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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA O "ESPÍRITO...DOS OUTROS", DE ARLINDO FRAGOSO

Arlindo Coelho Fragoso era engenheiro fundador da Escola Politécnica da Bahia e da Academia de Letras da Bahia
16/08/2024 às 18:48

    Arlindo Coelho Fragoso foi um dos fundadores da Academia de Letras da Bahia (ALB) depois que Almachio Diniz e o Barão de Macaúbas haviam criado a Academia Bahiana de Letras (1911) e Instituto Literário da Bahia (1845). Fragoso era literato e engenheiro natural de Santo Amaro onde já havia publicado "Estudos sobre a Cinemática (1887), Instrução popular - o Instituto Municipal (1891), Administração municipal de Santo Amato (1893) quando sensibiliza o governador Antônio Moniz a fundar a ALB em 7 de março de 1917, data de sua instalação.

    Nascido em 1865 com formação em engenharia na Escola Politécnica do Rio, a essa altura da vida já tinha fundado, também, a Escola Politécnica da Bahia (1897), atuava como jornalista free-lancer nos jornais “A Maçonaria” e “Correio da Tarde” e tinha 15 obras literárias publicadas. Era um engenheiro e literato como os demais fundadores da ALB, que era advogados e jornalistas - Ruy Barbosa, Severino Vieira, Egas Moniz de Aragão, etc, bem diferente de hoje que se elege cantantes e virou um puxadinho da UFBA.

   Creio que o melhor livro de Arlindo Frango foi "O Espirito...dos Outros" - Chronicas Modernas, História, Arte e Críticas, 1917, prefácio da Xavier Marques (Imprensa Oficial da Bahia (IOB), 1917, formato 11x18cm, 575 páginas, CCL capítulos curtos, reeditado pela EDUFBA, 2015, R$70,00 encontrado também em Estante Virtual R$49,00 e nos sebos) uma delícia de leitura contendo tiradas filosóficas, sátira política e citações de autores franceses e portugueses, d'alguns brasis, a base para formular a sua linguagem satírica e humorística de alta qualidade remetendo-as aos dirigentes da República nascente no país. 

        Ao escrever "O Espirito... dos Ouros" eis que Arlindo Fragoso se não incorporou espíritos alheios nos seus chistes e comentários de fina ironia demonstra ser um leitor assíduo das obras dos franceses do seu tempo, século XIX, assim como da literatura portuguesa e dos românticos brasileiros onde se apega em citações nas aberturas e intermezos de suas crônicas, dando-lhes desfechos com tiradas de humor e tons políticos.

    Diria ser uma crítica social relevante a República nascente no Brasil (o livro foi publicado em 1917, mas as crônicas foram publicadas nos jornais da Bahia, antes) e aos seus integrantes do poder que, n’alguns casos se assemelham em diátribes as cortes francesas dos luíses, em especial dos XI aos XIX.

   Como bem salientou Xavier Marques no prefácio: “Arlindo Fragoso brilhante talento, essencialmente oratório, apoiado em sua cultura cientifica e literária () ...ao lado do entretenimento à crítica, mas a crítica mansa, risonha, quase indulgente, com um sainête que a ameniza e afinal poupa a pele do viciosos para incidir sobre a entidade vicio".

   E completa Xavier: "O livro galante de Arlindo já pelo espirito, já pelo feitio, merece ser classificado entre as nossos melhores letras humorísticas, na secção que se vai opulentando com a saborida prosa de Carlos de Laet, Constâncio Alves e Nuno de Andrade, e com os versos mais ou menos picantes, irônicos ou facciosos de Emilio de Menezes, Bastos Tigre, Aloysio de Carvalho e outros, herdeiros das musas folgazãs que com tanto lustre contribuíram para o cancioneiro alegre de Camilo”.

   Ora, pois, o que satiriza Fragoso para deferências tão especiais a sua pena erudita que pontilhou em 250 dias no Jornal de Notícias com o pseudônimo de Piron? 

   Como disse na época Aloysio de Carvalho Filho (Lulu Parola) “a verve do descanso num país de feriados e de gente de pouca pressa”. Assim, Fragoso publicou suas crônicas ‘modernas’ que o jornal classificou como uma “secção moderna, parisiense, fina, e cheia, na sua filosofia alegre, desse humor salutar da sátira inofensiva, a Tackeray, na simples pretensão de aliviar enfados e tristezas”. 

   E ao iniciar suas crônicas Fragoso cita Fournier, “um mineiro das boas letras, muito amado em França e toda a parte em que a graça contenta e vale. () quanto ao estilo, porque a nenhum me obrigo, estimarei Voltaire neste conselho de arte e começo buscando o abade Dom Fontaine. () Quando o cardeal Mazarino, de famosíssima memória, buscava, em Paris, um novo imposto, era certo perguntar aos de sua intimidade...o que a respeito dele ou do tributo, se dizia pelas ruas.

   - Contam-se por toda a parte, atrozes sátiras contra a pessoa de Vossa Eminência.
  - Ah! Cantam...Tanto melhor! Se cantam, pagarão.
                                                              ***
    Satiriza Fragoso no fecho: - Aqui é o contrário. Quando aparece a praga, aliás muito comum, o povo não canta: geme, chora, protesta, representa e, às vezes, ensaia, a medo, umas bernardas infelizes, cujo só préstimo dizem crônicas, é servir à gloria militar das cavalarias salvadoras e beneméritas.

   E completa: - Mas com bulha ou sem ela, gemidos e lágrimas, e súplicas e protestos, valem os anúncios daquelas trovas e cantigas, que, em Paris, tanto agradava ao cardeal.

  - O povo, eis tudo, paga e paga!
                                                        ***
  Vês nobre leitor, amiga leitora, que o tempo passa e lá se vão mais de 100 anos dessas “chrônicas modernas” de Arlindo Fragoso, os cardeais continuam pidões em nossa República e os nossos “luíses” da Corte Brasis a cobrar mais e mais impostos, e, mais recentemente, na República do Amor paga-se e paga-se sem bulhas.

   “O Espírito...dos Outros” está tão atual como outrora.