o romance nessa direção mesclando cenas de paixão do casal e os descaminhos administrativos, o crescente tráfico de drogas na divisa com o estado de Sergipe, o enriquecimento de personagens, enfim, todo um caldo de cultura da região. 

  Diria que o professor Landisvalth, que mora no município e conhece bem a região, tem a coragem de expor um drama social e político que vem se repetindo há anos em Heliópolis e embora seus personagens tenham nomes fictícios, as localidades onde estão inseridos são reais: Heliópolis, Cicero Dantas, Pombal, Euclides da Cunha, Poço Verde, Viuveira, Cajazeiras, etc, o que torna a história mais apimentada.

  Um trecho escrito pelo autor diante mais um crime de mando no município mostra a realidade do ambiente: “Além da violência, Berson percebeu uma outra: o corpo ficou exposto no passeio público do bar quase o dia inteiro, aguardando o Instituto Médico Legal, localizado em Euclides da Cunha, a 140 km. A segunda opção era o de Juazeiro, a 370 km. Enquanto aguardava, Berson imaginava o tamanho da Bahia. Grande e querida, cabe inteira no coração dos baianos, mesmo não atendendo satisfatoriamente os seus filhos nas necessidades básicas. São anos de promessas de melhoria na educação, na saúde e na segurança pública e nada melhora, nada avança”. 

   Na abrangência do romance o autor também expõe, em síntese, as desigualdades regionais da Bahia e o abandono do estado em algumas regiões, a dependência de socorros que nunca veem ou demoram de vir. “Querências”, portanto, tem essa abrangência e o mais expressivo sinal de que essa realidade é cruel.

   “São anos de promessas de melhoria na educação, na saúde e na segurança pública e nada melhora, nada avança. Berson sabia que tudo estava estagnado. Pensava consigo que logo vão aparecer os teóricos a dizer que a culpa é do mundo das drogas, mas a verdade está muito além disso. Qualquer bandido pé-de-chinelo perde o medo do estado. O mesmo estado que prende é o mesmo que solta. O mesmo estado que educa também marginaliza. Há muita coisa que precisa ser corrigida”, comenta o autor.

   É nesse contexto que Berson e Camila se unem em casamento, a esposa do promotor é eleita prefeita, no decorrer da campanha (ou pré-campanha) sofre um atentado e sobrevive, descobre-se que um dos “chefões” do crime é o pai de Camila, alguns políticos locais vão para a cadeia após ação do promotor (e depois são soltos, traço comum no país), há uma ação integrada do promotor com um delegado para conter o crime e o tráfico de drogas e o autor conduz o romance para um final feliz com um município bem administrado e com futuro promissor, até bem encaminhado na sucesso de Camila.

   Veja o que diz o autor no capitulo XIV: “Chegou o dia da posse dos eleitos. A Câmara de Vereadores estava lotada. Jornalistas de toda a região, inclusive duas equipes de TV de Salvador registravam tudo, além de entrevistar Berson, Camila e Martinha. Heliópolis era o tema do momento, afinal a imprensa exaltava o promotor que desarticulou a maior quadrilha de todos os tempos do interior do estado da Bahia e Sergipe, permitindo a eleição de uma mulher que desafiou até mesmo o pai. Camila e Berson eram exemplos para o país”.

   O livro, evidente, é uma ficção, um romance. E esse pensamento desejoso do autor, embora ficção, traz, embutido no seu contexto um desejo que seria da população para que, n’algum dia, a politica em Heliópolis tenha um rumo mais decente e o tráfico de drogas na fronteira da Bahia com Sergipe, com crescente intensidade e mortes, seja contido.

   O romance tem esse viés, de uma denúncia no campo politico-social.