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Rosa de Lima

HISTÓRIA DA BRUXARIA É O COMENTÁRIO DA ROSA DE LIMA, EM LITERATURA

Um trabalho bem pesquisado sobre a bruxaria antiga e a moderna
14/09/2024 às 10:48
 O senso comum ainda nos dias atuais aponta que a bruxaria é uma atividade perniciosa, maligna e que tem relação muito forte e de compadrio com o diabo. Sua associação com a feitiçaria, os feitiços produzidos para fazer o mal a outrem ou ao menos tentar livrar-se deles (um antídoto) estabelecidos e apontados em sua direção são sempre frutos da maldade. No marketing cinematográfico e livreiro é assim que se apresenta e se vende ao consumo da população a bruxaria.

   Daí o valor inestimável do trabalho extenso de pesquisa históricas, análises e estudos de vastos períodos da humanidade sobretudo do medievo europeu que tiveram os autores Jeffrey B. Russell e Brooks Alexander para organizar o livro "História da Bruxaria" (Editora Aleph selo OOYO, SP, 2019, tradução de Álvaro Cabral e William Lagos, capa Thiago Lacaz, imagem da capa 'As bruxas' de Hans Baldung, capa dura 277 páginas, R$50,00 no Estante Virtual) e apresentar aos leitores uma versão mais condizente com a realidade. 

  Os autores vão analisar desde o advento da feitiçaria antiga aos recentes movimentos neopagãos. Como diz Russell no prefácio: “Este livro é uma edição revista de “A history of witchcraft”, publicado por Thames & Hudson em 1980 e inclui dois capítulos completamente novos escritos por meu colaborador Brooks Alexander, que atualizam a história da bruxaria moderna, e uma bibliografia completamente contemporânea. Em muitos sentidos é um novo livro”.

   Apresento, então, aos meus leitores e leitoras os autores. Jeffrey Burton Russell é um notório historiador medievalista e cientista da religião estadunidense. Formou-se pela Universidade da Califórnia, em Berkley, doutorando-se na Emory University. Lecionou nas universidades do México, de Notre Dame e na própria Universidade de Califórnia, porém no campus de Riverside. Nos últimos anos de sua vida profissional lecionou no campus de Santa Barbara, onde era professor emérito. Faleceu em 2023.

   Brooks Alexander é jornalista versado em ciência política e direito e estudioso das novas religiões e movimentos espirituais. Autor de ‘Witchcraft goes mainstream’, tem escrito numerosos artigos sobre bruxaria, neopaganismo e outros movimentos religiosos mais recentes. Portanto são dois experientes especialistas no que diz a esse complexo tema que tem atravessado séculos no Ocidente (o livro não trata da bruxaria no Oriente), envolveu reis, rainhas, a igreja católica, a inquisição, milhares de mortes na fogueira e continua atual uma vez que o neopaganismo é adotado e praticado como uma religião. É a volta que o tempo dá.

  Brooks Alexander comenta sobre a sua participação no livro: “Devo gratidão aos bruxos de mentalidade ecumênica do COG (Governant ot the Goddess) que consistentemente lutaram (algumas vezes contra a resistência de membros de sua própria comunidade), a fim de tornar sua religião amplamente conhecida e compreendida pelo público em geral”.

  “História da Bruxaria”, portanto, é considerado o mais abrangente estudo sobre o tema, sob diferentes perspectivas. Os autores examinam a gênese, o auge e o declínio da caça às bruxas e revelam como a bruxaria sobreviveu, ressurgiu, se reciclou e atua na sociedade contemporânea. Uma história marcada pela perseguição, medo e mortes. Hoje, triunfalista e com milhões de seguidores praticantes, claro, com uma nova cosmovisão.

   Na primeira parte do livro, os autores falam do passado e as características gerais da feitiçaria e seus mecanismos. Relam a Inquisição e sua implacável caça às bruxas, onde milhares de pessoas foram torturadas e obrigadas as confessar crimes que nunca cometeram. Sob tortura era possível obter qualquer declaração e com isso os inquisidores se deleitavam.

   Muitas vezes a pessoa que era apontada como uma bruxa, uma feiticeira, e perseguida e presa pelos inquisidores se via obrigada a denunciar outras pessoas de sua comunidade, muitas das quais não tinham qualquer relação com essa prática e eram também presas e condenadas à morte. Isso sem nenhum tipo de prova cabal.

