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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA "O CARÁTER NACIONAL BRASILEIRO" DE DANTE MOREIRA

Dante Moreira Leite conceitual de uma época (o autor faleceu em 1976) e vale a pena conhecer suas análises sobre a construção da imagem do Brasil e dos brasileiros.
24/08/2024 às 10:22
   Considero Dante Moreira Leite (1927-1976) um intelectual de escol. Um psicólogo social distinto o melhor de sua geração no Brasil e provavelmente ainda não superado. O livro que vamos comentar está em sua 8ª edição e foi publicado pela primeira vez em 1969 com base na sua tese de doutorado para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) em ensaio que foi ampliado. 

  Trata-se de um clássico da literatura brasileira desses livros que ajudam e muito a entender o pensamento dos autores brasileiros e como eles trafegaram de Norte a Sul; Leste a Oeste sem os meios de comunicação atuais, sem proximidades de informações, atuando em campos literários assemelhados inicialmente como discípulos dos literatos europeus e, com o passar dos anos, criando o nativismo, o indigenismo e o romantismo brasis.

   Uma longa trajetória. É certo que com muito tropeços e imitações, algumas obras sem o apuro detalhado nas fontes e pesquisas primárias. É isso que Dante Moreira Leite nos oferece em "O Caráter Nacional Brasileiro" - História de uma Ideologia (Editora Unesp, 455 páginas, R$76,34, Amazon.com.br, 8ª edição revista organizado Rui Moreira Leite). 

   A análise é profunda e espelhada em 18 capítulos com extensa bibliografia a partir das raízes do caráter nacional, a sistematização e conceitos, a formulação de uma nova teoria do caráter nacional com contribuições da antropologia e da psicologia; teoria e prática do caráter nacional; pressupostos do nacionalismo e racismo; ideologias; a fase colonial e o movimento nativista; o romantismo e o realismo pessimista.

   Na segunda parte do livro analisa o que considera a reação ingênua e patriótica; a grandeza e mistério dos sertões com a obra de Euclides da Cunha e a literatura regional; as raças e os mitos dissecando as obras de Nina Rodrigues, Oliveira Viana, Alfredo Ellis Júnior e Artur Ramos; o prenúncio de libertação com análise das obras de Manuel Bonfim e Alberto Tores; a luxúria, a cobiça e a tristeza com Paulo Prado e o modernismo; em busca do tempo perdido com comentários sobre a obra de Gilberto Freyre; cordialidade e aventura com Sérgio Buarque de Holanda (cordialidade), Fernando de Azevedo (bondade) e Viana Moog (sentimento de inferioridade).

  E conclui o ensaio comentando sobre a filosofia brasileira, Cruz Costa e a renovação do pensamento brasileiro; superação das ideologias com Caio Prado Jr, o nacionalismo a partir da década de 1950, a universalidade da literatura brasileira e as conclusões.

   Destaca, entre outras, que “as teorias racistas tendem a dividir a nação, pois dentro desta indicam partes heterogêneas, quando não antagônicas. O exame das teorias de Lapouge e Gobineau, sobretudo do primeiro, indica o caráter de luta de classe das teorias racistas: na medida em que estas apresentam diferenças biológicas entre raças – que são também classes sociais -, justificam o domínio de um grupo sobre o outro, mas, ao mesmo tempo, negam a unidade nacional”.

   Na concepção de Dante Moreira Leite “as ideologias do caráter nacional brasileiro seguem bem de perto o esquema das doutrinas europeias. Numa primeira fase, aparece a revelação da terra e, já no século XVIII, o sentimento nativista. Este ainda não é nacionalismo, pois revela mais a ideia do local de nascimento que a reivindicação da unidade nacional. Esta aparecerá com a independência e o romantismo, e neste caso acompanha o esquema estabelecido pelo romantismo alemão”.

  Como os leitores podem perceber o ensaio de Dante Moreira Leite recheado de comentários e análise no campo da psicologia social não é para o leitor que aprecia a literatura brasileira pura – o romance em si, o ensaio, crônicas, poesia, etc – permitindo que tire suas próprias conclusões ainda que possa lê-lo para adquirir mais conhecimentos. Trata-se de um livro mais dedicado a estudantes de nível superior, pesquisadores, estudiosos da literatura e ensaistas polemistas. No entanto, não fecho a porta aos leitores e até recomendo o ensaio de Moreira Leite que tem muitas observações e análises sem vieses ideológicos mais acentuados ao gosto esquerdo marxista.

  Assim, não vê, como muitos radicais veem, a obra de Gilberto Freyre “Casa Grande e Senzala” como algo pecaminoso e discricionário. Há trechos que reconhece que o autor comete equívocos, mas, também enaltece o seu trabalho. 

   Por conseguinte, cita: “A não ser em ‘Ordem e Progresso’, os estudos de Gilberto Freire parecem utilizar o método histórico, isto é, a reconstrução de uma época por documentos primários: cartas, livros, anotações pessoais, anúncios de jornais etc. No entanto, como estudos históricos, os trabalhos de Freyre têm uma deficiência fundamental: o desprezo total pela cronologia e pelo espaço geográfico dos fatos descritos”.

   Sobre a intenção declarada de Gilberto Freyre em fazer não história ou história social, “mas uma sociologia genética ou histórica, no caso da sequência que começa com ‘Casa Grande & Senzala” seria a sociologia genética da família patriarcal no Brasil. () Mas a rigor temos apenas as afirmações do autor, mas a estas faltam aquilo mesmo que promete incialmente, isto é, a comprovação objetiva. () Daí não ser possível – segundo Dante – identificar um ponto de vista teórico bem definido na obra de Freyre, nem indicar o método por ele empregado para chegar a essas afirmações.

  Ao discutir a significação da família patriarcal para a vida brasileira a critica fundamental a essa teoria de Freyre só foi feita indiretamente por Caio Prado Jr, ao afirmar que a família do senhor, da casa grande, era de “minúscula minoria”. Portanto, não poderia exercer a influência nacional suposta por Freyre. Para Dante, “Se a família patriarcal, no entanto, for considerada sistema de poder, a análise de Freyre ganha uma outra dimensão não salientada pelo autor, mas nem por isso menos significativa.

  Oliveira Viana fala em raças superiores e inferiores; Freyre sugere uma genética familial não racial. Moreira Leite destaca que “quanto as suas consequências, as teorias não são tão diferentes quanto às vezes se pensa, pois ambas veem o Brasil atual, como forma de decadência, de depuração de formas autênticas. () Apesar disso, Gilberto Freyre, sob mais de um aspecto, prenuncia uma outra perspectiva, para análise de nossa história”.

   Bem, o livro de Dante Moreira Leite conceitual de uma época (o autor faleceu em 1976) e vale a pena conhecer suas análises sobre a construção da imagem do Brasil e dos brasileiros.