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Rosa de Lima

ROSA DE LIMA COMENTA A ILUSTRE CASA DE RAMIRES, por EÇA DE QUEIRÓS

Há, assim, entre o passado (a glória, feitos heroicos) e o presente (a decadência visível e um esforço imaginativo de reconquistá-la) o sentimento de que a Casa do fidalgo da Torre merecia toda a atenção e respeito
28/07/2023 às 15:32
  Eça de Queirós (1845/1900) é considerado o maior romancista e prosador da língua portuguesa, em Portugal, na segunda metade do século XIX, época em que seu país viveu um período de decadência nos campos social e político. 

Nessa mesma época, a Europa estava em efervescência com os avanços da revolução industrial que modificaram a engenharia e a arquitetura e deu novo vigor a economia de uma forma geral, obviamente, também, alterando formas de pensar e escrever com o realismo e o naturalismo e surgindo nas artes o expressionismo e outros movimentos. 

Foi nesse ambiente que Eça escreveu sua monumental obra, entre os brasileiros, os títulos mais conhecidos e lidos, "Os Maias" (que já comentamos aqui), "O Crime do Padre Amaro" e "O Primo Basílio".  

Hoje, vamos falar do seu livro que considero o mais complexo para entendimentos dos leitores que não conhecem ou ao menos não estão familiarizados com a história de Portugal, que se intitula "A Ilustre Casa de Ramires" (Editora Atica, 263 páginas, série Bom Livro, 1998, R$30,00 nos portais), publicado em Lisboa "pós-morte" do autor.

Os críticos mais ácidos situam que esse romance de Eça é um elogio exagerado à aristocracia e ao colonialismo portugueses, o escritor entendendo que esse esforço literário de exaltação a um tempo que, historicamente, fora considerado de glória ajudaria em possível restauração desse espelho positivo. O livro serviria como uma injeção de ânimo no meio político português, uma alerta, no sentido de que Portugal não poderia ficar para trás na Europa e tinha que caminha pari-passo com as demais nações.  

Com isso pretendia mostrar aos patrícios que Portugal já tivera uma liderança mundial e não poderia viver sob o fantasma da decadência, embora, esse apanágio organizado por Eça, brilhante no descritivo de sua pena, sobretudo no exaltar o aristocrata Gonçalo Ramires, principal personagem da trama, tenha sido considerado pelos mais cruéis críticos como um sebastianismo mal disfarçado. Ou seja, uma miragem. Um desejo que não conseguiria ser alcançado, ainda mais sob a liderança dos aristocratas emplumados.

Para quem não sabe o que representou o sebastianismo em Portugal (esse movimento também se irradiou pelo Nordeste do Brasil) trata-se de uma evocação à morte do rei Dom Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, degolado pelos árabes no Norte da África, em 1578, o qual, teria desaparecido e não morrido (na imaginação popular) e iria voltar para a glória de Portugal.  

Pelo contrário, a situação só piorou (do ponto de vista do nativismo) e entre 1580 e 1640, o trono português foi ocupado pela coroa espanhola da dinastia dos Felipe, inclusive no Brasil. Pois dito, durante 60 anos, fomos "espanhóis" subordinados as leis do reino da Espanha.

O romance, portanto, tem esse enredo ufanista e traz, consigo, um apego de reconciliação do autor com Portugal uma vez que em duas outras fases iniciais de sua obra era um crítico mordaz dos costumes portugueses dentro da nova tendência europeia do Realismo, também utilizada pelos franceses. Quem já leu "Os Maias" sabe do que estamos falando.

Lembrando, ainda, que a "A Ilustre Casa dos Ramires" é visto como o romance de sua terceira fase literária (e última de vida) em narrativa que ambientou num período em que Portugal recebeu um "Ultimato" dos ingleses para que se retirasse de países da África que estavam sob seu domínio. Veja, portanto, que Portugal enfrenta problemas internos nos campos social e político o país em decadência; e pressões externas.

A trajetória do fidalgo Gonçalo - filho de uma família nobre - sustenta o enredo da obra - e já nas primeiras linhas o autor diz que "naquela velha aldeia de Santa Irinéia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila Clara, e mesmo na cidade, em Oliveira, todos o conheciam como 'Fidalgo da Torre", o qual, trabalhava numa novela histórica, a Torre de D. Ramires, destinada ao primeiro número dos Anais de Literatura e da História". 

Uma alegoria romanesca que, da lavra literária do personagem (ou seja, do próprio Eça) seria a glorificação da aristocracia com narrativa de feitos heroicos - um romance dentro do próprio romance. O autor tece comentários auspiciosos sobre os heróis ancestrais da aristocracia envolvidos na história do seu país e em guerras na Europa enquanto posiciona Gonçalo como uma pessoa ambiciosa e sem envergadura moral e que luta com todas suas forças em busca do poder político e na sustentação de uma liderança na sociedade. 

Há, assim, entre o passado (a glória, feitos heroicos) e o presente (a decadência visível e um esforço imaginativo de reconquistá-la) o sentimento de que a Casa do fidalgo da Torre merecia toda a atenção e respeito, inclusive político, ele pleiteando voltar à ribalda no poder político de Lisboa, o que, no fundo era o retrato de Portugal. Isto é: Portugal fora o farol do mundo sendo necessário reconquistar sua posição e a velha aristocracia seria a solução neste caminho a percorrer.

É nesse novelo que Eça mostra aos seus leitores que, o exemplo do fanfarrão Gonçalo, exemplar do conservadorismo português, seria um espelho, um modelo, para que Portugal retornasse à ribalda e resolvesse seus impasses.

Eça joga com a justaposição do passado (glorioso de Portugal) e o presente (a decadência no final do século XIX) e conduz Gonçalo a África num navio simbolicamente chamado de Portugal, o que significava a retomada das tradições colonialistas. E Gonçalo volta da África rico e mudado o que, em certo sentido, evoca uma releitura da história portuguesa. 

Bem, este livro, portanto, além do descritivo literário, a linguagem realista e irônica tão bem posta por Eça (seus livros, no geral, são bem escritos com textos cuidadosamente elaborados e diálogos típicos do século XIX, as vezes com uso de palavras e termos que precisam da ajuda de um dicionário), mas, sempre de apreciáveis leitura tem o lado ideológico do autor, considerado um socialista no primeiro momento (primeira fase de sua obra) e, nesta última fase, retomando a veia aristocrática.

Ficou a dúvida no ar uma vez que Eça morreu em 1900, antes de "A Ilustre Casa de Ramires" ser publicado e, ainda que exalte a aristocracia (o que aparentemente seria a solução para Portugal) é, também, ácido e impiedoso com o personagem Gonçalo a quem considera (isso fica bem claro em várias passagens) sem envergadura moral.

O importante, creio, para os leitores é ler a obra de Eça em suas três fases. Leitura agradável e salutar.