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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA ROMANCE "O AMOR NÃO É OBVIO", DE ELAYNE BAÊTA

A presença de Baêta na última Bienal da Bahia se assemelhou a ‘pop-star’ da música, uma multidão de jovens a aclamá-la, ouvi-la nos painéis e mesas redondas e solicitar autógrafos.
06/09/2024 às 12:40
   amos folhear as páginas de uma obra diferenciada para quem está acostumada com a literatura formal dos romances, ensaios e crônicas brasileiras. Elayne Baêta é uma jovem baiana, 26 anos de idade, que se tornou um expoente da literatura juvenil LGBT com seu texto divertido, reflexivo, agradável e com linguagem muito utilizada pelas gerações Alpha (Gen A) e Z e grande sucesso em vendas. 

   A presença de Baêta na última Bienal da Bahia se assemelhou a ‘pop-star’ da música, uma multidão de jovens a aclamá-la, ouvi-la nos painéis e mesas redondas e solicitar autógrafos. 

  Falemos, então, do seu livro de maior sucesso e que a levou ao estrelato intitulado “O Amor não é óbvio” (Galera Record, 392 páginas, 18ª edição, 2023, design de capa e miolo, Anderson Junqueira; ilustrações de capa e miolo, Elayne Baêta, R$59,00 no Mercado Livre) uma delícia de texto num romance encantador, bem representativo da comunidade LGBTQIA! Tendo como foco principal dois personagens: Íris Pêssego e Édra Norr. 

   Em princípio, o leitor associa Íris a própria Elayne, o que é natural, pois, na medida em que vai narrando a história em 22 capítulos - alguns com ilustrações da autora e linguagem gráfica moderna – ambas se parecem.

   E o que conta o enredo dessa personagem adolescente ligada na novela “Amor em atos”, juntamente com sua vizinha Dona Símia, uma com 17 anos e a outra com 68 anos, portanto, dois mundos diferenciados na interpretação do amor, porém, com um aprendizado de cada lado. 

   Ou seja, Iris e Símia se entendem, dialogam, abordam questões do tempo presente com semelhanças no pensar e agir, sobretudo em relação ao complexo comportamento dos jovens com tantas interrogações, novas siglas, novos jeitos de amar, novas interpretações nos relacionamentos.

    Na escola onde a tribo de Iris e Édra estudam e encaram essa nova realidade, a autora coloca os jovens articulando a festa de formatura do terceiro ano e também como perder a virgindade antes de ir para a faculdade. 

   Entra em cena um personagem homem Cadu Sena, a sua paixão platônica, o qual deixa a namorada e volta a ficar solteiro. Eis, o pulo da gata, a sua chance de conquistar o garotão dos mais paquerados na escola, o gostosão, o tesudo, numa ótica à primeira vista.

   Calma! Cadu não estava tão solteiro assim e já tinha entabulado novo romance com Édra Norr. Eis, donde saiu o título do livro: “O Amor não é Óbvio”, pois, na tentativa de descobrir quem era Édra, Iris mantém uma paixão latente por Cadu, um fio de esperança em poder conquista-lo, chega perto disso, porém, se apaixona por Édra. 

   Procurou o que queria e atingiu outro alvo de conquista milimétrica e demorada, o que faz com que os leitores vão se apaixonando pelo livro, na expectativa de Iris conseguir seu objetivo.

  Mas, qual, se “O amor não é óbvio” conquistar Cadu ou Édra? 

   E Íris trafega por essas duas trilhas e o leitor vai acompanhando a narrativa, a escola, a família, a cidade (São Patrique corruptela de São Paulo), os diálogos com Símia, a bicicleta, as conversas com os colegas, o “submundo” (local das baladas) com títulos chamativos nos capítulos – “Os corredores falam”; “O submundo”; “Hormônios em ebulição!”, “Alta Velocidade”, “Entendendo o amor”, “Asteroides”, “A grande descoberta”, “Lésbica” etc.

   Os diversos personagens do livro seguem esse roteiro bem representativo de uma cidade grande – o professor, o dono do mercadinho, os jovens do ensino médio e suas preocupações com o futuro, que profissão abraçar e seguir, que vida terão mais adiante, como enfrentar as mudanças da sociedade, etc, e Íris, a personagem principal vai perdendo as virgindades - não só em sexo - mas nas escolhas que vai experimentando ao longo do decorrer do romance. 

   Comer uma pizza, por exemplo, para quem nunca experimentou é perder uma virgindade; beijar uma colega na boca sugando a língua no “Submundo” é também perder uma virgindade; experimentar um baseado, sorver um uísque, enfim, os jovens vão experimentando sensações e novas sensações nessa transição entre o ensino médio e a faculdade, e Baêta coloca essas novidaded corriqueiras entre eles – daí o grande sucesso do livro, creio – pois, na vida cotidiana milhões deles no Brasil agem dessa maneira.

   Ficar – por exemplo – é um verbo bem conjugado nesse meio, o ficar no sentido de experimentar, de testar, sem qualquer compromisso, especialmente porque “O Amor não é óbvio” e se fosse, homem casaria com mulher e vice-versa sem alternativas. Iris, pois, se põe como lésbica. Mas tem muitas dúvidas em sua cabeça. 

   “Antes de ir para cama com Cadu Sena, fizemos um acordo. Nem eu nem ele tínhamos gostado da experiência. Mas ficamos tão íntimos em tão pouco tempo que já nos considerávamos amigos, aliados, ou seja, lá qual foi a palavra estranha que Cadu usou para nosso novo relacionamento. Como foi mesmo muito péssimo, especialmente para mim, ele sugeriu que nada tinha acontecido de fato, para que as coisas não ficassem estranhas quando o assunto viesse à tona ou qualquer coisa do tipo”.

  Íris descobre que Cadu era apaixonado por um colega, Maurício. E numa briga no colégio em que Cadu apanhava de um adolescente chamado Luiz, Íris ergue as mangas do suéter e parte para cima de Luiz, quando é empurrada e chamada de “projeto de sapatão”

   - Você me chamou de que?

   - Você sabe do que eu te chamei.

   - Eu não sou um “projeto de sapatão”, seu grande idiota. Meu maxilar trincou. – Eu sou lésbica

   Há muitos personagens coadjuvantes no romance. Édra Norr, experiente, bela, durona, com quem Íris também perde sua virgindade; Cadu Sena, o primeiro crush que Íris teve; Polly, a melhor amiga da protagonista desde a infância; o professor Wilson Zerla; Camila Dourado, a antagonista – provável paixão de Cadu e de Édra; Maurício, namorado enrustido de Cadu.

   “O Amor não é óbvio” é um livro especial para jovens. Tenho, no entanto, a obrigação de lê-lo como cronista até para poder entender o significado atual do comportamento dos jovens e do LGBTQIA e o amor livre de amarras e dualidade, sendo mais amplo do que se pode imaginar. 

   Há, pois, momentos sedutores nos encontros entre eles e elas; eles e eles; elas e elas e o leitor tem que acompanhar com muita atenção esses passos e essa nova realidade. O livro, originalmente, foi lançado em 2019, quando a autora tinha 22 anos de idade, e lá se vão quase 6 anos, e continua sendo atualíssimo.