   Os exemplos citados por esses autores são gritantes como o que aconteceu no condado inglês de Essex com o enforcamento de centenas de pessoas. Jaime I da Inglaterra e VI da Escócia se notabilizou por inclemente perseguidor de bruxos e bruxas e chegou a escrever um livro intitulado “Daemonologie”, um manual para servir à perseguição.

    Outra publicação intitulada “Discoverie of witches”, de Matthew Hopkin, 1647, o “caçador mor de bruxas da Inglaterra” é sintomático desse momentos com julgamentos sumários e ficaram famosos os que aconteceram durante a “Restauração”, em Bury St Edmunds, em 1662, quando mulheres foram acusadas e condenadas com base no testemunho de crianças histéricas e de letrados, por causa de “pretensos mamilos das bruxas”, e uma mulher Isabel Gowdie chegou a declamar ter encontrado o Diabo na igreja, em 1647, e feito um pacto com ele. Redimida a fé cristã, teria virado um gato.

   A Inquisição, por sua vez, não é ligada exclusivamente à Igreja Católica, nem mesmo começou na Idade Média. Está relacionada com a Renascença e com a Reforma, além do resgate ao Direito Romano, totalmente intolerante com as bruxas. Os imperadores romanos acreditavam ser vulneráveis às maquinações das bruxas e nas tábuas do Direito Romano já havia provisões contra encantamentos e feitiços.

    Cristãos que viam sua religião de outra forma ou ousavam fazer sua própria interpretação foram condenados à morte só por isso. Desta forma, todo tipo de perseguição, opressão, abuso psicológico e físico foi cometido. O julgamento das bruxas em Lanchashire, 1612, foi o primeiro a admitir os clichês continentais relacionados à bruxaria. No inicio do século XVII, no entanto, a bruxaria já estava fora de moda entre os intelectuais e raramente levada a sério pelas autoridades governamentais.

   A caça às bruxas, historicamente falando, nos dias atuais, é vista como um crime contra a humanidade. 
   Na segunda parte, Brooks Alexander discorre sobre a bruxaria moderna. Com o ressurgimento do interesse no período romântico, a bruxaria começa a adotar o ar de religião natural. Entra em cena a Wicca, construída sobre o que se pensa ser uma herança pagã pré-cristã, tonando-se o que hoje se convém chamar de religião neopagã.  O livro tem muitas imagens em preto e branco de todas essas fases.

    O movimento da bruxaria neopagã evoluiu de maneira a ser visto como uma religião consolidada e há referências ao “pai da bruxaria moderna” o inglês Gerald Gardner, autor de dois livros que representam os textos fundamentais da moderna bruxaria religiosa: A bruxaria hoje (1954) e “The meaning of witchcraft” (1959), no Brasil sob o titulo de “O significado da bruxaria”; e que foram vitais para a difusão e evolução da “Wicca Garderiana”. 

   A Wicca representa uma religião neopagã politeísta centrada na magia – vista no aspecto positivo – e no culto ao casal sagrado – Deus e Deusa manifestados em todos os ciclos da natureza, e vem passando por transformações como todo movimento religioso. 

   Os autores descrevem a releitura de Wicca de Gardner por Doren Valient (falecida em 1999 e considerada a avó da bruxaria moderna) e Alex Sanders, e florescimento da diversidade com a bruxaria nos Estados Unidos e o boom com a internet.

   Os autores – como vimos na inicial desse comentário – são norte-americanos e seus estudos e análises além da parte histórica centrada no medievo europeu e alguns exemplos da África são relacionados ao Reino Unido e EUA, sobretudo do neopaganismo. 

  Mas é claro que a bruxaria, a feitiçaria, o xamanismo e outros tem dimensão mundial, a Rússia e os países eslavos têm uma tradição muito forte neste campo, dizem que até Wladmir Putin se aconselha com bruxas; a África é um manancial, o Peru e parte da América Latina e o Brasil com suas pajelanças desde os tupinambás e os carijós.

   O tema é amplíssimo e existe uma bibliografia imensa sobre esse assunto em várias línguas e culturas. Além do que é, apaixonante, e com milhões de seguidores no mundo.