Colunistas / Literatura
Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA “TREZE CONTOS REAIS, DE JOSÉ DE JESUS BARRETO

Já comentamos aqui outros livros de Barreto e agora vamos fazê-lo anotando alguns comentários sobre "Treze Contos Reais (Editora Solisluna, 2017, 94 páginas, ilustrações de Enéas Guerra, R$47,21 site da Amazon
31/08/2024 às 12:38
     O jornalista José de Jesus Barreto que assina ZédeJesusBareto em suas crônicas e comentários esportivos é também autor de vários livros sobre a Bahia e sua gente ele que é natural da cidade do Salvador, suburbano onde nasceu, e dedica sua pena de linguagem bem baiana com dizeres do sotaque do seu povo, a poetizar em contos ou poemas personagens populares da cidade, a gente do povo, o candomblé, a rua, a alma, enfim, a burilar a velha cidade da Bahia e seus personagens.

   Assim, nessa trajetória como escritor sem descuidar do jornalismo, porque o jornalismo é que lhe dá o sustento - não só a ele, mas a vários outros escritores da Bahia com essa mesma profissão - ficando a literatura como um aconchego, uma arte, o culto à memória. O que, convenhamos, é muito bom, pois, sem esses abnegados o que seria da literatura regional da Bahia? 

    Um fiapo, algo invisível. E Barretinho - como também é carinhosamente chamado - dá seu tom, seu traço, sua colaboração e vai ajudando a fixação de alicerces sólidos, tem bem plantados, afincados ao chão para manterem de pé a cultura do estado. Sem isso seria impossível conhecer o Brasil. Foi Euclides da Cunha no século XIX que, ao escrever “Os Sertões” propiciou ao Brasil conhecer um outro tipo de gente, distante do litoral e que possuía seus costumes, sua religiosidade e integrava o país.

    Muito bom que isso aconteça. Já comentamos aqui outros livros de Barreto e agora vamos fazê-lo anotando alguns comentários sobre "Treze Contos Reais (Editora Solisluna, 2017, 94 páginas em formato 13x19cm, ilustrações de Enéas Guerra, R$47,21 site da Amazon) em que o autor com a sua sabedoria um jeito próprio de se entender a Bahia. Como conceitua nas primeiras páginas do livro “os acontecidos, aqui contados, carregam desse viver o espanto. O riso e o pranto”.

   O leitor pode perceber, de cara, que são narrativas a dispor de quem assim se interessar, dedicado aos filhos Bethânia, Marco, Bárbara e Théo, por amor eterno aos seus, porém, dedicados de forma mais ampla aos leitores que são a essência de qualquer escritor. Sem eles, sem que folheiem as páginas dos livros ou os que leiam pela internet (está muito em evidência ler on-line sem o roçar saboroso das páginas nas mãos e à frente dos olhos), nada feito.

   E diria que, os leitores vão adorar ainda que não possa ajuizar por eles. Mas, quem não gostaria de ler sobre um personagem como “Laroiê!”? O camarada, no falar do autor, “veio à luz num parto sem dores aos berros, choro que mais parecia uma gaitada. Os olhinhos penetrantes acesos, e quando avistou a mãe piscou primeiro. Os dentinhos apareceram aos cinco, já falava aos oitos meses e andou aos nove, um assombro para os adultos. O primeiro nome que pronunciou foi ‘ga-to’, a brincar com o bichaninho da casa, puxando-lhe o rabo”. 

   Essa é a linguagem usada por Barreto em seus contos: doce, leve, compreensível, como as pessoas falam na Bahia, sem erudição, mas que revelam a sinais da realidade em textos de ficção. “O padrinho lembra que no dia do batizado, uma exigência da vó carola, a criaturinha deu língua ao padre, quis mijar na pia batismal, cuspiu o sal que lhe puseram na boca, deu tapa na vela acesa e gritou um não bem alto, que ecoou nos vitrais da igreja, quando lhe fizeram um sinal da cruz na testa”. 

   E lá um dia injuriado com as regulagens Laoriê seguiu a correr pelas trilhas do mundo, tal qual muitos jovens ‘rebeldes’ fizeram e ainda fazem nos dias atuais. E rematou: “Não sou do contra, nem a favor. Sou aquilo que sou. Sou o incerto, sou o acidente, a dúvida”. Laoriê é o nada, o niilismo nato, aquele que acredita no eu, no ser, da forma que lhe parece a mais adequada para a existência humana.

   No segundo dos contos “Visagem”, o autor trafega pela crença popular das almas do outro mundo “pelo caminho enfeitiçado das matas” - muito popular no Brasil - “o reino das entidades das florestas e dos olhos d’água”. No texto em epigrafe em terras do Recôncavo “quando deu por fé, Tio Bié, horas idas, o sombreado do entardecer já borrava os tons de verde e se deu conta de que nem tinha ideia ou tino dos caminhos de volta”.

   E, então, surge a visagem na forma de uma mulher, uma velha cabocla “em trajes de mateira, magra, um lenço claro a prender-lhe os cabelos longos e lisos quase encardidos, cachimbo na boca, absorta em seu que fazer” arrumando um feixe de galhos finos.

   Tio Bié lhe dá boa tarde e pergunta: “A senhora por acaso sabe para que bandas fica o terreiro de mãe Pulquéria?” – Pracolá, linheiro...a cabocla disse, apontando para o lado onde ela estava de costas. Virou-se o tio para se certificar da trilha que deveria seguir e quando foi agradecer a informação à cabocla esta havia sumido. O conto, pois, justifica o titulo “Visagem”, no entender do povo “visage”, que habita as matas do Recôncavo, do Sertão, das Gerais e da Amazonia.

  Bem, não vou contar detalhes de cada um dos treze contos senão a Solisluna não vende o livro. Citarei apenas os títulos dos seguintes a compor os treze: Velha Mangolé, Caculé, Passarinho, Badogue, Pedreiro, Zefa da Trouxa, Maligno, Fastio, Sem nome, Pingos Urbanos e Lampião. Daí, creio, os leitores têm uma ideia do que irão ler com temas do dia-a-dia popular escritos com linguagem e termos que são usuais na boca da população mais pobre e que enfrenta a sobrevivência de maneira diferenciada dos ricos, distantes estão estes dos badogues e das trouxas.

   A propósito adorei os contos da “Zefa da Trouxa” e do “Lampião” e seus assombros e medos. Deixo aos leitores, no entanto, a escolha. Livro ótimo, de leitura fácil, um tapa, uma sentada.